Eugenio Bortolon: O diplomata do mundo

Discreto e guiado pela excelência, Eugenio Bortolon é um eterno apaixonado pelo jornalismo impresso 

Eugenio Bortolon | Crédito: Gabriele Lorscheiter
O guri de Vacaria nunca imaginaria que sua vida seria transformada pelo jornalismo. A escolha pela profissão veio após seu pai, comerciante de prestígio do município, oferecer a casa para hospedar o repórter Carlos Alberto Kolecza, do Jornal do Brasil, que estava na cidade para cobrir um evento rural. Devido à importância da promoção para a comunidade local e o Estado, o presidente Castello Branco estaria presente. As conversas com o jornalista despertaram o interesse do atual chefe de Redação do Correio do Povo, tanto que, ao chegar a Porto Alegre para finalizar o segundo grau no Colégio Júlio de Castilhos, logo iniciou sua trajetória profissional.
A primeira oportunidade veio através daquele que o encantou. Kolecza era diretor da Agência Brasileira de Comunicação e, encantado com a motivação do jovem, lhe deu a oportunidade de começar a escrever sua história no mundo da comunicação. O ingresso na Faculdade de Comunicação da Ufrgs, em 1971, lhe abriu a cabeça para algo que seria a sua segunda maior paixão: conhecer o mundo. Antes mesmo de entrar para o segundo ano do curso de Jornalismo, Eugenio embarcou para a sua primeira aventura em solo europeu. Holanda foi o destino escolhido por sorteio - e nascia assim a paixão por viajar.
O idioma dificultou a comunicação, mas não a vontade de aprender que Eugenio sempre cultivou. Oito anos de estudo do francês o ajudavam a conversar com a família que o acolheu na cidade de Winterswijk. "Tive muita sorte de conhecer essa família e mantenho contato com eles até hoje. Meus pais holandeses já são falecidos, mas sou muito amigo dos seus filhos", conta. Além do jornalismo, Eugenio se dedicou aos estudos da língua inglesa durante os dois anos de intercâmbio.
A primeira experiência com o mundo das letras chegou de forma inusitada. Atuar como jornalista em solo estrangeiro nunca foi fácil; assim, em vez de produzir reportagens, Eugenio foi mesmo é entregar jornal aos assinantes. Assim, foi atuando como jornaleiro que passou a dar seus primeiros pitacos aos profissionais que atuavam na pequena redação do jornal que entregava. "Às cinco da manhã estava nas ruas e entregava de 150 a 200 exemplares por dia. Passei a observar os jornalistas e sempre que podia dava alguma opinião", lembra.
Em terras tupiniquins
Ainda estudava na Ufrgs quando passou a integrar a equipe do arquivo do jornal Zero Hora. Em seguida entrou para a Rádio Gaúcha, onde conheceu Luiz Figueiredo, profissional que recorda com carinho e admiração. "Foi um grande mestre e companheiro. Fazia parte da redação em uma época que, às vezes, nem sabíamos o que estávamos fazendo, já que a informação chegava até nós das formas mais inusitadas. O Luiz me ensinou muito durante este período", revela.
No meio da década de 1970, a convite do colega Antonio Britto, que mais tarde viria a ser governador do Estado, passou a atuar na editoria de esportes do jornal Folha da Manhã. A ocasião lhe rendeu a oportunidade de cobrir duas Copas do Mundo, a da Argentina, em 1978, e a da Espanha, em 1982. Entre os grandes nomes da bola, entrevistou Pelé, o português Eusébio e o argentino Diego Maradona. Mas veio a crise do dólar, em 1982, que afetou diversas empresas - entre elas a até então poderosa Companhia Jornalística Caldas Júnior, que foi obrigada a encerrar as atividades inclusive de seu principal produto, o Correio do Povo. Com o fechamento da Folha da Manhã, Eugenio retornou para a Zero Hora. "Literalmente me convidei. Tinha muitos amigos lá, como Carlos Fehlberg e Lauro Schirmer, que apoiaram a minha volta", revela. Trabalhou por 10 anos até ser demitido. Com isso, e como forma de adquirir experiência e valorização profissional, mantinha sempre trabalhos como freelancer e por um tempo trabalhou como repórter para revistas das editoras Abril e Bloch.
Mais tarde, quando o Correio do Povo voltou a circular, com novos proprietários, Eugenio retornou ao diário e fincou raízes, já que está lá há 20 anos. Há oito atua como editor-chefe, é responsável pela edição da capa e assina a editoria de Economia. Além disso, escreve para os sites da Associação Gaúcha dos Auditores Fiscais da Receita Federal e do Plaza Hotéis.
Lugares e reportagens
