Carlos Karnas: Do Jornalismo à Literatura

Profissional gaúcho que vive há 25 anos em um sítio no interior de São Paulo, recorda trajetória e lança livro de contos

Por Patrícia Castro

O cenário escolhido para a entrevista foi ideal, a Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre. No ambiente em que reinam a arte e a cultura, foi possível perceber de longe que o jornalista Carlos Fernando Karnas tem muita intimidade com o local. Enquanto aguardava a chegada da fotógrafa, entre uma tragada e outra no cigarro, e goles de água mineral com gás, Karnas revelou: "Estou há 25 anos longe do Rio Grande do Sul, mas já passei por quase todos estes veículos de comunicação de Porto Alegre".

Karnas, como é conhecido no meio profissional, começou a trabalhar antes mesmo de se formar, no Jornal da Semana. Um periódico que, lembra ele, circulou durante poucos meses. "O Antonio Britto Filho começou comigo naquela época, mas eu fui ingressar mesmo com o pé direito no jornalismo na Zero Hora." O ano era 1967 e a Zero Hora ainda estava localizada na Avenida Sete de Setembro, no Centro de Porto Alegre. Foi ali que o jovem Karnas deu início à carreira.

Começou como um foca, fazendo plantão policial, e dois anos depois foi para a Folha da Manhã, na Caldas júnior. Conforme lembra, a Folha da Manhã foi uma evolução da Folha Esportiva. Uma tentativa de fazer um jornal tabloide, mais jovem, com uma nova leitura e novo formato. "Para isto, foi montado um pequeno grupo, com os jornalistas José Antonio Vieira da Cunha, Nubia Silveira, Laila Pinheiro, Vanderlei Soares, Florianinho Soares, Florianão e Carlos Urbim. Estas pessoas, que eram comandadas pelo Capitão Erasmo Nascentes, se tornaram o meu grupo profissional matriz". O grupo que trabalhou junto na Folha da Manhã começou, a partir dali, a direcionar o seu perfil e destino profissional.

Nesta época, Karnas fazia alguns trabalhos também na Rádio Guaíba e era correspondente da Rádio Marconi, de São Paulo. O jovem mal tinha acabado de se formar em Jornalismo pela Famecos, em 1971, e já colecionava prêmios de reportagem, entre eles, o Prêmio ARI de Jornalismo. No final de 1972, saiu da Folha da Manhã e foi trabalhar com Celito De Grandi na sucursal do Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, até sua extinção, um ano depois. Lá, trabalhou com mais alguns colegas que hoje se destacam no Jornalismo, como Ana Amélia Lemos, Políbio Braga, Arthur Tadeu Monteiro e Nubia Silveira.

Entrando no ar

Karnas teve passagem ainda pela TV Gaúcha e Diário de Notícias, retornando para Zero Hora, em 1978. Foi quando fez um percurso dentro da RBS. Participou do lançamento de ZH Dominical em formato standart, um projeto que fracassou, foi pauteiro, chefe de reportagem e secretário de redação. "Até que precisaram de mim na televisão, e eu tive que entrar no ar. A partir daí, minha vida foi só televisão".

Após 10 anos na RBS TV, onde exerceu as mais diversas funções, foi trabalhar na TV Globo. "Como fui diretor executivo por muitos anos da RBS, acabei conhecendo muita gente, formei um vínculo muito forte com o Jornalismo da TV Globo e fui convidado para trabalhar num projeto que eles estavam desenvolvendo." O objetivo era formatar as emissoras afiliadas para o padrão da Globo. A emissora fez um levantamento no Brasil diagnosticando todas as afiliadas. "Com base neste dossiê, que foi extremamente valioso, fui convidado para debulhar aquela papelada e informar o que percebi. A conclusão que cheguei foi que existiam emissoras que precisavam de uma intervenção". O projeto foi articulado pela Central Globo de Apoio a Emissoras Afiliadas, que tinha sede em São Paulo, e estava sob o comando do Evandro Guimarães.

O gaúcho foi deslocado para o Norte do país, para trabalhar como um interventor na Rede Amazônica de Televisão. "Fiquei um ano morando e trabalhando em Manaus", recorda. Nesta ocasião, como tinha carta branca da Globo, acabou levando para trabalhar com ele cerca de 10 ex-colegas, de diferentes setores da RBS. "Foi a partir deste trabalho que o padrão Globo começou a ter uma dimensão nacional", acredita.

Quando acabou seu contrato e estava se movimentando para ir morar em Florianópolis, foi convidado pela Rede Globo para inaugurar uma emissora em São José dos Campos. "Fiz minhas malas, me mudei para a cidade, e não saí mais de lá". O desafio foi grande e o prazo para a emissora entrar no ar era de 15 dias. E como para ele, tarefa dada é tarefa cumprida, no dia 1º de outubro de 1988 a TV Globo Vale do Paraíba entrou no ar. Trabalhou por oito anos na emissora, e quando a Globo passou por uma crise em 1996, e vendeu a retransmissora, Karnas se afastou e passou a "viver uma vida independente de empresa".

