Beto Carvalho: Do limão, uma limonada

Diretor de Marketing do Grêmio lutou com muita força, garra e obstinação, e passou por diversos percalços para conquistar espaço no mercado

Beto Carvalho, diretor de Marketing do Grêmio - Arquivo Pessoal

Aos cinco anos, Alberto Carvalho, o Beto, passou por um trauma que mudaria sua vida para sempre. Aguardando no banco de trás do carro, o pai, Carlos Alberto, que havia descido do automóvel para abrir o portão de casa, presenciou uma tensa cena: um homem entrou no veículo, deu marcha à ré e saiu dirigindo, sem se dar conta de que o pequeno estava ali. Algum tempo depois, quando percebeu, encontrou-se com um comparsa, e a dupla passou a dar mais algumas voltas com ele. "Depois não me lembro mais, mas diz a lenda que voltei rápido", é como descreve a situação dolorosa, da qual nem gosta de recordar muito. Entretanto, o que ele gosta de salientar é que, a partir desse momento, nasceu um menino extremamente lutador e vencedor de adversidades. 

Isso porque o baque foi tamanho que acabou despertando um distúrbio neurobiológico que afeta a fala, a gagueira. Esta pode ser ocasionada devido a um trauma psicológico, que acontece após um evento extremamente difícil na vida. A partir de então, passou a ter muita dificuldade de se pronunciar diante das pessoas. Mas se engana quem pensa que o percalço o derrubou. Pelo contrário: "Sempre digo que fiz do limão uma limonada. O fato de ter esse problema fez-me ter mais fibra, fazer mais esforço e ter muito mais resistência, força de vontade e estoicismo pra ir atrás e lutar", relata. 

Entre a razão e a vocação

Quando a época de prestar vestibular chegou, junto veio um dos momentos mais difíceis. Isso porque gostava muito das Ciências Humanas; entretanto, na sua percepção, precisaria falar, o que o deixou com receio. Sendo assim, resolveu fazer um curso em que não precisasse se expressar verbalmente. A escolha foi pela Engenharia Civil, graduação que se formou depois de cinco anos, aos 22. Foi só com o diploma em mãos e uma carreira inteira pela frente que compreendeu: ser engenheiro civil não era vocação. Mas, então, o que era? Segundo Beto, ao longo da trajetória, teve dois principais desafios: o primeiro, foi a própria gagueira. Porém, o segundo, foi justamente o momento de deixar a profissão que acabara de se formar. "Mais difícil do que tomar a decisão de fazer Engenharia, foi a de deixar a Engenharia", admite.

A resposta para essa questão vem em forma de uma frase clássica, criada por ele: "Não nasci para viver na singularidade dos números, e, sim, para conviver na pluralidade das pessoas". Beto gostava mesmo era de "gente". Foi então que decidiu dar uma guinada na vida e lutar pelo desejo de atuar na arte de comunicar.  Buscou por sessões de fonoaudiologia e passou a frequentar aulas de teatro. Sentindo-se um pouco mais confortável, deu um passo que valeu por milhões: decidiu ser vendedor, o que, conforme ele, foi uma forma de enfrentar o problema.

Foi assim que começou a integrar a equipe de vendedores da Xerox. "Daqueles de bater de porta em porta mesmo." Durante muito tempo, diariamente, a primeira visita de venda ocorria em açougues. Mas por que se não ia vender? Ele sabia que não iam comprar uma máquina para fazer fotocópias, mas usava o local como laboratório. Dessa forma, treinava, experimentava falas, versos, olhares, pausas e, lá pelas 10h, já estava cansado de tanto gaguejar, mas aquecido para poder ir nas empresas e escolas, como potencial consumidoras. Durante muito tempo, fazia isso dia após dia, até conseguir alcançar o que almejava: criar uma forma específica de poder falar. 

O sucesso como vendedor veio e rapidamente conseguiu ser promovido a gerente de Vendas. Foi quando voltou à universidade, mas naquele momento para fazer um mestrado em Marketing. Desde então, não saiu mais da área. Posteriormente, tornou-se executivo de grandes marcas e diretor de Marketing do banco Matone. Aliado a isso, durante esse período, começou a palestrar para empresas no geral, as quais define como "com um cunho técnico", porém "também com um lastro emocional''. 

Prazeres da vida

Beto procura gerar, permanentemente, momentos de satisfação, pois, para ele, a felicidade é feita de uma quantidade enorme de boas ocasiões. E, hoje, o que lhe dá mais prazer na vida é palestrar: saber que conseguiu terminar uma palestra, passar uma boa mensagem e ela ser aceita pelo público. E, depois de tantas lutas diárias e percalços, até brinca: quando era garoto, tinha vergonha de falar e, hoje, pagam para isso. 

Outra paixão consiste em escrever. Quando guri, ganhou um concurso de poesia e, aos 14 anos, escrevia letras de música. Filho de jornalista e da professora aposentada Ilá Aclair, o gosto vem do sangue. O hobby se tornou carreira quando, em 2007, lançou o primeiro livro, 'Azeitona da empada', sobre vendas, que ficou por mais de uma semana no topo do ranking do Valor Econômico. Após o sucesso da obra, foi ainda mais requisitado para dar palestras, enquanto preparava mais um lançamento: 'A cereja do bolo'. Por fim, em 2011, chegou às prateleiras das livrarias 'Você é o cara', terceira obra de Beto, que hoje segue palestrando e ministrando cursos e consultorias sobre Marketing e Vendas. 

