.oOo. Em Recife, num bate-papo sobre o filme, os cineastas Cláudio Assis e Lírio Ferreira entraram com suas garrafas de cerveja e aos berros não deixaram Anna Muylaert falar sossegada. Muita gente, inclusive a diretora, atribuiu isso ao machismo. Pode ser, afinal tem homem que leva a sério a frasezinha do Millôr: o melhor movimento da mulher é o dos quadris. Aí vem essa fulana e mostra que tem talento, que é inteligente e, pior ainda, faz sucesso sem precisar mover os quadris. Mas, convenhamos, era melhor Cláudio Assis e Lírio Ferreira terem ficado na deles. Se mostrarem assim, dodóis, pra todo o Brasil, não foi muito másculo.
.oOo. Em tempo: não tenho nada contra o movimento dos quadris, pelo contrário. Mas, pero, but. Se antes e depois do movimento esse não houvesse um indivíduo, imagina como o mundo seria chato? Antes e depois? Não, durante também. Ou você é do tipo cobra ou peru? Relembre as palavras de Robert Wright em O animal moral: "Há registros de que as cobras machos perdem algum tempo com fêmeas mortas antes de prosseguir na busca de uma parceira viva. E os perus cortejarão com avidez uma réplica empalhada de uma perua". Benza Deus.
.oOo. Há quem prefira perder o amigo e não perder a piada. Millôr preferiu não perder a piada à custa de uma simplificação grosseira. Isso seria fácil de entender no caso desses humoristas televisivos, tipo Rafinha. Mas no caso do homem que se pretendia um pensador, o cara mais inteligente do Brasil e arredores?
.oOo. Cláudio Assis e Lírio Ferreira tomaram umas biritas antes de irem esculhambar a fala da Muylaert. Talvez, sem coragem engarrafada, nada disso teria acontecido. Não se trata de um atenuante, pelo contrário.
.oOo. Entre o fascínio e o nojo, li os comentários dos leitores (palavra forte pra definir esses caras) nas malditas caixas. A maioria atacou a diretora com argumentos do tipo o feminismo acaba na hora em que o pneu fura ou que é preciso abrir o vidro de maionese. Bom, gostaria de ver um homem que acredita que toda a pendenga feminista é a igualdade de força física aguentar três rounds com a Cris Cyborg. Pode ser que depois ele tivesse uma ideia diferente sobre raciocinar com lógica. Muitos leitores disseram que não vão ver o filme porque deve ser uma porcaria, já que a diretora achou machista a atitude de Cláudio Assis e Lírio Ferreira. Rápido, tirem as crianças da sala, pobres inocentes de Deus. Outros se negaram por causa da Regina Casé: como aquela gorda feia pode ter pretensão a ter talento? Quando alguém argumentava que o filme e a Casé levaram prêmios no exterior, que está passando num monte de países com boas críticas, o que houve? Silêncio. E a reiteração: pra ver chororô de nordestino explorado por paulista nem morto. Mais incrível, um sujeito, com a fúria habitual, cobrou a diretora: por que não faz filmes com negros? Olha, se alguém se mostra vaidoso da sua inteligência, do seu talento, posso compreender facilmente, que ninguém é de ferro. Mas fazer o que quando alguém se mostra vaidoso da própria estupidez? - uma vaidade estrondosa, com uma total falta de desconfiômetro dos limites de seus dois neurônios. Ou essa pose de orangotango batendo no peito com urros é pra distrair o sujeito do seu temor - o que rondará meus dois neurônios? -, como o assobio de quem passa pelo beco escuro?