Maio é um mês de saudades e de inferno astral

Por Márcia Martins

13/05/2020 13:25 / Atualizado em 13/05/2020 13:24

Tradicionalmente, maio é um mês de muitas saudades para mim. Período em que as emoções afloram um lado mais melancólico e eu atravesso os seus 31 dias num misto de tristezas, lembranças dolorosas, lágrimas e instabilidades nem tão passageiras. Desde 2003, quando meu irmão caçula faleceu, o Luis Fernando, muito jovem, aos 37 anos, numa segunda-feira, 12 de maio, este mês só me traz desilusões. Mais tarde, com a morte de minha mãe, em julho de 2011, maio ficou complicado pela passagem do Dia das Mães. Aliado a estas duas saudades profundas e familiares, em maio eu vivo o tal do inferno astral, uma fase turbulenta que antecede os 30 dias da data de aniversário, e o meu começou no dia 10 deste mês.

Pois eis que, neste maio de 2020, ao completar, nesta quarta-feira, o 59° dia de isolamento total e sem distanciamento controlado ou social, e sim trancafiada dentro de um apartamento pequeno, o mês vestiu-se de todas as nuances de saudades. Na linha das recomendações da OMS (às vésperas de fazer 60 anos, com uma doença autoimune) não devo me expor aos perigos das ruas, das calçadas, dos supermercados, do transporte público e de qualquer outro tipo de estabelecimento que comporte mais de uma pessoa, além de mim. Nestes quase dois meses dentro do meu lar doce lar, sai apenas duas vezes. Para a vacina da gripe e para um procedimento médico já agendado com muita antecedência e que não foi desmarcado.

Neste 13 de maio, padeço de muitas saudades. De hábitos, situações, sentimentos e cenários que são até difíceis de compreender. De caminhar apressada pela Rua dos Andradas, que gosta mesmo de ser chamada de Rua da Praia, para chegar à sede do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS e participar da reunião semanal de diretoria. De pegar o ônibus 177 lotado na volta das tais reuniões ao retornar para a Cidade Baixa. De ir ao supermercado uma vez por semana, ainda que fosse para calcular depois de passar em cada corredor quanto eu ainda poderia gastar naquela compra. E tentar priorizar o essencial. Mas, volta e meia, substituir por um supérfluo de teor alcoólico tinto de vinho.

Confesso que tenho saudades de caminhar sem pressa, num ir e vir sem objetivo, pelo Brique da Redenção, num domingo de muito sol. De procurar um lugar barato e com comida caseira nos limites do bairro Bom Fim e Cidade Baixa nos finais de semana, já que posso ser considerada uma nulidade nos dotes culinários. Tenho até vergonha de admitir, mas trago saudades de cheirar incensos e incensos e escolher sempre os mesmos na Loja Sirius da Rua da República. Mas, agora, com o isolamento, descobri um antigo fornecedor que oferecia seus incensos no Sierra Maestra, bar que ficava na Lima e Silva, e está entregando nas residências para conseguir manter sua renda em tempos de pandemia.

E em quase 60 dias confinada, sendo bombardeada pelas notícias do Coronavírus, ando com saudades de combinar de tomar um café com as (os) amigas (os) e deixar a conversa correr solta. Saudades de ir lá para Butiá e degustar as maravilhas de almoço e janta que meu irmão faz e os bolos da cunhada para os cafés coloniais. Saudades de realizar um Sarau com o povo da Poemas à Flor da Pele que completou 14 anos no dia 29 de abril sem nenhuma comemoração presencial. Saudades de coisas tão simples. Saudades de cenas cotidianas. Saudades de sentir o ar da rua, de um raio de sol obrigando os olhos a se protegerem, de pingos insistentes de chuva caindo no lombo.

E uma saudade enlouquecida, sem tamanho, sem definição do meu neto canino Quincas Fernando, que foi transferido, desde o início do meu confinamento para a casa da minha filha Gabriela e de sua companheira Laura. Uma vontade de ter o Quincas andando na casa atrás de mim e de levá-lo para ver os aumigos e aumigas de tarde no Cachorródromo do Tesourinha. E de sentir o seu fuço repousando na minha perna que se acomoda no sofá de noite para ler ou ver televisão. Saudades de apertar a minha filha, de sentir seu perfume, de ganhar um beijo estalado na bochecha, de ouvi-la contar as suas aventuras com aquele seu modo esfuziante de narrar a sua vida.

Saudades de saber quantos dias faltam para isto acabar. Saudades de poder planejar a vida. Saudades de pensar no amanhã. Saudades de acreditar.