Cláudio Brito: O dinossauro simpático

Com 50 anos de jornalismo e uma vida ligada ao Carnaval, a história do jornalista é formada por fragmentos interligados um a um

Por Karine Viana - 21/03/2014
A precisão com que lembra nomes, datas e histórias, muitas histórias, impressiona. Durante um relato e outro, as vinhetas e músicas que de alguma forma embalaram sua trajetória não são contadas, mas cantadas. Ajudam a compor um discurso repleto de gratidão àqueles que foram fundamentais na sua vida pessoal e profissional. É assim o jornalista Cláudio José Silveira Brito, profissional que transita por diferentes áreas, todas ligadas entre si e nenhuma por acaso, e que abomina quando o sobrenome é grafado com um ?T? a mais.
Participar de diferentes editorias dentro do jornalismo não é incomum, tampouco em plataformas distintas. E com Cláudio Brito não poderia acontecer de outra maneira. No entanto, reunir Jornalismo, Direito e Carnaval, quase como um trio indissociável, parece difícil - mas não para Brito, que, intimamente ligado a essas três áreas, tem conseguido interligá-las com maestria.
O mesmo profissional que um dia chegou a coordenar as chacretes, também foi repórter esportivo, redigiu matérias populares, foi mestre de cerimônias, atuou como promotor de Justiça e tem sua trajetória com coberturas de Carnaval reconhecida dentro e fora do Estado.
Uma vida com o Carnaval
A aproximação com o Carnaval não foi ao acaso e vem de berço. Fruto do segundo casamento de seu pai, o comissário de polícia e advogado José Correa Brito, com a economiária Clara Silveira Brito, Cláudio nasceu em um pequeno casebre da Rua Jacinto Gomes. Veio à luz na manhã do Natal de 1948, trazido por uma parteira de origem portuguesa. Enquanto o pai aguardava o desenlace do primeiro matrimônio, Clara e o filho foram acolhidos por uma família de negros, Mada e Olinda, padrinhos de batismo de Cláudio Brito.
Nos fundos da casa onde nasceu, localizada numa colônia africana, ensaiava um bloco carnavalesco cujo nome, segundo Brito, explica tudo: "O X do Problema". Foi numa quadra de samba, localizada próxima onde está o Hospital de Pronto Socorro hoje, que o jornalista ouviu as primeiras batucadas daqueles tantãs. Logo depois foi viver na Rua Areal da Baronesa, onde havia dois coretos.
Embora confesse ter sido uma criança ?almofadinha?, como denomina, com os cabelos devidamente penteados e os joelhos lisos, típicos de meninos que não se aventuram em brincadeiras de rua, e mantivesse os sapatos sempre bem engraxados, Brito, menino branco, nasceu sob os intensos preparativos para o carnaval de 1949. Desde então, não só tem marcado seu nome na principal festa popular brasileira, como contribuído na melhoria deste evento na Capital. Foi diretor de Carnaval da Imperadores do Samba e chegou a coordenador dos desfiles de Porto Alegre.
A descoberta do jornalismo
A aproximação de Brito com o Carnaval foi precoce, assim como foi também seu ingresso no jornalismo, ainda em 1963, com menos de 15 anos. E foi no Colégio Nossa Senhora das Dores, na Capital, que deu seus primeiros passos. Redigia notícias sobre o esporte para o "A? Tocha", jornal da associação estudantil, e fazia locução na Rádio Dorense, além de divulgar as dedicatórias durante as quermesses, prática que lembra tão bem que chega a imitar, num tom visivelmente nostálgico.
"Em 2 de junho vou completar 50 anos de jornalismo profissional. E começou bem aqui, onde nós estamos", enfatiza. Foi na Rádio e TV Gaúcha que, ainda menino, teve as primeiras oportunidades profissionais na área jornalística, incentivado por Ary Santos, chefe da equipe de esportes à época e um dos profissionais a quem Brito demonstra gratidão, tamanha a confiança depositada naquele então guri.
Responsável pela radioescuta dos jogos, era Brito quem repassava aos apresentadores todas as informações do esporte. Todas as informações na ponta da língua o levaram à linha de frente durante uma instabilidade técnica na transmissão dos páreos do Hipódromo do Cristal. "O Ary ligou pra mim e pediu para descer no estúdio. Abriram a câmera e eu improvisei: 'Boa tarde, estamos com dificuldades técnicas, vamos continuar com assuntos do futebol'", lembra.
Na primeira aparição frente às câmeras, utilizava o blazer do chefe, que parece ser duas vezes maior que o garoto. Da época, também a primeira gafe. Ao citar os patrocinadores, inverte os slogans: "Oferecimento de Cinzano, o pneu que roda mais, e Goodyear, o melhor vermute do mundo". O improviso deu certo e Brito passou dos bastidores da radioescuta ao comando da atração direto dos estúdios.
Os símbolos e a disciplina
Ainda muito jovem, antes mesmo de concluir o colegial e completar 20 anos, Cláudio Brito encarou seus primeiros desafios e mudanças. Em contrapartida, a disciplina sempre fez parte da sua trajetória, o que não torna aleatórias suas diferentes experiências profissionais e pessoais. Embora admita que nunca foi de muitos amigos durante a infância, foi escoteiro, o que contribui para a afirmação de que sempre pensou no coletivo.