Após passar pela editoria de Esportes, as viagens se tornaram constantes na rotina de Eugenio, que, a convite ou a passeio, passou a exercer o jornalismo também no exterior. "Sempre fui um cara discreto, que preza pela excelência, parto desse princípio para efetuar qualquer trabalho. Penso que nem sempre isso é possível, porém pensar pela excelência é obrigação", defende.
Tal característica lhe rendeu a experiência de cobrir eventos internacionais. Devido à sua estreita relação com o setor cultural da embaixada da Holanda, foi convidado para realizar matérias sobre os 100 anos da morte de Van Gogh, trabalho que, posteriormente, lhe renderia a condecoração dada pela rainha Beatrix Juliana. E a entrevista que considera uma das mais importantes de sua vida: com Miep Gies, austríaca que ajudou a família de Anne Frank durante a Segunda Guerra Mundial. "Recebi uma carta de agradecimento, na qual ela dizia que mesmo sem entender uma palavra em português sabia que a matéria estava ótima", lembra. Por estar envolvido com assuntos econômicos, também acompanhou as mudanças que o euro provocou na Europa.
Depois de tantos anos de dedicação à profissão, o jornalista procurou desacelerar o ritmo de trabalho, porém a gana de viajar e conhecer o mundo não diminuiu. Anualmente são duas viagens, uma na América e outra para a Europa. "Desde pequeno tive a curiosidade e ficava imaginando como eram alguns países e cidades e posso dizer que o jornalismo me proporcionou conhecer diversos lugares que citei em minhas reportagens. Toda viagem me encanta e não costumo me arrepender se deixei de ver algo, pois sei que posso voltar e ver tudo de novo", avalia.
Apesar de ter tido a chance de escrever, de forma esporádica, para a editoria de Turismo, Eugenio nunca demonstrou interesse em tornar essa uma atividade fixa. "Como sabiam do meu interesse por viajar às vezes me solicitavam um texto, mas sempre achei que a seção de Turismo possui interesses comerciais que pautam as matérias, fato que inibe a produção de reportagens", esclarece. Com mais de 50 países carimbados em seu passaporte, o jornalista não tem vontade de escrever um livro ou produzir um blog, pois acredita que as viagens são momentos únicos e precisam ser vivenciados com intensidade.
A fidelidade ao impresso
A tecnologia proporcionou agilidade para transmitir informações e produzir matérias, porém, também reforça a discussão sobre o fim do jornalismo impresso. Para o jornalista, é fato que a categoria precisa evoluir para continuar viva, mas as transformações provocadas pelos meios digitais também trouxeram pontos negativos na relação entre leitores e redação. "Me sinto privilegiado por ter passado por todas as fases da imprensa, desde o linotipo [máquina que funde em bloco cada linha de caracteres tipográficos, composta de um teclado, como o da máquina de escrever] até hoje. Infelizmente, percebo que há um desinteresse das novas gerações pelo jornalismo impresso e ainda estamos em uma época em que todos acreditam ser jornalistas, o que deixa o nosso trabalho cada vez mais desafiador. Mesmo assim continuo com o mesmo tesão pela profissão e trabalhar em redação, além de saudável, é o que me satisfaz."
A competência e a intensa vontade de trabalhar lhe renderam um apelido escolhido durante seu último aniversário. "Meus colegas me apelidaram de Diplomata das Redações, sabe que gostei bastante? Coordenar 80 pessoas não é fácil, é preciso jogo de cintura e muita diplomacia", justifica. Discreto e motivado, considera que a opção em estar atrás das câmeras e não acreditar no glamour que a profissão prometia são os fatores que o fazem continuar apaixonado pelo que faz.
"Não me importo com o que fiz ontem. Penso que o agora é o que importa. Aprendi a me adaptar e vivi aquilo que tinha para viver na profissão. Não penso em parar, mas, com tempo, diminuí o ritmo e entendi que precisava dedicar mais tempo ao meu bem-estar. Atualmente pratico caminhadas, corrida e pilates", explica. A busca por informações também foi alterada e Eugenio esclarece que procura saber o que está acontecendo no mundo no momento em que vai para a redação, ou seja, apenas à tarde.  "Não preciso respirar jornalismo durante 24 horas", explica.
Acreditar no bom jornalismo e no que ele pode proporcionar, como a prática do cultivo de relações mais próximas, continua sendo o que incentiva Eugenio, que, mais do que o envio de frio e-mail, prefere a velha prática do olho no olho.

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