Por conta própria

Começou a visitar agências de publicidade e a convite de um amigo, em 1997, desenvolveu um grande portal para área médica na internet, um mailing eletrônico. "Me apossei do projeto e criei o www.medicweb.com". Só que o que era para ser apenas um projeto tomou uma dimensão tão grande que Karnas não conseguiu mais dar continuidade. Após oito anos, o site que sobrevivia com a venda de espaços publicitários foi deixado de lado. "Como eu fazia tudo sozinho, foi o que me matou. Eu passava 24 horas na frente do computador e não tinha esta tecnologia que tem hoje, e eu não tinha mais vida, então resolvi deixar o projeto morrer".

Nesta época, foi convidado pelo amigo Adolfo, que fazia a tradução de publicações do Departamento de Estado do Governo norte-americano, para editar e diagramar este material. Com o tempo, o amigo foi dispensado do trabalho e Karnas acabou tocando o trabalho sozinho, nas versões em português e espanhol. Ao mesmo tempo, atuou como professor universitário na PUCRS, Unisinos e Universidade do Vale do Paraíba (Univap). E ainda trabalhou na área política, junto a prefeituras e fundações, de Taubaté e São José dos Campos.

Tropa da Cultura

O porto-alegrense nascido em 22 de novembro de 1946 conta que, como foi filho único até os 10 anos, as lembranças da infância estão focadas nas idas à igreja com a mãe Adelina Rossi Karnas. O pai, o comerciante Carlos Pedro, era quem o acompanhava até a porta da escola, e foi lá no Colégio São Pedro que conheceu o hoje escritor gaúcho João Gilberto Noll. "Meu irmão José Luis nasceu quando eu tinha 10 anos, então, recordo mesmo é do João, e desta convivência, ali no Bairro Floresta, ajudou na minha formação intelectual e política".

Casado há 39 anos com a psicanalista Sônia Mara, lembra como foi o dia do casamento. "Eu saí da Folha da Manhã e minha mulher, que fazia Psicologia na PUC, saiu da faculdade direto para o cartório. Os padrinhos foram os colegas do jornal e eu nem pude acompanhar minha esposa até em casa na volta. Casei e fui direto para a PUC realizar duas provas. Só depois quando voltei é que fomos jantar e fizemos nossa lua de mel no apartamento que tínhamos comprado no Centro".

Da união nasceram Fabíola, 35, dedicada ao teatro e professora de Yoga em São José dos Campos; Cristiano, 33, ator, dançarino e músico, que vive e atua em São Paulo; Larissa, 30, que é comerciante e vive em São José dos Campos; e Luciano, 28, artista grafiteiro, que atua na Fundação Cultural de Caçapava. O casal também adotou Sandro, 40, que mora no Rio e é ator. "Ou seja, a tropa toda seguiu o caminho da cultura, arte e espetáculos, com exceção da Larissa", explica. A família se completa com os netos, filhos de Fabíola, Matheus, Rafael, Bruno e Gabriel, todos entre 15 e 11 anos, além de Arthur, 10, filho da Larissa. 

Desde 2005, Karnas vive no Sítio da Mata Pequena, Vale da Paraíba, na cidade de Caçapava, em São Paulo. "Moro completamente sozinho, no alto de um morro, num dos lugares mais altos da região", revela. A esposa continua em São José dos Campos, e a família acaba se encontrando mesmo nos finais de semana. "No meu sítio eu tenho uma floresta, um resquício de Mata Atlântica totalmente preservada, e é lá que me sinto bem e gosto de ficar", diz.

Um quarto de mil

O jornalista diz que se considera um tremendo preguiçoso, que não tem vontade de sair de casa. "Eu gosto da porteira do meu sítio para dentro. Quando quero assistir algum dos filmes de drama ou policial, que são meus preferidos, vou até a locadora e assisto em casa mesmo". Karnas confidencia que gosta muito de música, sem ter preferência por algum gênero. "A música tem que bater no ouvido, arrepiar e me encantar", conta.

Há seis anos tem, em sociedade com um cunhado, uma Fábrica de Móveis, e agora uma construtora, em Porto Alegre. O que faz com que tenha que voltar com frequência para a terra natal. Atualmente, também se dedica à literatura. Escreveu em 2009, e lançou em fevereiro deste ano, o livro de contos 'Um Quarto de Mil', com textos ficcionais breves de exatas 250 palavras, que terá sessão de autógrafos na Feira do Livro de Porto Alegre, em novembro. A ideia para escrever a obra teve influência de João Gilberto Noll, que lançou em 2003 o livro 'Mínimos Múltiplos Comuns', composto de pequenos textos de cerca de 130 palavras. "Achei tão interessante, que quando eu comecei a escrever os contos, lembrei do livro do Noll. A partir do meu primeiro texto, que tinha 250 palavras, passei a escrever os outros contos com o mesmo número. E como 250 é um quarto de mil, ficou sendo este o nome da obra".

No blog criado para a publicação, Karnas faz um convite ao leitor: "Leia o que escrevo e saiba das minhas fantasias, dos meus delírios, das imagens que proponho e daquilo que produzo. Você poderá gostar ou não, mas em algum momento você vai parar e pensar. É o que basta".
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