"Eu te sigo desde pequeno"

De pai para filho: assim começou a paixão por futebol e, mais precisamente, pelo Grêmio. Desde os cinco anos, frequentava as arquibancadas do Estádio Olímpico Monumental, momentos que eram de pura adoração. Ele, que nasceu no bairro Glória, e teve uma infância de jogar bola na rua, assim como de brincar com bolinhas de gude, aprendeu a ler cedo. Aos seis anos, já abria os jornais impressos diretamente na editoria esportiva, com o intuito de ficar por dentro de todas as novidades do clube do coração.

Em 2013, o amor que nutriu a vida toda pelo tricolor gaúcho ganhou um novo capítulo: de mero torcedor, passou a fazer parte da história do time. Isso porque o convidaram para assumir o Marketing do Grêmio. O trabalho, que era pra ser de dois anos, vigora até hoje, em 2022, e mais uma vez se reinventou, ao se tornar especialista em Marketing Esportivo. O resultado de tamanha dedicação? Atualmente, leciona em universidades e no curso de Gestão de Marketing Esportivo da CBF, além de ter na estante os prêmios de Melhor Executivo de Marketing de Clubes no Futebol Brasileiro pelo Brasil Sport Market (BrSM), em 2015 e 2016, bem como pela Conferência Nacional de Futebol (Conafut), em 2018.

Todavia, nem tudo são flores, quando se trata de atuar no clube que tanto ama. A dedicação é diretamente proporcional. "Não existe não estar trabalhando. Trabalho sete dias por semana, durante 24h", admite, ao confessar que não tira férias há anos. E a rotina, que já era caótica, mudou bastante depois da pandemia. Antes, fazia muitos exercícios. Contudo, acabou contraindo Covid e abandonou o hábito devido às dificuldades impostas pela doença. Mas, em resumo, é uma rotina de estudar muito e trabalhar mais ainda. 

Versão pessoa física 

Longe do trabalho, se é que isso é possível, convive muito com a família, composta pela esposa Mirela, com quem é casado há 35 anos, além dos filhos Juliana, 33, que é arquiteta, e do psicólogo e policial civil Felipe, de 29. Atualmente, o irmão mais velho da juíza Lidiane e do engenheiro químico Eduardo ainda dedica o tempo ao papel de ser vovô de João Pedro, o pequeno de três anos, que é seu xodó.

Além disso, adora rever os amigos, pois revela que é muito ligado a eles, escolhidos e cultivados em diferentes fases da vida. Somado a isso, lê muitos livros sobre comportamento do consumidor e Marketing e se considera fanático por série. "Ela tem uma emoção da novela, mas não é tão longa", opina. O vício é tamanho, que  chega a assistir três ou quatro produções ao mesmo tempo. No momento, está acompanhando 'Café com aroma de Mulher' e, entre as favoritas, figuram títulos como a espanhola 'La Casa de Papel' e a brasileira 'Coisa Mais Linda'. Em relação à Sétima Arte, não titubeia: o melhor filme para ele é 'A Sociedade dos Poetas Mortos'. 

Ainda na frente da telinha, quando está zapeando e se depara com programas esportivos (não somente de futebol), assim como de notícias e programas de Gastronomia, é que resolve parar e deixar no canal. E quando o assunto é comida, não é só em atrações televisivas que aparece na vida de Beto: ele adora cozinhar, principalmente pratos como massa e paella. Em relação à música, confessa que escuta de tudo um pouco, desde Samba até Rock. Contudo, desde guri, carrega um gosto especial pelo Reggae, curtindo artistas como Bob Marley, Jimmy Cliff e Peter Tosh. 

Inquietação imediatista

O porto-alegrense, que se define como inquieto em todos os sentidos, busca e tenta sempre fazer o novo. "A única forma de sermos diferentes é fazermos a diferença", declara, ao citar como maior defeito ser uma pessoa imediatista. Beto, que ainda se considera irresignado, enxerga como grande qualidade a capacidade de saber escutar.

Ao ser questionado se sente-se realizado, decreta: "Isso é muito forte". Para ele, é preciso sempre buscar algo novo, seja em que fase da vida for. "Quem se sente realizado tende a ficar em uma zona de conforto. E ela não combina comigo", garante. Por isso, tem como lema de vida olhar para frente e nunca pelo retrovisor. E ainda cita Chico Xavier: "Você não pode voltar e fazer um novo começo, mas você pode começar agora e fazer um novo fim".

Planos para o futuro? Sempre. Mas revelar é que não pode! Movido a sonhos e metas, destaca: "Velho todo mundo vai ficar. É inexorável. Contudo, antigo é opcional". E hoje, o guri que chorava porque era gago dá graças a Deus por ter tido isso e transformado em um símbolo da sua vida, forma de ser e, acima de tudo, força.

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