O pior dos privilégios

Neste fabuloso planeta já se viu de tudo. Maravilhas, espantos, assombros. Milhares de milhares de anos o desconhecido ganhando entendimento. O inenarrável já foi …

10/08/2015 11:59 / Atualizado em 18/11/2015 15:24
Neste fabuloso planeta já se viu de tudo. Maravilhas, espantos, assombros. Milhares de milhares de anos o desconhecido ganhando entendimento. O inenarrável já foi narrado de tudo quanto foi jeito. O indescritível bem descrito e até reescrito. Gerações arquivando, no seu tempo, o melhor e o pior de todos os tempos. Horrores e delícias registrados no mármore e no bronze que compõem a areia dos séculos. Tudo já foi visto. Viu-se de tudo até agora. Houve povos que viram pela primeira vez nada antes antevisto. Mas a visão voltou a ser contemplada outras vezes, por novas civilizações. Abismados de hoje por coisas remotas, repetidas para plateias por vir. Milagres ocasionais, mistérios cotidianos, miríades de encantos e de sustos. Todo mundo já viu de tudo um pouco. De um tudo já aconteceu. Espetáculos naturais para anteriores e posteriores posteridades. A cada época, o privilégio de não saber o que virá, e ver o que viria. Tremendas oportunidades de tremer diante de hecatombes descomunais e colossais belezas. Arrepios e calafrios para imensas porções da humanidade. Tudo um dèjá vu reprisado. Menos para nós, aqui, agora. Pois já se anunciou que o nunca visto já está à vista. Questão de anos, quem sabe muitos mais que o previsto. A mais impensável das exclusividades. Horror tão único quanto trágico, definitivo. Muitos de nós, nossos filhos, netos e bisnetos, que horror, contemporâneos do fim dos tempos. Assistir ao  fim do mundo, o mais hediondo de todos os privilégios. O que muitos deliraram mas ninguém viu. Ficamos assim catalogados: os últimos seres humanos a usar seus olhos para a última das visões.

ENQUANTO ISSO, ALI NA ESQUINA

 

Soneto da Insegurança Pública

(Sobre o poema de Vinícius de Moraes) De repente nas ruas fez-se o deserto Ameaçador e escuro como os vultos E das bocas mudas fez-se os sustos E das mãos ao alto fez-se seqüestros De repente da farda fez-se ausência Que dos olhos desfez o patrulhamento E do camburão fez-se estacionamento E do crime comum fez-se ocorrência De repente, não mais que de repente Fez-se o quartel esconderijo policial E sem pensar se desfez o contingente Fez-se do vigilante próximo o distante Fez-se da vida um risco governamental De repente, não mais que de repente.