Tudo o que sei, aprendi no jardim de infância

A frase não é exatamente esta, mas chega perto. O original em inglês diz: “Tudo o que realmente vale a pena saber, eu aprendi …

28/06/2009 00:00
A frase não é exatamente esta, mas chega perto. O original em inglês diz: ?Tudo o que realmente vale a pena saber, eu aprendi no jardim de infância?. O autor dessa declaração de princípios é Robert Fulghum, que a usou como título de um de seus saborosos livrinhos. Narra cenas prosaicas, retiradas do cotidiano de pessoas comuns, que nascem, vivem e são enterradas em comunidades rurais do interior norte-americano. Mas ele sabe resgatar o encanto das coisas simples, como o toque do sino na igrejinha no fundo do vale ou as pessoas nas varandas, apreciando em silêncio o espetáculo diário do nascer e do por-do-sol. Lendo a biografia de Fulghum, descubro uma coincidência. Nascemos no mesmo mês e ano e temos uma mesma mania ? escrever com velhas canetas-tinteiro. Ele também entesoura as memórias dos tempos de escola, e reverencia a sabedoria dos professores de infância, aqueles mesmos que nos ensinaram tudo o que valia a pena saber. *** É um escritor que se confunde com os livros que escreve. Com a barba branca e óculos de professor de província, parece um personagem saído de um de seus livros mais irreverentes: ?Uh-Oh, Aí vem o Natal de Novo?. Publicou apenas oito livros ? sempre em formato de bolso ? e todos eles figuraram na lista dos best-sellers. Mas, contrariando o figurino habitual, Robert Fulghum não convive com outros escritores, não frequenta festas nem coquetéis. No lançamento de ?Tudo o que realmente vale a pena saber, eu aprendi no jardim de infância? em New York, se viu cercado por uma multidão de leitores. Depois de muitas centenas de autógrafos e algumas cãibras, pediu licença para ir ao banheiro e não mais voltou. Vendeu 16 milhões de exemplares, atingiu o nirvana dos escritores, onde passou a usufruir com pulcritude os frutos de seu talento. Atualmente, passa seis meses na casa (que ele mesmo construiu) junto ao lado de Seattle e, quando chega a temporada de chuvas, foge para sua vila na ilha de Creta. Antes de seu primeiro livro se tornar um clássico e dominar a lista de best-sellers do The New York Times por um ano e meio, Fulghum experimentou um pouco de tudo: foi entregador de jornais, vaqueiro no Texas, estudante de teologia, guitarrista e cantor de música country. Trabalhou na IBM, mas sua amizade com os laptops não foi duradoura ? ainda hoje escreve contos e novelas usando uma velha caneta Parker Duofold de 1924. Quando não está escrevendo, viaja para lugares singulares, como as montanhas de Utah ou o deserto da Mongólia. Mas também pode ser encontrado no atelier de pintura de sua casa ou tocando guitarra com sua banda de rock-de-garagem. *** Escreve como se fosse um Falstaff ? contrapondo o joie de vivre aos desconfortos e contratempos, que nos impedem de apreciar as boas coisas que estão acontecendo ao nosso redor. Ele lança um facho de ironia e bom humor nos rituais diários, fiel ao seu credo de que o melhor que se aprende quando criança é a capacidade de deslumbrarmento. Suas vinhetas de vida parecem ter escapado de nossas próprias lembranças ? o sapateiro que esconde balas nos sapatos das crianças que os pais deixam para consertar, o entregador de jornais que entoa salmos nas portas das casas na semana do Natal. Ao ler "Do Início ao Fim ? Os Rituais de nossa Vida?, guardamos a sensação de que o escritor tomou emprestado episódios de nosso passado, ao mostrar situações pelas quais já passamos algum dia ou personagens que temos a certeza de ter encontrado em algum lugar. Outro livro bom para a mesa de cabeceira é ?Palavras que eu gostaria de ter escrito?, um tributo aos autores que o fizeram repensar a forma de ver a vida: Albert Camus, Dylan Thomas, Marcel Prost, Corman Macarthy e até uma escritora de livros infantis da época vitoriana, Beatrix Porter. ***  Fulghum tem pensamentos incomuns sobre coisas comuns, mas seu texto é inspirador. Refletindo sobre a condição do escritor, rabisca em seu caderno: ?Sou um contador de estórias. Algumas vezes, tenho que admitir, invento coisas para embelezar um caso. E em outras vezes, conto a verdade sem nenhum verniz, exatamente como ela aconteceu. Como quando escrevia hoje cedo. E tenho testemunhas. Há marcas do lado de fora da janela, na neve que caiu de manhã. Evidências da primavera ? lá fora e aqui dentro?.