Especial Consciência Negra: negros em cargos de gestão

Coletiva.net conversou com Daniel Rodrigues e Louinnie Dandara que ocupam cargos de chefia e gestão em agências de Comunicação

Daniel Rodrigues, coordenador de Atendimento e Louinnie Dandara, gerente de Atendimento - Crédito: Reprodução/ arquivo pessoal

Profissionais negros têm participação reduzida em cargos de média e alta gestão em diversas áreas. É o que registra um levantamento realizado pela Vagas.com - empresa de tecnologias de recrutamento e seleção -, em 2020. A pesquisa mostrou que pessoas pretas ocupam posições operacionais (47,6%) e técnicas (11,4%). O estudo apontou ainda que uma minoria ocupa cargos de diretoria, supervisão/coordenação e de senioridade, de alta e média gestão, somando apenas 0,7% em cargos de diretoria. 

Em empresas como as agências de Comunicação, os números também são alarmantes. O índice de negros na liderança é de menos de 1%. Um exemplo positivo a ser citado é a agência de publicidade Bistrô, de Porto Alegre, que matém um quadro de 15% de profissionais negros. Outras iniciativas nacionais também vêm desenvolvendo trabalhos a fim de que os números baixos sejam superados. 

Trata-se de agências como a Gana, MOOC, Black Influence e Escada Rua, todas com o objetivo de aumentar o número de profissionais negros no mercado de trabalho. Já que a representatividade de pretos dentro do segmento é ainda pouco significativa, existem preocupações acerca da participação no trabalho, entre elas, a falta de representatividade, o que coloca os profissionais em ambientes majoritariamente brancos. 

O Coletiva.net conversou com dois profissionais gaúchos, de diferentes empresas, que ocupam cargos de chefia e gestão em agências de Comunicação: Daniel Rodrigues e Louinnie Dandara. Eles relataram suas histórias dentro do mercado e as oportunidades que receberam ao longo de suas trajetórias. 

Representatividade familiar  

Daniel Rodrigues é jornalista, radialista, blogueiro e crítico de cinema. Ele vem de um núcleo familiar de funcionários públicos com ensino superior e de classe média, o que considera um privilégio. Isso porque foi blindado das dificuldades da vida, em relação às diferenças raciais. "Não era o foco das discussões em casa, sempre se teve muito apreço pelo trabalho e pelos espaços sociais, além de confiança e exigência pela competência", revelou. 

Há 18 anos, atua na Martha Becker Connections e, atualmente, ocupa o cargo de coordenador de Atendimento. Antes do emprego atual, encontrou alguns desafios, no entanto, acredita que seja parte de um aprendizado de vida. "É claro que tive dificuldades, pois sou de uma geração pré-cotas raciais e, além de algumas oportunidades, estamos muito longe do satisfatório." 

Diante disso, ele agradece à Martha e à Evane Becker. "Se não fossem empresárias como elas darem oportunidade a mim há anos atrás, meu caminho profissional certamente seria muito diferente, talvez nem tivesse conseguido trabalhar", fez questão de ressaltar. 

 Em cargos de gestão, o profissional desconhece outras pessoas que ocupem este ambiente. "Isso ocorre porque estamos muito atrasados, ainda mais em um estado como o Rio Grande do Sul, isolado de pontos culturais." Ele cita o exemplo de sua mãe, que foi a primeira pessoa da família a ingressar na universidade, o que representa a demora de negros em grandes cargos.   

Representativo para os negros 

"Lembro de minha mãe me dizendo para fazer as coisas com responsabilidade, que tudo iria dar certo na vida", contou. Ele cita que, além da capacidade, o negro não tem a possibilidade de falha, pois é quase uma exigência para que consiga vencer na vida. "Diante disso, acredito que posso, sim, servir de exemplo para outros negros, não só na Comunicação, mas no cinema, rádio e na literatura, pois todos nós, negros, somos exemplos uns para os outros." 

"A falta de representatividade só ratifica o racismo estrutural"  

Louinnie Dandara é porto-alegrense e veio de ambiente de uma família artística. Formada em Publicidade e Propaganda e especialista em Gestão de Pessoas, há 13 anos trabalha no segmento e, hoje, é gerente de Atendimento da Agência Live, de São Paulo. "Observo que a falta de representatividade no ambiente de trabalho, nos clientes e fornecedores, só ratifica o racismo estrutural e faz com que a nossa caminhada seja muito solitária."  

A profissional considera que, no ambiente branco, é necessário sempre provar a capacidade e, no negro, a ascensão não pode desqualificar como pretos que têm consciência da ancestralidade. "A solidão no mercado dificulta para que a gente entenda como o sistema funciona. Isso retarda o crescimento profissional, porque temos poucas referências. A nossa autoestima tem pouco espaço para ser desenvolvida no ambiente corporativo", declarou. 

Oportunidades 

De acordo com Louinnie, muitas empresas se veem forçadas a fazer o movimento de inserção, porque é a pauta do momento. "A equidade racial é a bola da vez, mas o mercado não está preparado para nos receber, porque a nossa cultura não é a dominante, então, o processo é muito dolorido", observou. 

"As oportunidades ainda são pequenas, porque a forma de captar talentos ainda não mudou para que nós sejamos encontrados." Ela considera que isso precisa, urgentemente, ser revisitado: "As empresas especializadas em recrutamento de profissionais pretos precisam de espaço e reconhecimento".

A profissional se considera uma pessoa a ser exemplo para os negros. Ela conta que procura trazer o debate sobre representatividade nos locais onde trabalha, levando isso aos clientes. "No Dia da Consciência, me visto com traje africano e sou uma lembrança presencial da data no local de trabalho", conta. 

Estudiosa, Louinnie está sempre em busca de pesquisas sobre o debate para seus trabalhos científicos. "Iniciarei um estudo para a minha segunda especialização, em negócios de Moda, para abordar de que maneira o segmento colabora para construir a identidade da comunidade preta", adiantou.   

Dia da Consciência Negra

"Eu tenho o privilégio de ser membro de uma família ativista à equidade racial e muito consciente sobre a nossa luta contra o racismo", orgulha-se. Ela afirma que nos anos de 1960 e 1970 seus familiares formaram um grupo que se chamava 'Grupo Cultural Razão Negra'. "Um dos fundadores era o professor e poeta Oliveira Silveira, que foi o mentor do Dia da Consciência Negra, e tive o privilégio de conhecê-lo", recordou.  

"O meu pai também fazia parte de um grupo ativista, o 'Tição', uma continuidade da luta dos meus ancestrais". Para ela, o Dia da Consciência Negra é uma data para lembrar e valorizar todos, pois seus pais e aqueles que vieram antes deles fizeram muito para que ela pudesse ocupar o espaço social em que se encontra. "Essa data também reforça a beleza da nossa cultura, que sempre deve ser valorizada e difundida", finalizou. 

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