Bruna Passos Amaral: Encorajando voos

Depois de realizar nove intercâmbios, jornalista criou plataforma de bolsas de estudo no exterior

Bruna Amaral

* Por Cleidi Pereira, correspondente de Coletiva.net em Lisboa, Portugal. A jornalista assina conteúdos para Perfil de profissionais gaúchos da Comunicação que estão espalhados pelo mundo.

Há pessoas que são raízes e outras que são asas. Não se trata, no entanto, de uma questão maniqueísta: se alguns voos podem ser fugas, outros só se realizam porque as raízes permitem. Foi o que aconteceu com a jornalista Bruna Passos Amaral. Aos 16 anos, fez o primeiro intercâmbio, nos Estados Unidos, e não parou mais: coleciona nove desde então (seis na Alemanha, dois nos EUA e um na Finlândia), sendo que sete deles foram com bolsa. A experiência nos processos seletivos, o desejo de disseminar o conhecimento sobre oportunidades de estudar fora do País e a vontade de ajudar outras pessoas a realizarem seus sonhos formaram a base para a criação, em 2013, do Partiu Intercâmbio, uma plataforma de bolsas de estudo no exterior.

À porto-alegrense de 34 anos - que hoje mora em Londres e também atua como gerente de negócios na Roomgo -  nunca faltou apoio da família. Dos pais, o metroviário Paulo e a bancária Sílvia, herdou a inquietude e o dom de encorajar pessoas, que ela hoje coloca em prática nas centenas de sessões de mentoria que realiza anualmente. Um exemplo de estímulo dos pais: certo verão, na casa dos avós, em Santa Catarina, Bruna decidiu que iria vender picolés, já que havia uma fábrica na vizinhança. Mobilizou primos e o irmão Diego. Embora a mãe tenha tido certo receio, o pai dela disse: "Vai", prevendo que a aventura da turma não passaria de um dia e meio. Foi o que aconteceu, e, como lição, passou a valorizar o trabalho dos vendedores ambulantes. 

Da infância, recorda-se ainda de uma reforma interminável e de passar muito tempo na casa dos avós, pois os pais, além dos empregos fixos, tinham uma loja de roupas. Ela e o irmão, que é um ano mais novo, dormiam em meio aos tecidos e brincavam com as máquinas. Cresceram rodeados de gente, em uma família em que sempre havia algo acontecendo. "Ninguém nunca estava parado. Meu pai sempre inventando alguma coisa, arrumando computador, vendendo perfume, a minha mãe fazendo crochê. Ensinou-me a bordar, a pintar, e dizia que era importante para nunca ficar entediada", lembra.

A semente

Viajar para o exterior não era algo comum em sua família. Havia somente uma tia, também jornalista, que, certa vez, esteve na França. Um programa corriqueiro era pegar a estrada em direção a Florianópolis e foi lá que se deparou com a possibilidade de passar uma temporada em terras ainda mais distantes. Durante uma visita à casa de um primo de segundo grau, conheceu uma menina australiana, que estava sendo hospedada pela família, enquanto ele estava na Austrália. Tinha 12 anos e decidiu que, um dia, faria o mesmo. "Não sabia como, o quê, eu apenas sabia que ia fazer", conta.

Nesta época, já cursava inglês por insistência da mãe, que, mesmo sem falar outro idioma, defendia a importância de dominar uma segunda língua. Aos poucos, a resistência ao curso foi cedendo espaço à curiosidade, especialmente por conta da biblioteca que havia no local. Foi lá que começou a notar nas paredes avisos sobre oportunidades e passou a se inscrever para todas que apareciam. Era início dos anos 2000, e a frustração de não ser selecionada somava-se à da não aprovação em uma prova de proficiência, até o dia em que foi contatada pelo programa Jovens Embaixadores, da Embaixada dos EUA no Brasil, que estava na primeira edição.

"Eu nem sabia o que era. Podia estar me inscrevendo para vender o rim. Era muito rudimentar naquela época. Lembro que foi um papel que vi na sala do Cultural, e aí me inscrevi e, quando vê, recebo uma ligação: 'Oi, aqui é da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil", recorda, aos risos.  Passou três semanas no país junto de outros 11 jovens, somente dois oriundos de escola pública, incluindo Bruna, que, posteriormente, na avaliação, sugeriu que o programa fosse mais inclusivo. Voltou já pensando em repetir a experiência, e com verba para viabilizar o projeto. Isso porque a embaixada norte-americana não aceitou a devolução do dinheiro para cobrir custos, o que, para uma menina de 16 anos, era uma verdadeira fortuna em dólar.

Mais alemã do que brasileira

Foi pesquisando destinos para o próximo intercâmbio, desde que coubessem no orçamento, que a Alemanha surgiu como possibilidade. Descobriu que desbravar terras germânicas sairia muito mais barato do que ir para os Estados Unidos, um valor que ela poderia bancar com o dinheiro que havia recebido da embaixada norte-americana. Não seria a primeira nem a última vez em que o seu lado avarento a levaria a alterar rotas.

