Carlos Kober: Mágico de emoções

Formado em Jornalismo e Publicidade, o que importa para ele é transformar a vida em histórias

Carlos Kober, jornalista, publicitário e diretor artístico de programas de TV e eventos

Desde 1992 fora de Porto Alegre, é do seu apartamento, no Rio de Janeiro, que Carlos Vargas Kober concede a entrevista. É na sacada deste lar, um apartamento na Barra da Tijuca, com uma bela vista para o mar, que gosta de passar algum tempo, tendo como companhia um teclado e muitos, mas muitos objetos que marcam os feitos profissionais. As recordações estão espalhadas por diversas prateleiras que abrigam livros, fotos, souvenires, fitas-cassetes, cuia de chimarrão, troféus, entre outros símbolos. Todos com inúmeras histórias dos quase 40 anos de carreira.

Com muitas atividades simultâneas e, em função da pandemia, tentando fazer tudo ao mesmo tempo, ele achou um tempo precioso para conversar, adaptando a agenda no que chama de "novo anormal". Para o bate-papo descontraído e regado a risadas, Kober se conectou na videochamada fazendo uma "tramoia" entre áudio e vídeo. É que o equipamento novo ainda não estava totalmente configurado e ele precisou enjambrar uma forma. "Já entrei no ar assim e ninguém percebeu, mas depois o pessoal da técnica disse que eu era completamente louco", conta, aos risos.

A cena diz muito sobre o jornalista e publicitário, formados em ambos os cursos pela Famecos, em 1983 e 1985, respectivamente. Um cara que não se aperta diante das dificuldades, que se vira, que faz de um tudo para que saia perfeito aquilo com o que se comprometeu a fazer. A propósito, Kober podia ter sido médico, caso tivesse cedido aos apelos da família - chegou a estudar dois anos para tal. Também não surpreenderia se fosse músico, se tivesse seguido seu ouvido absoluto e o dom nato para tocar piano, como autodidata. 

Foi escrevendo alguns artigos para a extinta 'Folha da Manhã' que percebeu que gostava de atividades ligadas à Arte. Ao prestar vestibular para Jornalismo, tirou primeiro lugar, chegando a tocar as duas graduações, na saúde e na comunicação, simultaneamente, até que decidiu pela segunda. Ainda bem.

Professor-aluno

Nessas mais de três décadas de profissão, além de ter no currículo passagem por muitos veículos, diversos projetos, eventos marcantes, mestrado em Comunicação Interativa, estar na PUC gaúcha foi só o começo da vida acadêmica. Isso porque, no semestre seguinte ao da primeira formatura, Kober foi convidado para ser professor. A curiosidade aqui é que, como nessa época já cursava também Publicidade, havia pessoas que eram colegas seus em algumas disciplinas, mas alunos em outras. Na Famecos, foram 12 longos anos de docência e muito do que se orgulhar.

 

Homenageado com a Medalha Alberto André, da Associação Riograndense de Imprensa (ARI), em 2020, faz questão de elencar um dos seus grandes orgulhos: ser um dos criadores do SET Universitário. "Ficava incomodado por não ter onde apresentar meus trabalhos acadêmicos. Levamos o projeto ao Antoninho Gonzalez, então diretor da faculdade, e ele nos deu carta branca. Era um evento feito por estudantes, para estudantes", recorda. Também foi na Famecos onde teve a primeira oportunidade profissional, nos estúdios da recém-criada Videopuc, segundo ele, o embrião do ensino a distância.

Ainda em solo gaúcho, Kober lecionou também na Fabico, da Ufrgs. E por onde passou Brasil afora, a sala de aula foi um habitat natural. Em São Paulo, era professor na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) e na Universidade Metodista; em Brasília, na Universidade de Brasília (UnB); e, no Rio de Janeiro, no Centro Universitário Carioca (UniCarioca), onde chegou a coordenar os cursos de Jornalismo e Publicidade. Atualmente, em parceria com Flávio Fachel, tem um curso sobre novas tecnologias, atua em universidades como consultor de projetos e também ministra oficinas corporativas.

