Fernanda Carvalho: A realização em pessoa

Repórter e âncora, a jornalista passou a vida viajando pelo Brasil, mas escolheu Porto Alegre para se consolidar como profissional

Fernanda Carvalho, repórter e apresentadora da RBS TV - Arquivo Pessoal

Repórteres de televisão são, em geral, carismáticos. Fernanda Carvalho consegue ir além. Com um sorriso que contagia através da tela e uma fala que acolhe quem ouve, mesmo que esteja contando a própria história, ela esbanja simplicidade de uma forma única.

Carvalho, apesar de ser seu sobrenome profissional, não é o de batismo, mas uma homenagem à família materna. Mas, como na mitologia, que acredita que a árvore serve de comunicação entre os céus e a terra, Fernanda é uma ponte de conhecimentos dos fatos. Na Idade Média, considerava-se que a planta tinha uma influência mágica sobre o tempo, que ela também parece ter: a uma hora de conversa passou como se fossem poucos minutos.

A vontade era de conhecer cada vez mais aquela mulher que é fã de Aerosmith e de samba, que vê em tudo uma oportunidade de aprender, que tem um pai militar doce e uma mãe técnica em enfermagem forte. Que é a irmã mais velha da Renata, e que é a esposa do também apresentador e comunicador Domício Grillo, que passou a vida viajando pelo Brasil, mas escolheu Porto Alegre para morar. Fernanda é potência e leveza, e, como ela mesma disse: a energia não mente. 

A primeira polêmica

"Meu nome completo já é a primeira polêmica, porque é Fernanda Rodrigues da Silva", afirma, entre risos, logo no início da entrevista. Nos seus primeiros estágios, por volta de 2005, a jornalista se identificava como Fernanda Rodrigues, mas, na época, uma atriz com o mesmo nome estava em destaque na mídia. "E aí, eu pensei: não vou mais assinar Rodrigues. O Silva eu achava muito comum. E o Carvalho é o sobrenome de solteira da minha mãe, então, eu o escolhi porque vem de uma família de mulheres muito fortes. Também foi uma forma de homenagear a minha avó materna", conta.

As raízes

Gaúcha de Porto Alegre, ela nasceu em 8 de agosto de 1980. É leonina, o que talvez ajude a explicar um pouco da sua postura confiante. O pai, Amauri Rodrigues da Silva, era militar. Por isso, Fernanda e sua família tiveram uma vida bem nômade, até ele ir para reserva. Ao contrário do que pode parecer quando se fala de um servidor do exército, Amauri é um apaixonado por literatura e, após a aposentadoria, realizou o sonho de ser professor de Português. Formado em Letras e doutor em Literatura, ele já tem três livros publicados. A mãe, que hoje também é aposentada, se chama Tânia Teresinha da Silva (ela perdeu o Carvalho quando casou) foi técnica em enfermagem a vida inteira. Hoje, os dois moram em Brasília.

Foi com o pai que aprendeu que o conhecimento era o caminho para qualquer mudança, e que tudo o que é aprendido, vai ser útil algum dia. Na casa dos Silva, fazer curso superior não era uma opção, era praticamente uma obrigação. "Eu lembro que, saindo do ensino médio, a gente já estava na adolescência, tinha amigos que já trabalhavam, e ele sempre nos incentivou a continuar estudando, a fazer uma universidade", relata.

Esse incentivo segue até hoje, quando volta e meia ele pergunta sobre os planos para o mestrado. A mãe também nunca deixou de ser uma incentivadora. "O inglês, por exemplo, que a maioria dos adolescentes não quer fazer, e eu não queria, ela nunca me deixou desistir, e hoje eu a agradeço. Durante um período da minha vida, inclusive, dei aula de inglês. Então, acabou sendo até uma profissão", completa.

Do primeiro cinegrafista à paixão pelo jornalismo

Durante a conversa, as lembranças da infância surgem com muita facilidade, sempre entre risos. Uma delas é de quando seu pai comprou uma câmera, tornando-se, assim, seu primeiro cinegrafista. "Ele filmava quase tudo o que a gente fazia. Encenávamos comerciais, fazíamos musicais.... A gente ia na Redenção aos domingos, levava bicicleta, cachorro, aquela coisa toda. Inclusive, compartilhei recentemente uma minirreportagem, digamos assim, que fiz nessa época. Ele tem esses VHS até hoje."

Antes de cursar a faculdade de Jornalismo, Fernanda queria ser comissária de bordo. Morou em Porto Alegre, fez curso na área, mas as oportunidades acabaram não surgindo. Após esperar um ano, resolveu voltar a estudar, como havia aprendido desde pequena. Assim, retornou à casa dos pais, e, em 2007, formou-se comunicadora em Brasília. "Peguei todas aquelas características que me haviam feito escolher a aviação, como não ter rotina, lidar com pessoas, o que eu adoro... Aí pensei, 'que outra profissão engloba tudo isso? Jornalismo'", lembra. Depois de começar a estudar, a paixão pela profissão foi crescendo a cada semestre. 

"A nossa família era o nosso quilombo"

A vida de quem vive se mudando exige, no mínimo, facilidade de adaptação. Mas, para as pessoas negras, viver no Brasil requer ainda mais. Em muitas situações, a família de Fernanda era a única negra onde moravam, e ela, uma das poucas pessoas negras na escola. "A gente aprende a militar desde muito cedo, ainda que não chame de militância. Algumas pessoas dizem que eu tenho uma postura diferente diante disso, e costumo associar a como eu aprendi a lutar enquanto negra em um país racista."

