Inferno astral, tou fora

Não faço a menor ideia se me comportei direitinho, se cumpri com os meus deveres e se fui uma boa menina, daquelas de fazer …

08/06/2016 18:03 / Atualizado em 07/07/2016 11:58
Não faço a menor ideia se me comportei direitinho, se cumpri com os meus deveres e se fui uma boa menina, daquelas de fazer os pais encherem a boca ao falar. Mas acho que fui uma filha na média, compreenderam? Na adolescência, fiz pequenas travessuras. Nada de amargar. Adulta, tenho os meus inconfessáveis pecados. Não os conto nem por sangue de barata. Afinal, estou viva e não tenho nervos de aço. E, nos últimos 14 anos e alguns meses, e mais se contar o tempo de gestação, confesso que me esforcei para corresponder às expectativas da minha filha Gabriela Martins Trezzi e, penso que não a decepcionei. Na profissão escolhida, sem nenhum arrependimento, mesmo diante de algumas maldades, sou vencedora. Jamais vencida. Passei por importantes jornais, assessorias e frees e hoje, resultado de uma doença crônica adquirida sei lá como, encontro-me em licença-saúde do Correio do Povo. Nestes dias infindáveis de sossego em casa, resolvi aperfeiçoar ou retomar alguns itens. Fiquei mais aplicada como mãe, dediquei-me um pouco à culinária, voltei a escrever poemas e vou para a "Antologia à Flor da Pele II", virei assídua em livrarias e cinemas, retomei a militância sindical, cuido de dois cachorros e acabo de virar tia avó. Só não comprei, ainda, uma casa no campo onde eu possa ficar do tamanho da paz e tenha somente a certeza dos amigos do peito e nada mais. Mas já estou juntando as moedinhas. Aguardem. Então, no balanço de perdas e danos, posso dizer que sou feliz. E afirmo isso num período em que, tradicionalmente, a minha vida virava de pernas para o ar. Entrei, no dia 9, no período mensal que antecede o meu aniversário, o temido inferno astral, e nem tou aí. Não tenho medo do que possa ocorrer, não evito mais passar embaixo de escada, abano para gatos pretos e sei que estou protegida. Ou melhor, armada para a vida. Ignoro totalmente como alcancei este estágio quase zen de felicidade. E, se soubesse a receita, ao contrário de outras vezes, iria distribuir de graça para todo o mundo. Quem sabe ao passear no Brique da Redenção, trocasse a militância pela panfleteação da receita! Ou pedisse espaço em um grande jornal para divulgá-la! E, claro que o povo aqui do Coletiva saberia antes de todos, com exclusividade. Mas não tenho. Defendo que é um somatório de acertos e encontros. Apenas atesto que detalhes tão pequenos de minha vida são coisas muito grandes e alimentam, nas doses suficientes, os meus momentos de felicidade. Na plenitude destas gotas de felicidade, sei que nenhum inferno astral conseguirá me abalar. Tenho antídotos poderosos e não desço do salto. Nos 30 dias que precedem o meu aniversário de 40 e muitos anos, continuarei a minha saga de ser feliz. Porque cultivo amigos que dão sempre uma colheita farta. Porque eduquei uma filha que é um exemplo de pessoa, adolescente, cidadã e amiga. Porque procurei alternativas que não me levassem ao ócio durante a minha licença-saúde. Porque sei dos meus limites e dos meus desvarios. Porque compreendi que cada um dá apenas o que pode. Porque estou mais experiente. E "hoje, ando devagar, porque já tive pressa". Colunista no final do inferno astral e como inferno é inferno, está sem televisão, sem telefone fixo e sem internet. A coluna acima já foi publicada no dia 13 de maio de 2009.