Jaqueline, um caso de amor

Foi o professor Juan Carlos Sossa, "que era um maluco", o responsável por apresentar a Videopuc e a forma de fazer isso foi inusitada: "No terceiro dia de aula, ele me deu o molho de chaves dos estúdios. A partir desse dia, não existia fim do expediente pra mim. Chegava sexta-feira, após as aulas, quando todos iam pra balada, eu voltava aos estúdios e virava as noites estudando os manuais dos equipamentos e toda a parte de engenharia", detalha. Foi nesse local que Kober iniciou seu relacionamento sério com o entretenimento, pois produzia musicais, programas especiais e educativos.

Pautas externas eram sempre um desafio, e Kober chegava a carregar todo equipamento dentro do próprio carro. Entre o aparato, a 'Jaqueline', uma câmera, ou melhor, uma companheira de tantas missões, para as quais o jornalista levava às escondidas de Antoninho, pois "se ele descobrisse, me matava". Entre as estripulias, a equipe da Videopuc foi a primeira a atravessar o Cânion do Itaimbezinho a pé. "Foram 144km carregando equipamentos pesados, nós e a Jaqueline", frisa. Quando voltaram da expedição, o técnico do estúdio ficou furioso quando viu que 'a Jaqueline' tinha barro até no circuito impresso da câmera (suporte para a interligação de diferentes peças e componentes eletrônicos) e a lente estava trincada em três lugares. Se valeu a pena? "Ganhamos três prêmios com esse documentário."

As experiências na produtora acadêmica foram lhe dando cancha, conforme suas palavras, e para ingressar da RBS TV, foi um passo. Na emissora profissional, trabalhou em projetos como Garota Verão, Galpão Crioulo e RBS Revista. Com tanta bagagem, quase não dá pra acreditar que chegou a ser demitido, mas voltou três meses depois, dessa vez, para fazer o Jornal do Almoço. A responsabilidade de Kober era "cuidar daqueles malucos", apelido carinhoso para nomes como Paulo Sant'Anna e Lauro Quadros.

Dessa época, lembra que almoçava em três ou quatro minutos, que era o tempo do comentário de Sant'Anna. O comunicador entrava no ar e Kober voava para engolir a comida, ainda de pé, e voltava. "A felicidade dele (Sant'Anna) era quando eu encontrava alguém pela escada, demorava um pouco mais pra voltar ao estúdio e ele podia estender sua participação", recorda, aos risos, e completa: "Eram tempos heroicos".

Um piano qualquer

"Música sempre gritou na minha cabeça." Essa pode ser a afirmação que melhor define a paixão de Kober. Para quem tocou piano pela primeira vez aos sete anos, sem nunca ter tido uma aula, é fácil imaginar que notas, letras e melodias ganham seu coração. Nessa idade, o filho dos engenheiros agrônomos Emir Alberto Mineiro Kober e Eunice Paz de Vargas Kober foi acompanhar o pai, que tinha uma dedetizadora em Porto Alegre, em um trabalho. Era uma loja de instrumentos musicais. Ficou no térreo, aguardando o final do serviço, olhou em volta e só tinham pianos.

Sentou em um deles e, naturalmente, tocou as músicas Pinheirinho de Natal e Parabéns pra Você. Quando olhou para trás, estavam seu Emir, o casal dono da loja e mais algumas pessoas admirando o menino, boquiabertos. Em troca da limpeza de mais alguns pianos, seu pai conseguiu lhe presentear com um piano algum tempo depois. "Após tudo isso, cheguei a fazer algumas aulas, mas bastava que tocassem algo uma única vez para que eu aprendesse", revela, envaidecido. A paixão é tanta que a lembrança mais latente da infância está ligada a isto: enquanto ele arrasava no piano, em casa, seu Emir o acompanhava com uma gaita de boca.

Não admira que a carreira também tenha lhe proporcionado momentos tão inesquecíveis, dirigindo artistas como Nei Lisboa, Bebeto Alves, Engenheiros do Havaí, Tim Maia, além de festivais diversos - Sul em Canto; Viola, minha Viola; Heinneken in Concert; Bem Brasil; Free Jazz; e os mais recentes Criança Esperança, Fama e The Voice. Vale destacar que Kober é capaz de circular pelos mais diferentes gêneros musicais, podendo dirigir o Rock in Rio, seguido de uma Missa, de um espetáculo de  Fernando Bujones (um dos grandes nomes do ballet clássico) e de um festival de música afro. "Precisamos nos adaptar ao que o produto exige", resume.

