Eliane Brum: Um olhar diferente

Ela ganhou mais de 30 prêmios de jornalismo no Brasil e exterior. Nascida em Ijuí, trabalhou 11 anos na Zero Hora e hoje é repórter especial da revista Época

Eliane Brum - Reprodução

Eliane Brum sempre olhou para a vida e para as pessoas de uma maneira diferente. Nascida em Ijuí há 40 anos, lembra que ainda na infância olhava para as luzes acesas dentro das casas dos moradores da cidade e imaginava como cada um vivia, o que os fazia rir ou chorar. "Eu era uma criança exacerbadamente sensível. Desde pequena, sentia as dores do mundo", conta. Filha de professores - a mãe, Vanyr, lecionava Português e Literatura, o pai, Argemiro, ensinava Português, escritor de livros sobre história econômica e fundador da Universidade de Ijuí -, Eliane tem dois irmãos mais velhos: Argemiro Luís e José Antônio. Diz ter descoberto o mundo através das letras. "No momento em que aprendi a ler me transformei. A primeira coisa que li foi Glória Glória Aleluia, num folheto da Igreja, no meio da missa. Gritei: mãe, eu li!", diverte-se a jornalista de voz suave e jeito doce.

O gosto pela leitura foi seguido pela paixão por escrever. Escrevia suas dores e suas alegrias em guardanapos ou pedaços de papel, aos oito anos de idade. O material era deixado solto, depois do desabafo. "Meu pai recolhia tudo e guardava. Quando eu tinha 11 anos, publiquei meu primeiro livro: Gotas da infância. Coisas de pai", explica. "Mas já eram poesias do mundo", completa.

Embora já brincasse muito bem com as palavras, o sonho da jovem escritora não era o Jornalismo mas, sim, a Astronomia. "Queria viajar até as estrelas", justifica. Sonho que acabou quando o irmão Zé explicou que um astrônomo tem que dominar a Matemática. "Ele me disse que se eu fosse astrônoma não ia viajar pelas estrelas, ia ficar sentada fazendo cálculos. Com isso, meu sonho acabou." Eliane nunca viajou pelas estrelas, mas teve oportunidade de fazer viagens muito especiais pela vida que ninguém vê. 

Descobrindo a reportagem  

O primeiro vestibular de Eliane foi para o curso de Biologia na Unicamp (Universidade de Campinas). Em Porto Alegre, ingressou no Jornalismo pela PUC aos 16 anos, mas paralelamente cursava História na Ufrgs, que nunca concluiu. "Até o fim do curso de Jornalismo, achava que não servia para ser jornalista porque sou muito tímida." A paixão pela reportagem foi despertada pelo professor Marques Leonam, de quem fala com carinho. "Ele conseguiu me passar uma visão de jornalismo e me mostrar o que era a reportagem", explica.

O tema da primeira matéria de Eliane surpreendeu e encantou: era sobre as filas que as pessoas enfrentam desde o nascimento até a morte. "O Leonam adorou e minha auto-estima aumentou, fiquei achando que sabia escrever." A matéria foi inscrita por uma amiga no Set Universitário de 1988, ano da formatura de Eliane. O prêmio era um estágio na Zero Hora. Ela venceu, fez o estágio e na Zero Hora ficou por 11 anos. No jornal, fez um dos trabalhos que considera como dos mais especiais que já realizou: "A vida que ninguém vê" ? uma coluna que era publicada nas edições de sábado no final dos 90 contando histórias da vida real. "Sempre gostei das histórias pequenas e comuns. Na coluna, eu tinha liberdade para escrever do meu jeito. Eu também fui transformada por esse trabalho e aprendi muito com todas as pessoas e suas histórias."

Há seis anos, a jornalista recebeu o convite para ser repórter especial da revista Época, em São Paulo. Aceitou o desafio e lá está até hoje. "São Paulo é uma cidade muito rápida, muitas coisas legais acontecem por lá e você conhece muitas pessoas que estão fazendo coisas bacanas", conta ela, que na capital paulista conheceu o marido, o roteirista João Guimarães, com quem está casada há três anos.

