Desleitura

Hoje vou experimentar escrever nada que se aproveite.Já estou na segunda linha e, somando com a anterior, lá vão dezenas de dígitos que não …

05/05/2006 00:00
Hoje vou experimentar escrever nada que se aproveite. Já estou na segunda linha e, somando com a anterior, lá vão dezenas de dígitos que não querem dizer absolutamente nada. Então, até aqui, também não faz nenhum sentido ler. Mas aí basta colocar um "mas aí" e a coisa parece mudar de figura. Porém, mudou apenas o parágrafo. Não escrever nada é quase tão difícil quanto escrever algo. A falta de intenção seria um propósito? Ou, vários despropósitos seguidos perfazem um conteúdo? Perguntar por perguntar também acrescenta? E se se fizer isso seguidamente? Insistentemente? E se se parar de perguntar, ganha-se um objetivo? Não, já decidi que não irei consubstanciar este bloco de texto. Talvez seja a negação da afirmação autoral. Sei lá. Que precisa apenas de algumas linhas subseqüentes para alcançar ou ampliar a inconseqüência até aqui tão bem constituída. Relendo - fiz isso; você, não sei - não constato consistência. Alívio. Se é trabalhoso manter a coerência num texto que pretende a coerência imagine num que a dispense. Então, tão bem-sucedido, ouso continuar. Com o quê, Fraga? A não dizer coisa com coisa. Porém com toda a maestria possível. Fluência. Construções claras e sucintas. Legibilidade. E se eu não me descuidar nas últimas frases e não enfiar nenhum argumento válido, terei obtido, depois desse longo vazio, certa credibilidade. Cabendo uma pausa, pus. Agora que você me acompanhou nessa divagação inútil e desconforme, vá até o fim. Pois acabou. A nenhuma conclusão cheguei, você não seguiu meu raciocínio, nada de memorável ficou registrado. Nem posso dizer que é um total absurdo, porque vou deixar incompleto. Esse tipo de criação, em que as pessoas são levadas a não-ler lendo, tem nome. É inominável.
Leis - interprete como quiser(I).

Para cada cheque emitido, deve haver um descontado. É a Lei da Compensação.

Quando um sujeito bate, outro apanha. É a Lei do Mais Forte.

Ser solteira é o principal requisito para ser mãe solteira. É a Lei do Ventre Livre.

Os cofres públicos e o orçamento da União são incompatíveis. É a Lei de Meios.

Quem tem senhorio sempre paga por isso. É a Lei do Inquilinato.

Um homem muito machucado cai igual a um menos ferido. É a Lei da Gravidade.

A culpa dos erros ortográficos é da ortografia. São as Leis Gramaticais.

Depois do toque de recolher, o medo a toque de caixa. É a Lei Marcial.

Cego por cego, banguela por banguela. É a Lei de Talião.

Toda legislação contra o racismo sabe o seu lugar. É a Lei Afonso Arinos.

Proibir os alambiques de funcionar arrebenta os fígados. É a Lei Seca.

Se uma árvore não é nativa, é exótica. É a Lei da Selva.

Para se tornar preguiçoso não se deve mover uma palha. É a Lei do Menor Esforço.

Qualquer um pode meter a mão em negócios imobiliários. É a Lei de Luvas.

Tudo tem um curso que não se sabe bem qual é. É a Lei do Destino.

Cada um que cuide do seu slogan, lema ou tititi. É a Lei de Murici.

O suor produzido pela ginástica escorre para baixo. São as Leis da Física.

Faz de conta que os tribunais julgam direito. É a Lei Formal.

(Continua na próxima coluna)

O homem é o único animal?

? que se acha único. ? que rumina sem ter ingerido nada. ? que trata o seu semelhante como bicho. ? que demarca território com título de propriedade. ? que pasta com guardanapo no pescoço. ? que se comunica com os demais por onomatopéia. ? que dá coice sem ter cascos. ? que imprime dinheiro (verdadeiro e falso). ? que vai ao zôo. ? que deixa herança. ? que tem quadrilha como coletivo. ? que faz a toca e depois a vende ou aluga. ? que segue um calendário e não sabe que dia é hoje. ? que interrompe a gestação de propósito. ? que simula o que não sente. ? que faz cemitérios, cria datas para visitas e não vai. ? que tem necessidade de manuais de instruções e os maldiz. ? que tempera os outros animais que come. ? que se depila. ? que tem esperanças. Etc.

Continuação de um mote de domínio público, revisitado por inúmeros autores, e especialmente depois da lista de Luis Fernando Veríssimo no livro Poesia Numa Hora Dessas?!