Tacho: Uma vida simples

A brincadeira de criança tornou-se trabalho e, mesmo sério, nunca deixou de ser brincadeira

Tacho - Reprodução

Por Gabriela Boesel

A timidez talvez seja a característica mais marcante de Gilmar Luiz Tatsch. Ele é mais conhecido como Tacho, que deriva do sobrenome herdado do pai falecido, João Francisco Tatsch. O codinome, inclusive, estampa as charges publicadas nos sete jornais do Grupo Sinos, no Correio do Povo e em alguns livros, normalmente no canto inferior direito da imagem. Os traços, garante, são os mesmos de quando era criança e desenhava na mesa do bar da família, em uma zona boêmia de São Leopoldo, no Vale do Rio dos Sinos, na década de 1960.

Introspectivo, relembra com nostalgia da época em que um lápis e uma folha de papel eram seus companheiros de infância, quando copiava personagens de brinquedos como do Forte Apache, além das brincadeiras de rua com os amigos, vizinhos e irmãos mais velhos, Jaime Francisco e Gilberto José. As experiências da época transformaram-se com o passar do tempo, quando, já adolescente, estendia a permanência no bar até a noite, em um ambiente que caracteriza como descontraído.   

Há 40 anos no Grupo Sinos, e há 31 no Correio do Povo, o cartunista confessa que, contrariando o desejo dos pais, não chegou a cursar faculdade, pois "entrar para o jornal foi como fugir com o circo". No entanto, diz com segurança que se tivesse que escolher uma formação, esta seria no Jornalismo. Ingressou na empresa de mídia do Vale do Sinos para ajudar nas despesas de casa, quando o pai sofreu um derrame e, acostumado com os amigos da rua, viu-se, de repente, vivendo e circulando no meio de jornalistas profissionais. Hoje, aos 58 anos, não cogita a hipótese de parar de desenhar.

No fio da navalha

Com estatura média - para falar a verdade, mais baixa do que o comum para homens -, Tacho é uma pessoa amável, que transmite sinceridade nas falas e nos gestos. Me entrega, ao final da entrevista, o 'Almanaque do Tacho', uma coletânea de charges lançada em 2016. Não sem antes assinar e, claro, fazer com agilidade um rápido desenho na folha de rosto. A obra reúne mais de 130 imagens e diversas frases, muitas delas criticando governos e governantes, independentemente de partido. Outras tantas sobre temas como futebol, clima, cotidiano.

Analisa que era mais fácil fazer as charges no começo da carreira, pois, "naquela época do regime militar, nós tínhamos um governo ao qual éramos, quase todos, contra". Hoje considera que tem mais dificuldades devido à polaridade das opiniões dos leitores: "O mundo está maluco. Vivemos no fio da navalha". As redes sociais também dificultam seu trabalho. "Acho que se existissem estas ferramentas quando eu comecei, talvez não tivesse seguido como chargista, porque elas te destroem", menciona, ao revelar que sempre é criticado, independentemente do que publica. Sem falar que já leu comentários de leitores contestando sua veia artística. "E quando descobri que não sabia desenhar, estava fazendo charges para sete jornais", rebate.

Mesmo depois de tantos anos de estrada, continua em busca de aprimoramento. Tem fortes expectativas com a tecnologia e recorda de quando o impresso, antes preto e branco, ganhou cor. Almeja, um dia, colocar movimento nas publicações e imprimir personagens em 3D. "Espero estar vivo para curtir isso." Com rabiscos que transmitem uma certa ingenuidade de adolescente, como ele mesmo alega, tem ciência de que seu traço é simples, e, às vezes, excessivamente severo para consigo mesmo, chega a chamar a própria ilustração de "ruim". Para ele, é impensável comparar-se com os ídolos Edgar Vasques e Santiago, que lhe servem de inspiração. "Faço o mesmo traço de quando era criança, lá no bar. Sou um adulto que continua desenhando", define-se.

Das inúmeras histórias que seu trabalho rendeu, lembra uma em que foi processado por 400 policiais em função de uma charge em que colocou um brigadiano furioso sendo segurado pela coleira por um cachorro, material publicado no jornal NH. Pela direção do Grupo Sinos, no entanto, assegura jamais ter sido censurado.

Do sonho à realidade

Sentado à mesa do bar, além de rabiscar, costumava admirar as ilustrações dos jornais, porém sem pretensão de seguir carreira na área. Começou no Jornalismo como office-boy no Grupo Sinos (já foi dito), em substituição a outro profissional que não compareceu ao trabalho. "Eu tinha tentado a vaga, mas não fui selecionado. Aí, um dia, o diretor da empresa parou o carro lá em casa me chamando para substituir o menino que não apareceu", relatou, ao mencionar que, em cidade pequena, todos se conhecem.

