O jornalista ideal

&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;Os mais cínicos celebrarão o feito como o surgimento do jornalista ideal. O cientista Chris Csikszentmihalyi, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), anunciou &#8230; </p

28/03/2002 00:00
      Os mais cínicos celebrarão o feito como o surgimento do jornalista ideal. O cientista Chris Csikszentmihalyi, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), anunciou a criação do repórter-robô. Diretor do grupo de cultura da computação do laboratório de meios de comunicação do MIT, ele se inspirou no Mars Explorer, da Nasa, e pretende suprir o que considera uma deficiência do jornalista convencional, ou seja, humano: obter informações em lugares remotos, perigosos ou aos quais a imprensa tenha o acesso vetado por autoridades militares, caso de algumas regiões do Afeganistão. Trata-se de uma pequena plataforma sobre rodas, uma haste com uma bandeira branca e um monitor de cristal líquido na extremidade e toda a tecnologia que foi possível incorporar.       Obviamente guiado por controle remoto, o equipamento permite ao jornalista avaliar as imagens de lugares inacessíveis e até fazer entrevistas vendo e sendo visto pelo entrevistado. É de se imaginar a reação de um nativo nos confins do Afeganistão ao avistar um caixote que se move dotado de um pescoço comprido e com uma tela na qual aparece um rosto. Provavelmente dará um tiro na engenhoca ou cortará a haste a facão. Pode ser que o robô se mostre útil em outra atividade, mas como repórter não dá, até porque será vetado em áreas sob controle militar ou destruído por espionagem.       Leve-se ou não a sério a idéia de Csikszentmihalyi (se alguém souber a pronúncia correta, por favor, "E-mail-me"), a verdade é que a cada dia os jornalistas têm de incorporar mais e mais inovações tecnológicas. Há um lado bom indiscutível. Ninguém hoje conceberia uma cobertura sem lap-top, celular e internet, tampouco desejaria, a não ser por piada ou desabafo, o retorno à máquina de escrever. Mas é igualmente certo que o avanço das comunicações forjou um novo tipo de profissional.       Quando comecei em jornalismo, já não peguei o linotipo, e sim a fotocomposição, mas ainda precisava apenas do bloco, da caneta e da máquina de escrever. Ou seja, era exigido dos profissionais, em termos técnicos, saber manejar a caneta e máquina (mais antigamente, muitos sabiam taquigrafia ou estenografia). Depois, foi preciso saber usar o computador, com suas dezenas de teclas a mais; o notebook trouxe o acréscimo das conexões telefônicas ? certa vez o Mário Marcos de Souza, do Esporte de ZH, viajou para Londres com a garantia dos rapazes do suporte de que tudo havia sido checado, mas quando chegou lá teve de perder um dia inteiro atrás de um plug compatível com o sistema inglês.       Com o advento da paginação eletrônica, todos foram convocados a usar o sistema. Todos escrevem, todos editam. Quase que todos diagramam. Em muitas emissoras de TV, os próprios repórteres utilizam a minicâmera e dirigem o carro da empresa, ou seja, dispensam-se o cinegrafista e o motorista. É ótimo estarmos na era do profissional polivalente, mas um dia se terá de discutir o assunto com profundidade. Aumentam as atribuições, a responsabilidade e o stress, os salários não acompanham a evolução e as vagas diminuem. A qualidade, é claro, cai, mas nesta hora calam-se as vozes daqueles que costumam professar amor eterno pelo leitor, pelo telespectador etc.       O polivalente é bem-vindo ? em outra ocasião falarei sobre isso -, desde que se possa evitar as distorções. Saber tudo de computador e internet não garante a precisão ou a ética; dominar a tecnologia não assegura eficiência na hora de transmitir, seja por que meios, as informações ao público. Do contrário, as criações do doutor Csikszentmihalyi em breve reinariam nas redações. E sem brigar por salários. Dedicado a Luiz Carlos Nogueira Py (in memorian) ( eliziario@globo.com)