Advogado que defendeu RBS TV acredita que investigação jornalística se fortalece após queda de censura prévia de matéria

Fabio Milman compara os olhos do jornalismo aos olhos da sociedade

Advogado Fabio Milman - Divulgação

O episódio de censura prévia imposta a uma reportagem da RBS TV mostrou a fragilidade da questão da liberdade de imprensa. No entanto, de acordo com o advogado Fabio Milman, sócio-diretor do escritório Rossi, Maffini, Milman & Grando Advogados, que representou o Grupo RBS no caso, a investigação jornalística deverá sair fortalecida do episódio. "O resultado até aqui obtido, ao invés de inibir o trabalho sério de investigação de fatos, deve servir de referência positiva", explica. 

A reportagem do Grupo de Investigação (GDI) sobre mau uso do auxílio emergencial do governo federal em razão da pandemia foi exibida na íntegra no último final de semana, no Fantástico, na Rede Globo, após ficar suspensa por 11 dias. Uma das fontes entrevistadas pelo veículo entrou na Justiça e o juiz Daniel da Silva Luz, da comarca de Espumoso, concedeu liminar impedindo a veiculação da matéria. Na segunda instância, a censura foi mantida. O Supremo Tribunal Federal (STF) afastou a possibilidade de censura prévia e a desembargadora Maria Isabel de Azevedo Souza, da 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, que havia mantido a proibição, voltou atrás da decisão.

Com experiência de atuação em Direito da Imprensa, Milman destaca que já houve tentativas semelhantes de censura prévia como a do caso de Espumoso: "A rigor, todas, mais cedo ou mais tarde, foram brecadas com acerto pelo Poder Judiciário".

Confira com exclusividade a entrevista que o advogado concedeu à equipe da Critério - Resultado em Opinião Pública, parceira estratégica de Coletiva.net:

Critério - Em que o juiz Daniel da Silva Luz, da comarca de Espumoso, se baseou para conceder a liminar impedindo a veiculação da reportagem? Qual a fragilidade do argumento?

Fabio Milman - A decisão entendeu por preservar a imagem e nome de beneficiária do programa de socorro do novo coronavírus que, segundo alegado, restariam prejudicados pela futura veiculação de reportagem investigativa. E aí estão os dois pontos fundamentais. O primeiro, mais grave, é de que no nosso país a Constituição Federal proíbe a censura prévia, isso é, o impedimento de divulgação de notícias. O segundo está em que, com todo o respeito, impossível afirmar que adviriam danos para a autora do processo antes de conhecer-se o conteúdo e forma da matéria. 

Critério - Na sua avaliação, há risco deste caso de censura prévia motivar outras tentativas de impedir a publicação de reportagens?

FM - A democracia é um valor essencial sob permanente risco. A democracia impera rodeada de inimigos. Há necessidade de todos os segmentos da sociedade aceitarem que os olhos do jornalismo responsável são seus próprios olhos. Posso afirmar, por isso e no caso específico, que a decisão da Comarca de Espumoso desencadeou mais processos com idêntica intenção, mas, felizmente, em nenhum outro, tiveram êxito aqueles que tentaram silenciar a imprensa.

Critério - Qual foi o argumento central do recurso que o senhor enviou ao STF para derrubar a censura prévia?

FM - O remédio utilizado foi o da Reclamação Constitucional, por meio da qual se deve demonstrar à mais alta Corte nacional que decisões suas, consolidadas sob alguns requisitos, está sendo desatendida por outro órgão jurisdicional. Esse o núcleo do pedido, cuja liminar foi concedida pelo Ministro Alexandre Moraes: a existência de precedente do STF afastando a possibilidade de censura prévia.

Critério - Um caso como esse altera de alguma forma o exercício do jornalismo? Há de se tomar algum cuidado adicional na realização de uma apuração jornalística?

FM - O resultado até aqui obtido no caso de Espumoso, ao invés de inibir o trabalho sério de investigação de fatos, deve servir de referência positiva. É inerente à profissão de jornalista checar as fontes, ser parceiro da verdade e compartilhá-la com as pessoas. Ou seja, nada a agregar ou retirar da cartilha.

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