Ela acredita que esse entendimento vem do fato de que os pais sempre os exaltaram muito. Falavam que a estética é bonita, que o cabelo é bonito, o nariz é bonito, a história é bonita. Foi dentro de casa que aprendeu que aquela história do negro tendo nascido para fazer o papel de escravizado não era bem assim, que lutaram muito e tinham que ter muito orgulho dessa história. Ao mesmo tempo, eles nunca esconderam que o mundo lá fora seria diferente. "Hoje, vejo que meus pais eram militantes. A nossa família era o nosso quilombo", declara.

Foi depois de adulta que sentiu a necessidade de se aproximar mais do Movimento Negro institucionalizado. A essa altura, o Jornalismo já havia entrado em sua vida, e ela praticamente profetizou que trabalharia unindo as duas paixões. Em seguida, foi trabalhar no programa Nação, da TVE, o único totalmente voltado para as questões da negritude. "Para mim, não é sofrido falar sobre isso, por mais que o racismo seja algo dolorido, acho necessário abordar o tema. Honestamente, não acho que para mim, Fernanda, é uma opção fazer diferente. Entendo que faço isso onde eu estiver, em função da postura que tenho e por sermos poucos nos espaços", defende.  

Mãe de pet, cervejeira e fã de Aerosmith

Fernanda não tem filhos, mas se considera "mãe de pet" (apesar de tratar o termo como uma brincadeira). "Sempre foi muito certo para mim que eu não teria filhos. A vida foi passando e isso foi se consolidando. Ter filhos é uma opção. Mas a gente vive em uma sociedade na qual parece que, se a gente não quer tê-los, não gosta de crianças, e uma série de outras coisas", reflete. Na verdade, para ela, é só uma escolha, como tantas outras. E se a gente mudar de ideia, está tudo bem também", diz. De uma família de "cachorreiros", ela sempre teve os pets como parte da família. Atualmente, o cãozinho Madiba, que ganhou esse nome em homenagem a Nelson Mandela, é um dos donos do coração da repórter. "Encontrei-o na rua, já adulto, e está comigo há seis anos. Já está velhinho, mas é o meu bebê", brinca.

Sobre o que gosta de fazer nos momentos de lazer, as viagens, a gastronomia, a cerveja e os filmes aparecem no topo da lista. Quando chegou a pandemia, ela e o marido trouxeram os hobbies para dentro de casa: pedindo coisas novas para comer, usando um projetor para os filmes e tomando cerveja no final de semana. "Como boa comilona, gosto é de comer, não consigo escolher um prato como preferido. Também sou muito parceira para conhecer lugares novos, mas comer é, realmente, o meu hobby favorito."

A paixão por viagens, que durante um tempo foi seu próprio presente de aniversário, já a levou a conhecer Paris, Londres e Barcelona. "Sou uma pessoa que gosta muito de cidade grande. Tanto que o meu lugar favorito no Brasil é São Paulo, e eu tinha isso com Nova Iorque. Quando conheci, foi tudo aquilo que eu imaginava, amei, me identifiquei com a cultura da cidade", lembra.

Outro amor da apresentadora vem da adolescência: a banda Aerosmith. Na verdade, Steven Tyler, basicamente. "Tenho Dream Moon tatuado no braço, que foi a primeira música que ele escreveu quando era adolescente. Essa é a minha banda favorita até hoje, apesar de o rock não ser o meu estilo preferido. Adoro samba. Ir a ensaio de escola de samba é uma das coisas que eu mais gosto de fazer", conta. Já quando o assunto é cinema, aí é jornalismo na veia: ama documentário e ficções baseadas em fatos reais. Já na literatura, além das biografias, prefere obras escritas por mulheres negras.

O maior desafio e o maior presente

Na época da faculdade, Fernanda fez estágio na rádio Transamérica em Brasília e também na antiga Radiobrás. Depois de concluir o curso, não estava trabalhando, e um amigo deu uma sugestão: "Por que tu não fazes um blog, pelo menos para praticar a escrita?". Ela apostou na ideia, criando o 'Em Negrito', onde trazia suas experiências enquanto negra, o que a aproximou da militância. "Assim, conheci a Vera Cardozo, que foi a idealizadora do Nação. Ela me convidou para fazer a transmissão do carnaval pela TVE. Disso, fui para o Nação e, de lá, estou na RBS hoje. Quando não conseguia ainda viver do jornalismo, dava aulas de inglês e fazia freelas", conta. 

Para ela, estar na bancada do RBS Notícias é o maior desafio da carreira. "Estou ao lado do Elói Zorzetto, e estar ao lado dele, que é esse profissional completo, me mostrou o quanto a empresa estava confiando em mim. A reunião de pauta é uma aula de Jornalismo, saber o que entra, o que não entra, porque entra", detalha, completando que tenta fazer desse presente da vida e da confiança da RBS um aprendizado diário.

"Todos os dias tento aprender o que eu posso fazer melhor amanhã", afirma ela, que sempre se considerou uma pessoa realizada. "Tenho objetivos, mas não planos para o futuro. Apenas espero ter muitas outras oportunidades de aprender com o meu trabalho e viajar para lugares que eu ainda não conheço", finaliza.

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