Em ritmo frenético

Assim como a cidade de São Paulo, Eliane não pára. Quando não está na redação da Época, está pensando ou colocando em prática um novo projeto. Em 2005, lançou o curta "Uma história Severina". O documentário já recebeu seis prêmios. "Conta a história de uma mulher grávida de um feto sem cérebro. Ela ganhou e, em seguida, perdeu o direito de interromper a gestação. O documentário conta a peregrinação dela pelos hospitais, o nascimento do bebê morto e o enterro da criança. A dor da Severina por tudo o que viveu", relata ela já pensando em outro tema para uma nova produção. Adora cinema e, entre os preferidos, estão Blade Runner, Matrix, Alien, As Pontes de Madison, Ben-Hur, O Crepúsculo dos Deuses, As Virgens Suicidas e Cortina de Fumaça.

No momento está se dedicando ao lançamento do livro A vida que ninguém vê, uma coletânea do que escreveu para Zero Hora, em 1999. "Quero lançar bem este livro e espero que as pessoas leiam."  Enquanto isso, já tem um material aguardando para se transformar em mais uma história através do olhar da talentosa jornalista. Em janeiro, ela caminhou 20 dias no deserto do Saara para fazer o diário de viagem da aventureira Toco Lenzi. "Ele vai percorrer da Mauritânia à Tunísia numa viagem que vai durar seis anos. Eu acompanhei apenas um trecho, mas ainda é um livro que tenho que escrever", planeja ela, que um dia pretende escrever livros de ficção e dedicar-se exclusivamente a projetos que possa fazer com mais autonomia, em casa.

Costuma ler cerca de dois livros por semana. Balzac, Zolah, Dostoievski, Kafka, García Márquez,  Raymond Chandler, Edgar Alan Poe, Lovecraft,  Philip Roth, Ian McEwan, Coetzee e Kazuo Ishiguro estão entre seus escritores preferidos. Aventureira, gosta de viajar por terra, no improviso, com destinos nada planejados, acompanhada ou sozinha. "Gosto de viajar. Já fui para o Marrocos sozinha e acho que quando se está só a viagem é diferente", aconselha.  Os destinos são variados. Sonha  em conhecer a Índia e não esconde a preferência por um pedaço de terra especial: a Amazônia. "Sou antagônica, mas lá acreditei em Deus. Não dá pra explicar. Passei dias dormindo em redes amarradas em árvores na selva, comi tartaruga e tomei banho em rio cheio de jacarés. É um horizonte maravilhoso, um privilégio", conta. 

Famosa por ser comilona, adora feijão e não faz cara feia para nada. "Como de tudo. Já comi até larva em uma viagem a trabalho no território Yanomami. Encontramos uma aldeia que estava migrando e eles estavam comendo larva assada. Não tem mistério, tem gosto de castanha-do-pará", garante ela. 

Vontade de mudar o mundoObstinação, disciplina e honestidade são qualidades que destaca em sua personalidade. "Também não desisto nunca", afirma. Os defeitos: "Sou rancorosa, levo tudo muito a sério e sou muito tensa". Para aliviar toda a tensão pratica Kung-Fu.

Fazer o que lhe dá prazer e fazer o que acredita. Isso é o sucesso para a jornalista que quer mudar o mundo com seus textos. "As histórias que conto, conto porque valem a pena. Tenho vontade de mudar pelo menos um pouquinho do que está errado." Histórias que ensinaram Eliane a entender que cada um é especial e único. "Acho que as pessoas devem olhar para si mesmo com mais generosidade. A vida nos aniquila todos os dias, ela vai dizendo que somos comuns, que cada dia é um dia depois do outro e a gente vai se deixando abater por esse cotidiano, por essa mesmice e não é isso se nos percebermos como únicos no mundo. Cada um é um verdadeiro milagre." E na vida de Eliane, o grande milagre é a filha Maíra, psicóloga, 24 anos. "Ela é a coisa mais linda que já vi", avalia a mãe coruja.

Sobre o ângulo que escolhe para contar a história da vidas que vê, garante que a diferença está no jeito de olhar e não no tema de cada reportagem. "A vida está aí, não importa se o assunto é grande ou pequeno, se é do dia-a-dia ou um fato extraordinário, tudo está na forma como se enxerga." Uma maneira de olhar e de escrever e uma sensibilidade que lhe renderam mais de 30 prêmios ao longo da carreira. Nada mal para quem achava que não tinha talento para o jornalismo.

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