*** Naquela manhã de segunda-feira, 19 de novembro de 1919, Nancy Woodbridge Beach pendurou em uma loja da Rue de l?Odeon uma pequena placa com a efígie de William Shakespeare e abriu as portas de sua livraria. Ela possuia um perfeito senso de timing - a Primeira Guerra criou uma geração de sem-pátrias e milhares de norte-americanos e ingleses chegavam a Paris para viver os anos dourados. Nos cafés-concertos e cabarés, ouvia-se jazz, bebia-se cocktails e fumava-se Camel e Lucky Strike. A comunidade intelectual do Quartier Latin não demorou a encontrar seu ponto de encontro. Os primeiros a chegar foram André Gide, Paul Valéry, Georges Duhamel e Gertrude Stein, seguidos por uma legião de expatriados, como Ezra Pound, T. S. Eliot, Thornton Wilder, D. H. Lawrence, Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald e, finalmente, James Joyce. A fama de Shakespeare and Company cresce do dia para a noite, mas não traz bons negócios para Sylvia Beach e Adrienne Monnier, sua sócia e companheira. Os candidatos à fama não tinham dinheiro para comprar livros e apenas os tomavam emprestados, mediante uma pequena mensalidade ? e nem sempre os devolviam. O esquema não cobria as despesas e depois de dois anos, o lucro da casa foi de modestos 100 dólares. No entanto, Sylvia Beach nunca permitiu que o fracasso comercial diminuísse sua paixão por livros e escritores. Na Paris dos anos 20, quem sonhava em escrever livros ou se limitasse a lê-los, conhecia o melhor endereço da cidade ? o número 12 da Rue de l?Odeon.Shakespeare and Co. era um espaço híbrido ? algo diferente das solenes livrarias parisienses ? uma mistura de café e salão literário, com estantes abarrotadas do melhor que se publicava nos Estados Unidos e Inglaterra. Sylvia e Adrianne eram mais do que patronesses dos jovens escritores e poetas ? a casa servia de caixa postal para quem não tinha endereço fixo nem dinheiro para frequentar os famosos Café de Flore e La Rotonde. A "Geração Perdida" de Gertrude Stein encontrara seu lar.
*** Em um domingo, julho de 1928, Adrienne convida Sylvia Beach para um jantar na casa do poeta André Spire. Ela reluta, mas aceita e as duas são recebidas calorosamente pelo anfitrião, que as assusta, anunciando: "O maldito poeta irlandês está aqui." Era um jantar de boas vindas para James Joyce, arranjado por Ezra Pound que tentava introduzí-lo na comunidade literária de Paris. Em suas memórias, Sylvia Beach conta detalhes daquela noite, como quando sua atenção foi despertada pela figura escultural de Nora Joyce, com seus cabelos ruivos e ares de dama britânica. O anfitrião André Spire convidara também o casal Zelda e F.Scott Fitzgerald; este se divertia desenhando as pessoas ao redor da mesa. Ele retrata Sylvia e Adrienne como duas sereias e James Joyce de óculos, bigode e aureola brilhante. Scott desenha a si mesmo de joelhos, em reverência ao irlandês. Posteriormente, o desenho apareceria na primeira edição de O Grande Gatsby. Havia saladas, carnes frias, baguettes, vinho tinto e branco. Apenas um convidado recusou o vinho. Era James Joyce, que nunca bebia antes das oito da noite. Alegremente, Ezra Pound alinhou garrafas diante do poeta, para o caso dele mudar de ideia. Todos acham graça, mas Joyce fica vermelho de vergonha. Depois do jantar, Sylvia Beach aproxima-se de Joyce, que examina livros em uma estante. Hesitante, arrisca: "Você é o grande James Joyce?" No dia seguinte, Joyce atende o convite de Sylvia e entra pela primeira vez na Shakespeare and Company. Usa um terno azul-escuro, chapéu mole de feltro e carrega uma elegante bengala. Admira uma por uma as fotos de Oscar Wilde e Walt Whitman, olha as estantes e pergunta pelo valor da mensalidade para tomar livros emprestados. Nasce ali a intensa cumplicidade entre livreira e escritor, que traria à luz um dos monumentos da literatura moderna, o romance Ulysses.
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