Jornalistas de Santa Maria dividem o trabalho entre Porto Alegre e a cidade palco do incêndio

Júri foi transferido para a Capital em setembro de 2020

Equipe do Diário de Santa Maria acompanha o caso - Divulgação/Coletiva.net

Há uma unanimidade entre os jornalistas de Santa Maria que participam da cobertura do julgamento do caso da Boate Kiss: todos gostariam de estar na cidade de origem. Isto por ser palco do incêndio que vitimou 242 jovens e feriu mais de 600 pessoas na madrugada de 27 de janeiro de 2013. A razão da troca de local, em setembro de 2020, foi o chamado desaforamento, que é a transferência do julgamento de um crime doloso contra a vida pelo Tribunal do Júri.

O julgamento em duas frentes

A rádio Imembuí é um dos veículos de Comunicação da cidade que mantém uma equipe em Santa Maria e outra acompanhando o julgamento na Capital. O repórter Renato Oliveira, que transmite as informações na tenda instalada na praça Saldanha Marinho, a poucos metros do Boate Kiss, lamenta o desaforamento: "A população esperava que o julgamento fosse em Santa Maria, mas houve a troca de cidade, o que frustrou a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM). Todos clamam por justiça." 

Desde 2013, Renato se debruça sobre o caso, ou seja, cobre protestos organizados pela AVTSM, acompanha investigação e a tramitação processual. "Jornalisticamente não me sinto de fora, pois acompanho em tempo real o julgamento", afirmou o repórter que considera fundamental o andamento do júri, ainda que acredite que o desfecho não se dará agora. "Com tantos anos de Kiss, a gente sabe que ainda vem recurso do recurso após a decisão do tribunal agora." 

De Porto Alegre, o repórter Fabrício Minussi é o responsável por passar as informações e fazer as entradas ao vivo sobre o dia a dia do júri para os ouvintes da rádio Imembuí. 

"A Kiss não é uma escolha, a Kiss é nossa obrigação"

Diretora de Jornalismo do Diário de Santa Maria, Fabiana Sparremberger, 46 anos, é o elo entre os profissionais que atuam nas quatro plataformas: jornal, TV, site e rádio CDN, esta última há apenas três meses no ar e com a missão de estar totalmente integrada e em sintonia com as demais plataformas. Com mais de 25 anos de profissão, Fabiana estava no comando da Redação do Diário quando a tragédia ocorreu e, nesses quase nove anos, contribuiu com a equipe de 40 jornalistas ao tomar as decisões em relação ao caso Kiss. "Deslocamos quatro experientes repórteres para esta cobertura em Porto Alegre. O grande diferencial deles é estarem totalmente vinculados ao caso da boate Kiss, desde 2013", explicou a gestora. 

Para Fabiana, ter a oportunidade de acompanhar o desfecho do caso provoca comoção dentro da Redação, que reflete no bom trabalho em grupo. "É bonito ver a equipe inteira se disponibilizando para entregar ao leitor, ouvinte e telespectador o melhor do nosso trabalho. Eu nunca precisei chamar os jornalistas para a missão, na época do incêndio, desde a madrugada de 27 de janeiro até hoje, eles sempre entenderam a importância desta pauta. Chegaram a trabalhar 14 horas por dia", contou a jornalista, que é categórica ao afirmar: "A Kiss não é uma escolha, a Kiss é nossa obrigação." 

E a carga traz muita responsabilidade na hora de passar a informação. "Cobrimos todos os eventos e demos voz aos sobreviventes, pais e membros da AVTSM, mas sabemos que não dá para tomar lado, o nosso cuidado é redobrado porque, além de tudo, moramos todos na mesma cidade", esclareceu Fabiana. 

Retorno da audiência

A gestora se diz impressionada com o alcance da cobertura, principalmente, fora da cidade de Santa Maria. A redação tem produzido lives, com a participação de pessoas-chave no processo. Hoje, por exemplo, o delegado Sandro Meinerz, um dos que conduziu a investigação em 2013, era um dos convidados. A audiência cruza fronteiras e vai da Suíça ao Macapá. Durante a live, um seguidor escreveu: "Vocês que são de Santa Maria podem transmitir as informações por uma perspectiva diferente do resto do País. Sou de Minas Gerais". A diretora considera este depoimento um exemplo da importância do papel deles.

As mensagens de apoio e incentivo ao trabalho da equipe são confirmadas pelos números do Facebook do Diário. Segundo a diretora de Jornalismo, fora de Santa Maria, o crescimento chega a 141%, passando de uma média de 29 mil impressões/dia para 70 mil impressões/dia. "No segundo dia do júri, por exemplo, o consumo de conteúdo em vídeo no Facebook do Diário aumentou 2.629%, passando de uma média de 16 mil minutos de consumo médio para 3,2 milhões de minutos. O número de usuários/dia no site do Diário cresceu 98%, ultrapassando a média de 40 mil usuários/dia", comentou Fabiana, que acredita que o aumento reflete na confiança que os santa-marienses e também o público de fora têm no veículo.

Acompanham o júri na Capital os jornalistas Pâmela Gabriela Perufo, Jaiana Garcia e Rubin Matge, além do fotógrafo Pedro Piegas. Ainda nesta semana, mais dois profissionais se juntarão à equipe em Porto Alegre: Dandara Flores Aranguiz e Felipe Backes. Todos contam com o suporte da redação integrada em Santa Maria.

Olhos voltados aos familiares 

Outros cinco profissionais de Santa Maria acompanham com atenção os dias de julgamento. Eles integram a equipe da TV OVO - coletivo audiovisual, sem fins lucrativos, que trabalha com o registro da memória da cidade palco da tragédia em 2013. Diferente das lentes das câmeras das demais emissoras, o interesse da equipe está mais direcionado ao olhar dos familiares nos dias do julgamento.

Entre 2015 e 2018, a equipe produziu o documentário 'Depois daquele dia', que foi exibido no quinto ano da tragédia da Boate Kiss em telão instalado na praça Saldanha Marinho, no centro do município. O filme apresenta uma investigação sobre os impactos e aprendizados deixados pela tragédia em Santa Maria, as cicatrizes que marcaram a comunidade e as relações criadas entre as vítimas, os familiares e a própria cidade.

Dirigido pela jornalista santa-mariense, Luciane Treulieb, irmã de João Aloísio Treulieb - uma das vítimas da tragédia. O vídeo narra a história pela sua perspectiva pessoal, por ter vivido com proximidade os acontecimentos e efeitos que vieram depois daquele dia. "O João era gerente do bar da Kiss, em março, Patrícia, esposa dele, deu à luz Joana, pouco mais de um mês depois do incêndio, então o filme conta um pouco a história dessa família, a irmã conta sob a ótica dela e das transformações na cidade", relembrou a diretora de produção da TV OVO, Neli Mombelli. 

"Para nós tem sido bem importante estar aqui, apesar da extensão do trabalho, pois temos longos dias pela frente", resumiu Marcos. A equipe da TV OVO é constituída pelo assistente de fotografia, Alan Orlando, o diretor Marcos Borba, diretora de produção, Neli Mombelli,  diretor de  direção de fotografia, Rafael Rigon e no som, Victor Mascarenhas. Os profissionais seguirão captando imagens do julgamento para produzir um novo documentário. 

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