Conversas com o demônio

 "A coisa mais incrível sobre milagres é que eles acontecem de verdade”.  G.K. Chesterton O Padre Brown é um personagem único na literatura moderna. …

06/04/2017 16:09 / Atualizado em 13/04/2017 15:19

 "A coisa mais incrível sobre milagres é que eles acontecem de verdade?. 

G.K. Chesterton O Padre Brown é um personagem único na literatura moderna. Ao mesmo tempo, devoto do Espírito Santo e admirador da literatura noir nos anos 30 e 40. Mas não se parece ? nem se comporta ? como um teólogo ortodoxo, nem como um detetive famoso. É mestre na dedução, mas não cofia o bigode enquanto aquece as células cinzentas (como Hercule Poirot) ou cultiva orquídeas (como Nero Wolf). Talvez lembre Jules Maigret, ao passar a sensação da tranquilidade de quem conhece os homens, sua grandeza e suas fraquezas. Gilbert Keith Chesterton criou no Padre Brown um alter ego teológico, que se impõe pela sabedoria e pelas suas excentricidades. Seu discurso é, no mínimo, estranho para um sacerdote católico:

?Se o demônio te mostrar algo assustador de olhar, olhe. Se te disser algo terrível demais de ouvir, ouça. E se sugerir uma verdade que é insuportável, suporte!?  Possui uma crença muito peculiar, toda sua, mais próxima do visceral do que do bom senso. Como sacerdote, se recusa a aceitar fatos que contrariem o que a razão toma como natural. Respeita o sobrenatural e sua fé é daquelas que removem montanhas. Quando questionado, revela perturbadora intimidade com o Mal:

"- Como sabe? O senhor é, por acaso, um demônio??, perguntou o bispo. ?- Não, sou um ser humano?, respondeu o Padre Brown gravemente. ?Mas, por consequência, tenho todos os demônios em meu coração?. E, ao comentar um misterioso assassinato, pondera ao comissário que investiga o caso:

"O crime é como qualquer outra obra de arte. Não fique nem um pouco surpreso ? crimes não são as únicas obras de arte que saem das oficinas infernais?.

*** Quando publicou a primeira novela do Padre Brown em 1910, Chesterton já era um turbilhão literário, um escritor feroz e enérgico, que usava textos sofisticados para disfarçar sua verdadeira profundidade. Seu personagem, com sua batina manchada e o eterno guarda-chuva, foi inicialmente ignorado pela crítica inglesa. No entanto, as próximas  estórias venderam como pão quente, para o espanto dos mesmos críticos. Ainda não se usava o adjetivo gótico para novelas curtas, mas algumas das 52 aventuras do Padre Brown dificilmente escapam da definição. Em ?A Honra de Israel Gow?, o Padre Brown e seu amigo Flambeau estão investigando a morte do lorde de Glen Gyle. Ficam intrigados ao ver que todas as imagens religiosas do castelo foram desfiguradas e o nome de Deus removido da fachada de pedra. Quando desaba uma furiosa tempestade, os moradores aterrorizados suspeitam de diabolismo.      Mas o padre Brown é mais sábio do que isso e desvenda o mistério usando simples lógica.                                                     Frequentemente, GKC usa os tons góticos para criar mistério. Em ?O Problema Insolúvel?, um homem é encontrado pendurado em uma árvore do jardim, vestindo um roupão de banho. Enquanto os policiais vasculham os arredores, o Padre Brown observa calmamente a única janela iluminada no casarão. Lá, uma mulher olha fixamente para baixo, com   as mãos enfiadas nos cabelos vermelhos. E quando um grande trovão ilumina o horizonte, ele começa a entender o que havia acontecido. O Padre Brown explica que seu método é simples, quase ingênuo ?

?Eu me coloco na pele do malfeitor e planejo mentalmente o crime em todas as minúcias. E então, quando me convenço que estou pensando exatamente como o assassino, naturalmente, deduzo quem ele é".

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