Vem, Crivella

Por Flávio Dutra

O Santiago, o Schroder, o Edgar Vasques e os outros chargistas envolvidos na exposição Independência em Risco, encerrada prematuramente na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, ao invés de se enfurecerem com a vereadora Mônica Leal, presidente do Legislativo, e seu colega Valter Nagelstein, deveriam erigir um monumento para eles. Na pior das hipóteses, conceder-lhes o título de Beneméritos dos Chargistas. Graças a ação dos dois para a suspensão do evento, na verdade, um ato de censura, a exposição de charges com críticas ao governo Bolsonaro, que ficaria restrita aos eventuais frequentadores da Câmara de Vereadores, ganhou repercussão nacional, notas na imprensa internacional e uma avalanche de protestos de entidades e personalidades.

No Rio, o prefeito Marcelo Crivella é quem mereceria um monumento - ou um título de Benemérito dos Editores - depois de proibir a venda na Bienal do Livro de uma HQ, o popular gibi, com ilustração de um beijo entre dois personagens masculinos. Em meio a idas e vindas jurídicas, a publicação voltou a ser vendida e rapidamente se esgotou a tiragem. Em Porto Alegre, também uma decisão judicial determinou que a exposição voltasse à Câmara de Vereadores.

Tirante algumas manifestações escatológicas de mau gosto entre os desenhos, as charges eram de muito boa qualidade, servindo para mostrar que essa arte ainda tem força, mesmo que a função dos chargistas caminhe para a extinção pelo espaço ocupado, cada vez mais, pelos memes. 

Divagações a parte, tanto no episódio da Câmara de Vereadores como no da Bienal, o que ficou claro, de novo, é que a censura, mais que uma manifestação autoritária e intolerante, torna-se, antes de tudo, uma burrice, na medida em que expande o que ficaria restrito, contrariando o objetivo que os censores pretendiam, de esconder o exposto. Isso também é conhecido como tiro no pé. Foi desgaste e constrangimento para os agentes públicos.

Aqui, vale lembrar que acabo de lançar um livro cujo título - Quando Eu Fiz 69 - pode gerar interpretações maliciosas que não condizem com os conteúdos da obra. Entretanto, aproveitando a onda de apoio às manifestações censuradas e o inesperado sucesso conquistado por elas, passei a cogitar de encenar uma batida fiscalizatória fake quando da sessão de autógrafos marcada para 8 de novembro na Feira do Livro de Porto Alegre. A sugestão me foi passada por uma leitora presente no lançamento do livro, terça-feira passada. Olha, se tudo der certo e o teatrinho for convincente, Quando Eu Fiz 69 vai vender mais que costela gorda no Acampamento Farroupilha. Vem pra Feira, Crivella.

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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