*** A reunião terminou bem depois das cinco da tarde, com curtas pausas para sanduíches de pastrami e café aguado. Bem que o jovem Ron tentou conseguir um café decente para os latino-americanos, mas a cantina do prédio não oferecia tais luxos. Enquanto preparávamos a papelada do dia seguinte, meu anjo da guarda perguntou se eu gostava de jazz. Boa música, depois de um dia inteiro de reuniões, era o tudo que eu gostaria de ouvir. Claro que não existem táxis vazios às seis da tarde em Midtown e o jeito foi caminhar até a rua 55, do lado leste da cidade, onde fica o ?Michael's Pub?. Percebi então o que Ronald Ricca havia preparado para minha primeira noite na cidade ? uma sessão de jazz com o diretor e ator Woody Allen, tocando sua clarineta. ?- Melhor, impossível?, pensei. Logo na chegada, notei que o lugar estava estranhamente vazio e me indaguei se não estávamos no endereço errado. Depois de alguns drinques, Ron olhou para o relógio e foi falar com alguém no balcão. Voltou sem esconder a desilusão ? Woody Allen estava filmando fora da cidade e não tocaria naquela semana. Desconsolado, Ron sugeriu uma ida até o Village, para tentar um pocket show. Alegando cansaço, agradeci e me despedi, pois sabia que ele ainda precisava pegar um trem para chegar em casa.
*** O hotel que a NW Ayer havia reservado não estava entre aqueles onde a agência costumava hospedar os executivos visitantes. Mas, como todos os grandes hotéis estavam lotados, me coube um dos mais refinados e tradicionais endereços de Manhattan: o The Carlyle. É tão fino que nem usa a palavra hotel na fachada. Está instalado perto do Central Park, no Upper East Side, em uma belíssima torre art deco de 1930, reformada de cima a baixo por muitos milhões de dólares. A suíte júnior do 34º andar tinha móveis clássicos e amplas janelas para a Madison Avenue. Sobre a mesa, um detalhe revelador do perfil dos hóspedes ? um exemplar encadernado de Thomas Carlyle. Aquilo tudo estava bem além das minhas fantasias sobre as delícias de New York. Mas disse a mim mesmo que o sonho não iria durar muito ? no dia seguinte (assim que surgissem vagas no Hilton) ? eu seria convidado a trocar de hotel. Então me deu fome ? lembrei que passara o dia à base de sanduíches. Na entrada do restaurante principal, me deliciei com o suntuoso cardápio emoldurado em prata. Dois casais em black-tie passam por mim e são recepcionados por um maitre cheio de mesuras. As mulheres cheiram a Givenchy e seus colares não parecem bijuterias.
*** Vou adiante e entro no Café Carlyle, onde sou acomodado na última mesa vaga. Olho ao redor ? delicados murais em cores pastéis, imensos vasos com flores e um imponente piano negro de cauda. O garção anota meu pedido e quer saber se vou ficar para o ?after hours?, pois, para isso, preciso de um sitting tag. Procuro mostrar indiferença, como quem está acostumado a tudo aquilo: ?- Ainda não sei ? quem se apresenta hoje?? E o homem, imperturbável: ?- Senhor, como todas as noites nos últimos dez anos, Bobby Short?. E, sem que eu perguntasse, informou o valor do sitting tag. Pedi mais um dry-martini, saborei calmamente o excelente salmão defumado com vinagrete de aspargos e subi para encerrar a noite com Thomas Carlyle.