Hoje mestre maçom, o jornalista foi integrante de banda marcial e da Congregação Menino Jesus, quase foi padre e batia papo em latim, além de pensar na hipótese de ingressar na Marinha. Sempre se atraiu por símbolos, signos e significados. E foi daí que diz ter perdido o entusiasmo, quando determinadas simbologias da igreja foram caindo. "Minha questão é ritual, roupa, significados, fardamentos, signos. Tanto que por isso sou mestre maçon", diz ele, que sempre buscou atuar com disciplina e postura.
Das mudanças
O primeiro amor também parece não ter surgido ao acaso. Aos 18 anos apaixonou-se por uma colega de trabalho, 11 anos mais velha. Jovem e apaixonado, foi para São Paulo com a namorada, e lá conviveu com dois empregos diferentes e novas experiências profissionais. Uma delas, a qual considera sua pós-graduação, no jornal Notícias Populares, nunca época em que teve contato com Rui Falcão, José Dirceu e Frei Betto. Era meados dos anos 1960, um período agitado na história do País.
Então, se a pós foi no Notícias Populares, com mulheres, esporte e muito sangue, o mestrado foi realizado como produtor do mais famoso programa da televisão nacional na época, onde trabalhou por um ano e meio. Em meio a fotografias em preto e branco, mostradas hoje na tela do celular, Cláudio Brito se emociona de um período profissional em que diz ter sido acolhido como um filho por um dos mais célebres animadores brasileiros, José Abelardo Barbosa de Medeiros, o Chacrinha.
Era responsável por coordenar a atuação das Chacretes, junto com a tarefa de levar ao palco da atração o craque da rodada. Certa vez, uma das pautas também atribuídas ao produtor era levar ao programa um maluco que se dizia imperador do Brasil, tataraneto de Dom Pedro. Acontece que, por algum motivo, Brito não conseguiu cumprir o que lhe fora solicitado. E como sugerem as palavras grifadas anteriormente, algo havia dado errado. Tão logo tentou proferir o "acontece que?", Brito foi interrompido pelo apresentador: "Pode parar! Isso indica que vai dar alguma curva dizendo que não fez!". Chacrinha, categórico, sabia o que fazia e o que o rodeava?
Brito levou o episódio como uma boa lição de vida. Outra veio da parte de um dos grandes nomes da televisão brasileira, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni. Numa tarde de trabalho, o então diretor teria dito: "Vocês acham que eu ganho bem? Sim, ganho muito bem. E sabem para quê? Para cobrar!". Em seguida, teria repetido que televisão é checagem. Checar, desde então, é um dos verbos infalíveis no vocabulário de Brito.
Novos rumos na Capital
De volta a Porto Alegre no início dos anos 70 e sem ter encerrado o curso médio, foi para o Colégio Rui Barbosa, onde concluiria o ensino médio. Lá, houve uma cerimônia alusiva à Batalha do Riachuelo em que foi orador. No Correio do Povo, um texto noticiava que fizera o discurso. Na redação da TV Gaúcha, o chefe de jornalismo Carlos Bastos tomou conhecimento disso e foi até a escola de Brito. "Nunca esqueço. Estou na sala, olho para a porta e vejo ele. Foi falar comigo no colégio!", lembra. Levado pela mão por Bastos, voltava a ser repórter, quando presenciou a criação de dois programas marcantes: o Sala de Redação, do qual lembra a estreia com Cândido Norberto, que considera um gênio por ele, e o Jornal do Almoço.
Já com o registro de jornalista profissional em mãos, adquirido em 1969, decidiu que não precisaria se graduar em Jornalismo. Optou por ingressar na faculdade de Direito da Ufrgs. Levou oito anos para concluir a graduação, enquanto fazia rádio, TV e se mantinha ativamente em contato com o Carnaval. Em mau momento pessoal, admite, apresentava o Jornal do Almoço quando simplesmente levantou, enrolou o script, deixou o cenário do telejornal e foi embora.
Enquanto se preparava para ingressar na carreira jurídica, trabalhava na comunicação do DEP e do Dmae e foi atuar como mestre de cerimônias. Em uma dessas andanças, conheceu e apaixonou-se por Loiva, que viria a ser sua segunda esposa. Por coincidência ou não, também de uma família ligada ao Carnaval. Foi nessa fase que se dedicou aos estudos para o concurso do Ministério Público: após trabalhar com dois advogados e ser aprovado no concurso, passou a atuar como Promotor de Justiça. Nesta época nasceu Vinícius Brito, filho da união com Loiva. Vinícius, hoje jornalista, tem duas irmãs, frutos do primeiro casamento - Cláudia, que precisa de cuidados especiais, e Fernanda, advogada.
A junção de tudo isso
Brito aposentou-se da carreira jurídica no final dos anos 90, quando então voltou a atuar na RBS com a diversidade que o caracteriza. Faz comentários jurídicos, participa do Bom Dia, da Tvcom, comenta na Rádio Gaúcha, onde apresenta o Carnaval e substitui apresentadores eventualmente. São tantas as atividades que, às vezes, parece estar em todos os veículos do grupo de comunicação ao mesmo tempo.
Diante das histórias e relatos, fica fácil perceber que lazer e trabalho se confundem na vida do jornalista Cláudio Brito. Aquele que, apesar de se autodefinir como "sanguíneo", acredita que os colegas o veem como um "dinossauro simpático", um jurássico que logo completará cinco décadas de profissão.
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