*** Nos verões da infância no campo, não sentíamos falta da água corrente nem da luz elétrica. A água trazida das vertentes e os velhos lampiões de querosene eram divertidas novidades e animavam nossas fantasias. Em nossa inocência, éramos poupados da trabalheira de carregar pesadas barricas d?água em carrinhos de mão e de limpar lampiões e candeeiros pretos de fuligem. Claro que as mucamas e peões encarregados dessas e outras tarefas do duro cotidiano do campo, não tinham nenhum motivo para se divertir ou fantasiar. Muito ao contrário, reclamavam baixinho que já era hora do Coronel comprar um catavento e instalar água corrente. Foi então, em um determinado verão, quando os jornais da cidade anunciavam o fim da guerra na Europa que o Coronel anunciou que encomendara um moderno catavento nos Estados Unidos. E que, em pouco tempo, água correria das torneiras e lâmpadas elétricas iriam clarear as noites de inverno. Festa nos sombrios galpões e na cozinha, com gente rindo nos cantos. Mas a novidade não emocionou a criançada. Gostávamos dos banhos em bacias de zinco e do ritual noturno de acender os lampiões depois do jantar. De longe, olhávamos os adultos carregar candeeiros e castiçais pela casa e pelo terreiro até os galpões do outro lado. Esperávamos que o vento noturno apagasse as chamas, para vê-los voltar até o fogão para reacender as velas nas brasas, tropeçando no escuro e resmungando palavrões.
*** Em uma tarde clara de céu azul, chegou um barulhento caminhão com, vigas de metal e grandes caixas de madeira marcadas "Made in U.S.A.". E homens de macacão azul começaram a martelar e aparafusar, erguendo uma torre ao lado da casa grande. Pouco depois, entre gritos e puxar de cordas, o catavento de 12 pás foi içado até a alta plataforma. Então, ao abrir a última caixa, ouviu-se exclamações de surpresa e desapontamento dos homens de macacão. Estava faltando o mais importante, o gerador, que transformava o vento em energia elétrica. Um dos homens foi despachado até a cidade e, na volta, avisou que o gerador continuava em um armazém no porto de Montevidéu. Com erguer de ombros e pedidos de desculpas, os homens de macacão embarcaram em seu barulhento caminhão e foram embora envoltos em uma nuvem de poeira.
*** A criançada foi chegando ao redor da torre, olhando boquiaberta para o alto, onde o catavento, travado para poupar o mecanismo, girava de um lado para o outro, à procura do vento que não chegava. Dias depois, viajamos de volta para a casa na cidade, levando conosco a imagem da torre com o inútil e silencioso catavento.
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