É pleno verão e minha vontade é de não só morar na Escandinávia como ter nascido por lá: passar frio desde pequenininha, que maravilha! Não bastasse a panela de pressão em que Porto Alegre se transformou (ou terei eu vivido até então sem me dar conta de que sempre foi tão miseravelmente quente por aqui?), eis que o governador eleito (não com meu voto) do meu Rio Grande do sul recebeu, no Palácio Piratini, o assassino italiano Cesare Battisti. Sim, um novo mundo foi possível para este sujeito de ar cínico, sorriso de idiota com os dentes gastos e separados a esconder sua verdadeira persona, que ele cultiva sob o ralo cabelo pintado à moda cafetão de quinta categoria e pose de superioridade. Com camiseta de grife, ar boçal que se pretende casual e ameaçando que vai se ?reerguer? trabalhando junto às favelas, o gringo que boa parte dos coleguinhas de imprensa local chamou de ?ativista? em vez de terrorista queele foi, pisou, sem medo de ser feliz, o chão icônico de todos os gaúchos ? a sede do governo. Ali, foi efusivamente saudado por seu libertador Simon Bolivar particular, com quem depois também almoçou num restaurante quase chique do Moinhos de Vento. Todos muito, muito felizes, comme Il faut no mundo do podre poder. Nada mais natural para quem integra um grupo quem hasteou a bandeira de Cuba na sacada do casarão do alto da Praça da Matriz e convidou representante das Farc para evento na cidade. Indignação boba, essa minha! Mas não posso deixar de sentir um engulho muito grande nessa hora, nessa Porto Alegre, nesse verão. É como se minha cidade natal tivesse mergulhado num desvão do tempo, e voltado à época daquela grande merda do livro vermelho de Mao e dos gulags, espólios e mortes da turma de Stálin. E há quem ainda sonhe com este mundo em que ninguém é dono de nada embora seja propriedade do Estado. Por causa deste calor e do episódio Tarso ? Battisti, lembrei que, há uns anos, conheci um casal que salió de Cuba para abrir um bar ? claro que temático ? em Porto Alegre. E o bar foi um sucesso. Os dois eram gente simpática: ela, porto-alegrense, filha de comunistas, amava contar que foi para a ilha jovenzinha e lá conheceu o futuro marido, um homem forte, de risada solta, que usava, atrás do balcão, o chapelão e o charuto no canto da boca e preparava um aperitivo delicioso (e caríssimo) que teria sido criado pela turma de Fidel em Sierra Maestra durante la revolución. Uma colega e amiga querida, que fazia parte da turma que prestigiava o lugar, tão engambelada quanto eu, emprestou um CD de canções espanholas para a señora. Meses depois, constrangida, pediu o CD de volta. Recebeu? Nem ele nem o maridão lembravam mais de nada. Decepção, tsc tsc tsc! E a cartilha de igualdade socialista? Bueno? Até que, uma noite, a mesma e falante señora, comentou, desolada, que precisava de mais grana, e descreveu a beleza do grande terreno de que era proprietária, aqui em Porto Alegre, mas estava esperando que valorizasse mais para dele se desfazer. Aí, me convenci de que comunista capitalista e especulador imobiliário era demais pra minha boa vontade. Desisti da dupla, do bar, das boas comidinhas cubanas e de contribuir para a bolsa de valores da dupla. De fato, o calor está me atormentando. Nem boas lembranças me deixa ter nestes dias em que enxovalharam a história da minha terra dando guarida a um cafajeste travestido de ?ativista? político. Tristes dias!
Depois da bandeira de Cuba, Battisti no Piratini
É pleno verão e minha vontade é de não só morar na Escandinávia como ter nascido por lá: passar frio desde pequenininha, que maravilha! …
27/01/2012 00:00