No segundo intercâmbio, Bruna fez um ano do Ensino Médio na Alemanha. Os primeiros seis meses testaram sua resiliência, mas a necessidade de interação social deu o impulso para que ela vencesse a barreira do idioma. Ela conta que, em meio ano, foi do estágio zero ao de ter amigos na escola e falar com todo mundo. Aos poucos, foi pegando o jeito e gostando daquela "língua meio matemática". "É como se fosse um quebra-cabeça. Uma vez que você sabe o alfabeto, consegue ler qualquer palavra", diz.

Nos últimos meses, já não queria mais voltar para o Brasil. Mas tinha que concluir o Ensino Médio e prestar vestibular. Regressou, ainda que a Alemanha já havia conquistado o seu coração. O flerte prosseguiria no futuro com mais cinco intercâmbios no país. Com os alemães, aprendeu a ser prática e direta. Tanto que a mãe hoje brinca dizendo que ela ficou mais alemã do que brasileira.

O sonho do avô

De volta a Porto Alegre, fez um curso pré-vestibular durante seis meses e tentou Relações Internacionais na Ufrgs. Não passou na Federal, mas foi aprovada em Jornalismo na PUC. Fez as contas e convenceu os pais a ficar um ano se dedicando aos estudos. Na segunda tentativa, foi aprovada, assim como o irmão, com quem compartilhou, no período, livros e aflições - ambos entraram e saíram da Ufrgs no mesmo dia. Depois de descartar a carreira diplomática, Bruna pensou em cursar Letras, mas o gosto pela escrita acabou por orientar a escolha pelo Jornalismo, também por influência da tia Adriana, jornalista e professora universitária, e do avô, Ivon Amaral, cujo sonho era trabalhar em redação de jornal. 

Bruna, de certa forma, realizou o desejo dele. Quando ainda estava na faculdade, fez estágios no O Sul e Jornal do Comércio. Depois, em 2010, trocou um "estágio rico" na assessoria de imprensa do MPF pela vaga de assistente na Zero Hora. Lá, começou editando e produzindo vídeos e chegou a ser editora do Segundo Caderno. Foi na ZH, aliás, que ela começou a escrever sobre intercâmbios, no caderno Vestibular, onde tinha uma coluna publicada quinzenalmente. Lá, também treinou todo o Segundo Caderno para o online - um feito que, como ouviu durante uma entrevista de emprego, deveria constar no currículo.

Em 2013, trocou a ZH pela W3Haus, em Porto Alegre. E, dias após deixar a redação, criou o Partiu Intercâmbio, mais como um hobby. Eram muitas as dúvidas e quase nenhuma certeza sobre o futuro do projeto. Naquele mesmo ano, veio o aceite para cursar mestrado em Estudos de Mídia Internacional na Alemanha, e ela faria as malas para uma temporada mais longa no país do coração. Neste período, além de trabalhos como freelancer, fez estágios na Deutsche Welle (DW) e também foi líder de marketing de conteúdo da Trivago.

Amor na Finlândia

Após o fim do mestrado, decidiu aplicar para mais um intercâmbio, do governo da Finlândia, voltado para jornalistas, para o qual ela já havia se candidatado outras vezes. Era a última chance, o último ano em que poderia participar. Foi selecionada junto com outros 20 profissionais, e um deles chamou sua atenção: Michael, um jornalista alemão, que morava em Londres e trabalhava na BBC. "Passei cinco anos morando na Alemanha e nunca namorei nenhum alemão. Fui para a Finlândia e arrumei um? porque a vida faz muito sentido! A gente começou a namorar e nunca mais se separou", conta.

Foram três anos de relacionamento a distância, na conexão Inglaterra-Alemanha e, depois, com direito a uma temporada dela no Brasil. O retorno da jornalista à Europa seria para a Alemanha, onde possuía visto de trabalho. Mas, como Michael não queria abrir mão do emprego e ambos já não estavam mais dispostos a continuar com a rotina de aeroporto, decidiram se casar. A cerimônia foi organizada em um mês. No casamento civil, em dezembro de 2017, Michael - que no Brasil virou "Maicon" - se fez presente via Skype. E o ponto final nas brincadeiras sobre o namorado imaginário de Bruna - já que ele, ao estilo alemão, não está nas redes sociais, só aconteceu um mês depois - ocorreu quando reuniram amigos e familiares em Florianópolis.

Em Londres desde então, a jornalista hoje tem dois sonhos: dedicar-se exclusivamente ao Partiu Intercâmbio e, quem sabe, convencer o marido a voltar para a Alemanha. Quem a conhece sabe, basta apenas desejar boa sorte... Ich drücke Dir die Daumen.

Comentários