Especial Consciência Negra: negros em baixa na Comunicação

Portal conversa com pessoas da academia, empreendedores, de agências de Comunicação e referências no Jornalismo, para entender o cenário

Portal traz cases de personalidades negras da academia, do empreendimento, de agências de Comunicação e do jornalismo - Crédito: Arte Coletiva.net

Nesta semana da Consciência Negra, a qual tem o seu dia celebrado em 20 de novembro, este ano, terá se passado 50 anos da primeira comemoração da data. O momento histórico, evocado pelo Grupo Palmares, em Porto Alegre, teve como líder o poeta negro Oliveira Silveira. O ativista tinha o objetivo de substituir o 13 de maio de 1888, dia em que a princesa Isabel aboliu a escravatura, para chegar a esta data, em homenagem a Zumbi dos Palmares, protagonista da resistência negra. 

Coletiva.net conversa com personalidades negras da academia, empreendedores, de agências de Comunicação e referências no Jornalismo. Em 2019, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) divulgou que a taxa de desemprego entre os brancos era de 10,2%, enquanto entre os pretos, de 14,5%. Hoje, o portal conversou com dois profissionais negros, Gabriel Bandeira e Deivison Moacir de Campos, ambos pesquisadores acadêmicos, para saber das perspectivas do cenário na Comunicação. 

Negros em baixa no Jornalismo

O jornalista Gabriel Bandeira realizou um estudo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), no primeiro semestre de 2021, para verificar a presença de negros no telejornalismo do Estado. Apesar de representarem 56% da população, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os negros são apenas 5,97% dos comunicadores das sete principais emissoras com programas telejornalísticos, aponta a pesquisa de Gabriel.

Jornalista e pesquisador

Ao todo, foram analisados 134 profissionais de vídeo entre os dias 14 e 24 de junho de 2021. Desse número, apenas oito são negros, sendo cinco homens e três mulheres. Os comunicadores são: Fernanda Carvalho, Marck B e Seguidor F, do Grupo RBS; Domício Grillo e Fernanda Bastos, da TVE; Marcinho Bléki e Rafael Cavalheiro, do SBT RS; e Liliane Pereira, da Record TV RS.

Band TV RS, TV Pampa e RDC TV, que somam 36 profissionais de vídeo, não têm nenhum negro. A pesquisa revisa o trabalho do jornalista Wagner Machado da Silva, publicado em 2009, que encontrou apenas três comunicadores negros entre 421 jornalistas analisados, somando 0,71%, na época.

O profissional é ainda voluntário na equipe de Comunicação da ONG Somos - Comunicação, Saúde e Sexualidade e trabalha como conteudista na Agência Cartola. "De modo geral, enxergo que a maioria das empresas não sabem abordar as pautas da diversidade racial, de gênero e sexual", alertou Gabriel. Por outro lado, o profissional ressalta que as demandas das pessoas negras têm sido cada vez mais visibilizadas, o que considera algo positivo. 

"Com certeza, temos mais pessoas negras trabalhando em Comunicação do que tínhamos anos atrás". No entanto, ele percebe que ainda há dificuldade em compreender o trabalho de pessoas negras em sua subjetividade. "A branquitude, que ocupa a maioria dos espaços de poder na sociedade hoje, ainda vê a fala negra como algo de nicho, para contribuir nas pautas sobre racismo e negritude, mas sendo coadjuvante nas restantes", considerou. 

Negros em cargos de gestão

Gabriel considera ainda que, dentro das redações, em específico, ainda são raras as pessoas negras trabalhando como coordenadoras ou editoras. "Diferente do que já ocorre em outros estados brasileiros, aqui no Rio Grande do Sul é difícil ver processos seletivos antirracistas, voltados ao ingresso e fomento de talentos negros, o que é um ponto crucial para contornarmos os impactos do racismo estrutural e institucional no mercado de trabalho", opinou. 

O jornalista disse ainda que conhece algumas pessoas em cargos altos, principalmente as que criaram o seu próprio negócio. "Mesmo assim, não fecha uma mão. Na minha bolha, ainda é minoria." Gabriel destaca que a inserção do negro é tão rara que é necessário se colocar como representante de um grupo. "Quando um branco erra, por exemplo, é visto como algo individual, apenas da pessoa comum, porque ao trocar de canal verás outras pessoas brancas sem errar, então se entende que isso não é algo atrelado à raça", exemplificou o pesquisador.

Conhecimento de causa 

Deivison Moacir de Campos é professor nos cursos de Comunicação e pesquisador no Programa de Pós-graduação em Educação na Universidade Luterana do Brasil. Além disso, é coordenador da área Acadêmica de Comunicação e Mídia da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros. "Felizmente, posso dizer que tenho uma carreira exitosa e de reconhecimento na área, mas entendo igualmente que, como todos os negros, tive que mostrar mais trabalho que os demais para conseguir estabilidade e reconhecimento", observou.

Professor nos cursos de Comunicação

O professor contou que o mercado da Comunicação foi muito excludente com ele, porém, nos últimos anos, observa uma modificação. Segundo ele, há uma vergonha nas empresas por nunca terem aberto espaço, nem se atentado de forma efetiva para a diferença. "Isso se dá por quatro elementos apontados por Muniz Sodré e que servem bem para explicar: negação do racismo, recalcamento - no sentido de recusar a colaboração positiva dos negros para a sociedade brasileira; estigmatização dos negros no que se refere à qualidade do trabalho, e ainda a indiferença dos profissionais do campo comunicacional a este debate."  

O pesquisador observa que o choque dos protestos contra os recentes assassinatos negros que viraram pautas, alertou as empresas de Comunicação para que elas se reposicionassem no mercado. "Esse é um movimento que estamos acompanhando, mas ainda sem uma política específica", alertou.  

Líderes no mercado da Comunicação

"Excetuando as pessoas que trabalham em assessoria de forma autônoma, ou com projetos de publicação autônomos, eu desconheço alguém que ocupe cargo de gestão em empresas de Comunicação", disse o professor Deivison. Ele lembra de uma pesquisa da Revista Imprensa, publicada em outubro de 2001. "Nela, havia uma pesquisa nacional, que mostrava que somente três negros estavam em cargos de decisão nas grandes redações do todo o Brasil. Passadas exatas duas décadas, a situação não mudou muito." 

De acordo com Deivison, a representatividade ainda é uma questão problemática e relativa, pois quando se tem poucos rostos negros e são apontados como representativos, ao mesmo tempo que é importante, na maioria das vezes trátasse de exceção. "Tenho construído uma trajetória pessoal, mas tenho como premissa sempre dedicar esforços a avanços que sejam significativos para todos", atentou.

"Reforçar a existência de uma população silenciada"

O professor e pesquisador enaltece que o Dia da Consciência Negra é um momento de protesto e principalmente de reforçar a existência de uma população silenciada. "Não há comemoração neste dia. Objetiva que cada vez mais pessoas tomem consciência da condição em que vive a população negra e de que o racismo não é um problema do negro", alertou Deivison.

Segundo ele, trata-se de uma construção que tem um marco que une o atual momento com os ancestrais. "Palmares segue em todos nós que lutamos contra o racismo que produz, em última leitura, a morte de centenas de negros a cada dia e uma hierarquização descabida dos seres humanos", finalizou.

Comentários