Para alguém tão envolvido com a Arte, que chegou a fazer 15 musicais por semana, o que faz bem ao ouvido? Absolutamente tudo: do MPB ao Jazz, do Rock à Bossa Nova, do Samba ao Forró. Eclético, admite apenas que tem um certo ranço do funk que abusa de palavrões, pois acha que isso deseduca quem ouve, passa da irreverência e vira agressão.

Deixando o Pampa

O currículo profissional é extenso e nem o LinkedIn é capaz de agregar tanta experiência num lugar só. Ao longo da carreira, participou da direção de programas como Domingão do Faustão, VideoShow, Fantástico, Castelo Rá-Tim-Bum, X-Tudo, entre muitos, muitos outros. E é claro que os mais de 20 anos de Rede Globo são vistos com muito respeito e honra, mas confessa que a TV Cultura tem um lugar especial no coração: "Foi uma era de ouro que tivemos". A propósito, sua chegada na emissora paulista foi curiosa, pois foi para a terra da garoa apenas para cobrir férias de um colega, e nunca mais voltou. 

Em duas semanas era diretor artístico de todo o veículo. E o engraçado é que, em São Paulo, ele estava sem dinheiro, tinha três cuecas e um carro, onde dormia, parado em dois postos de gasolina. "Virando diretor artístico, claro, tudo melhorou rapidamente. São aquelas coisas que acontecem na hora certa", reflete, completando que a cobertura das tais férias durou, na verdade, mais de 10 anos na TV Cultura.

Não se demora a perceber o quanto Kober é apaixonado pelo que faz. Dizendo-se um telespectador compulsivo, justifica a intensidade e a necessidade de dormir apenas quatro horas por noite, contando que se dedica 90% ao trabalho por puro prazer. Sabe, porém, que, atualmente, consegue controlar mais horários, se permitir folgas e curtir momentos de ócio. Quando diz isso, rapidamente completa: "Claro que, em qualquer emergência, é fácil de me achar, mas cuido mais de mim agora".

Aliás, cuidar de si o faz revelar que passou por uma cirurgia bariátrica, chegando a perder 80 quilos, mas opina que este é um procedimento que precisa ser feito com a cabeça preparada, o que não foi seu caso. "A obesidade precisa ser tratada como algo multifatorial. Não foi por acaso que recuperei 40 quilos e levei ao extremo a incompetência digestiva. Agora, estou novamente tentando corrigir isso." Apesar de gostar de comer muito, não cozinha nada, pois diz não ter a mínima paciência, nem para fazer chimarrão, por exemplo. O prato preferido é o mais trivial possível, como ele diz: arroz, feijão e um bife.

Trabalha na TV e com grandes eventos, mas também adora sentar na frente da tela. Prefere fugir das atrações consideradas modismo, gosta de seriados brasileiros, muitos de diretores gaúchos, inclusive. Diz que precisa assistir de tudo, até para entender os elementos de linguagem. Kober, aliás, recebe muito material antes das estreias, para dar opinião. Assim como na música, o gosto é eclético, ainda que prefira séries e programas ligados aos bastidores da Cultura. 

Vidas em histórias

Admitindo que trabalho e vida pessoal se confundem o tempo todo, o jornalista conta que casou e descasou algumas vezes e não teve herdeiros, afinal, seus filhos são os programas, como ele brinca. O irmão do dentista Sérgio e da bióloga Márcia tem três sobrinhos e visita pouco a família em Porto Alegre, isso porque "é muito mais legal eles virem pro Rio de Janeiro". Morando sozinho, os companheiros diários são os livros. Livros são companheiros permanentes. Títulos ligados à Comunicação e tudo que dê um ar fresco. "Atualmente, estou fazendo o tema de casa atrasado, terminando o Livro do Boni. Gosto de leituras que me coloquem pra cima. Não gosto de nada depressivo."

E, se tem algo de que a vida dele é feita, é de emoções. Kober avalia que, se tivesse seguido na Publicidade, podia estar rico, morando em uma mansão, mas não gosta do que chama de 'amor aos pedaços', referindo-se aos spots e comerciais de TV que duram um padrão de 30 segundos ou um minuto. "Gosto de me expressar. Imagina, fazia programas de duas horas, o Faustão chegou a ter oito!", afirma, justificando-se. Nas palavras dele mesmo, Carlos Kober é um soldado da Comunicação, que lida com sentimentos à flor da pele, que transforma vidas em histórias, um verdadeiro mágico das emoções.

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