Começou, então, a levar as páginas de São Leopoldo para Novo Hamburgo, e fazia as vezes de jornaleiro, quando entregava exemplares na cidade. Mesmo atarefado com o trabalho, ocupava o tempo livre desenhando. E, assim, passou a fazer charges para o jornal uma vez por semana. Depois, foi transferido para o setor de Arte do jornal NH, na diagramação, experiência que lhe rendeu um registro profissional.

Antes de tudo, tinha o sonho de ser professor de História. Na escola, desenhava as pirâmides do Egito ao lado das explicações escritas, como forma de se lembrar com mais clareza os nomes das edificações. Passado o sonho de criança, veio o desejo de ver-se entre os colaboradores do Correio do Povo, onde alguns amigos atuavam. Entretanto, foi chamado para trabalhar em Zero Hora, o que durou um mês, pois logo conseguiu uma vaga no tão esperado impresso da Caldas Júnior, em 1987, no qual está até hoje. 

Vida simples

Criou-se entre um quartel do exército e um destacamento da Brigada Militar, em tempos de ditadura. Certo dia, quando o quartel encerrou suas atividades no local, um soldado distribuiu capacetes para as crianças da rua. Animada com o novo brinquedo, a gurizada imitava a série de TV 'Combate'. Porém, à noite, um oficial acabou com a brincadeira ao dar ordens para recolher tudo.

O caçula de Irma Bandeira Tatsch, que, aos 90 anos, ainda mora em São Leopoldo, sempre rememora algum fato dos tempos em que era apenas um jovem e explica que, mesmo prestes a atingir a terceira idade, não abandonou os hábitos infantis. Tanto que, em seu aniversário de 40 anos, a esposa, Nara, com quem está casado há 32 anos, presenteou-lhe com um Forte Apache. "Se ela quer me dar algo do qual eu vá gostar, ela me compra um brinquedo", confessa, com um tímido sorriso. "Um adulto que desenha e coleciona brinquedo é triste", diz, mais uma vez sendo rigoroso.

Sua última aquisição foi uma mala com todo material de desenho que se possa imaginar. Confessa que tem tanta coisa que nem sabe como usar, e explica: "Tu queres falar da vida pessoal e eu acabo sempre mencionando trabalho, mas não tem como não relacionar". Não é de se estranhar, visto que é editor de Design de todos os jornais do Grupo Sinos, função que lhe rende horas na redação e pouco tempo de lazer.

Pai da psicóloga Helena, de 28 anos, quando não está no trabalho, Tacho gosta de assistir TV e destaca séries de ficção, como Game of Thrones, sua preferida. Documentários sobre história também entram para a lista. Totalmente sedentário, confessa que vai de casa para o trabalho e vice-versa sem praticar atividades físicas, e viaja somente em função da profissão. "Quando chego às cidades do Interior, viramos celebridade por ser do Correio do Povo. O Juremir Machado, por exemplo, é Deus para as pessoas", brinca.

A estante de casa guarda, na maioria, biografias. A última que leu foi do apresentador global Jô Soares, que achou sensacional, e outra da qual não esquece é a do ex-presidente Getúlio Vargas. Quanto à música, é meio reticente na resposta. Ao mesmo tempo em que se diz eclético, logo adianta que não gosta de alguns estilos e que prefere os clássicos do rock, como Beatles e Bob Dylan.

É um torcedor do Inter que raramente vai ao estádio, no entanto, garante que não perde nenhum jogo. Assina pay-per-view para acompanhar seu time pela TV, e aí torce e sofre. "Como colorado, tenho sofrido bastante", alega, e em seguida comenta que, nas ilustrações, muitas vezes é considerado gremista pelos leitores, de tanto que "bate no Inter". Mas não perde a chance de criticar o Grêmio quando consegue. "Às vezes, o mundo está caindo e eu faço uma charge de futebol. Mas é que, no Brasil, o mundo está caindo todo dia. Esse que é o problema."

Católico de criação, casou-se na igreja anglicana e acha o kardecismo interessante. Respeita e acredita em um pouco de cada religião e diz não ter preferência. Cita uma passagem do líder budista Dalai Lama, que comparou as religiões como uma mesa de jantar: "Cada um pede um prato diferente e ninguém condena o outro por isso. Acredito em Deus", sintetiza.

Por sua timidez, agradece a vantagem de ser ilustrador: "É que tu não precisas aparecer, mesmo trabalhando no jornal". Quanto à autodefinição, sem entrar em detalhes e fazer grandes reflexões, apenas repete que continua sendo uma pessoa infantil e que passa o tempo inteiro brincando: "Minha vida é muito simples".

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