Flávio Ilha: Entre o céu e o inferno

Flávio Ilha diz que ser jornalista pode ser o paraíso, mas também o caos, e que sua função é achar o equilíbrio

Por Márcia Farias
Um cara tranquilo e sorridente. À primeira vista, é assim que pode ser definido o jornalista Flávio Ilha. Em pouco mais de uma hora de conversa, o profissional de 50 anos recorda sua trajetória e, aos poucos, vai permitindo-se falar mais de si mesmo - embora, confessa, tenha certas restrições a isto. Ele considera sua vida "normal", mas talvez este não seja o melhor adjetivo para um profissional que acumula passagens pelos principais jornais e revistas de Porto Alegre, além de uma experiência de cinco anos em Brasília. Isso sem falar no mais novo desafio - considerado o maior deles -, o de ser o editar-chefe do recém-lançado na Capital Jornal Metro.
Ser jornalista não foi escolha vinda de uma paixão de criança. Mesmo que o gosto pela leitura e pelos periódicos, desde pequeno, fosse evidente, antes da Comunicação vieram os cursos de Arquitetura e Ciências Sociais. A decisão chegou mais tarde, é verdade, mas veio para ficar: "O Jornalismo é o céu e o inferno. Tem horas que acho que estou no paraíso, em outras, vejo o caos. Minha missão é achar o equilíbrio entre eles."
Um profissional de veículo
Muitas experiências foram acumuladas em mais de 20 anos de carreira, mas o foco sempre foi o mesmo: o impresso, seja jornal ou revista. Entre o vai e vem profissional, em Porto Alegre registrou passagem pelos principais veículos de comunicação, como Zero Hora, Correio do Povo, Jornal NH, a extinta Folha da Tarde e, agora, o Jornal Metro. A trajetória foi estruturada em duas editorias, Política e Economia, mas é esta última a que mais domina e gosta. "O segredo de fazer jornalismo econômico é não se confundir com a fonte. Jornalista tem que informar e, no máximo, interpretar os números", reflete.
Esteve também na equipe de reportagem da revista Amanhã e foi editor da co-irmã Aplauso por cerca de cinco anos. "Jornal e revista são veículos muito diferentes, que exigem habilidades também diferentes", diz, destacando que em publicação diária o ritmo é maior, "uma loucura", enquanto em edições mensais o repórter tem a chance de elaborar melhor a pauta, trabalhar a informação e a parte gráfica. "Jornal é mais essencial na vida das pessoas e a responsabilidade acaba sendo maior, mas acho o resultado da revista de maior qualidade", conclui.
Flávio atuou em Brasília durante cinco anos, período em que trabalhou nas sucursais da Folha de S. Paulo e de Zero Hora e na redação do Correio Braziliense. Também fez trabalhos como freelancer para UOL, Estadão e a própria Folha. "Considero minha carreira 'antes e depois de Brasília'. Foi profissionalmente uma experiência incrível", recorda.
Apesar da bagagem, tem dois aspectos para os quais o jornalista não dá muita relevância: receber prêmios e escolher matérias como especiais. Para ele, todos os trabalhos devem ter a mesma importância: "Não tenho apego com nenhuma reportagem em especial, gosto de todas que fiz". Além disso, ser premiado "deve ser uma consequência, portanto, nunca se deve colocar o prêmio na frente do trabalho".
Marcas do Jornalismo
Uma das coberturas mais marcantes na carreira foi a morte do político PC Farias, em Alagoas, em 1996. "A dois dias do primeiro aniversário do meu filho João fui chamado para esta viagem. Achei que voltaria a tempo e acabei passando 15 dias lá - e perdendo a festa de João", lamenta, para em seguida ponderar: "Coisas do Jornalismo". Entre essas "coisas", Flávio diz que é uma profissão estressante, mas tanto quanto muitas outras que também propiciam o erro. Apesar dos poucos momentos de lazer, ele se considera feliz na profissão pois gosta do que faz, e "sem falsa modéstia", se considera um bom profissional, sim.
A rotina intensa no Jornal Metro, de domingo a sexta-feira, se inicia pela manhã e se encerra apenas no turno da noite - quando tem jornada esportiva, o expediente só chega ao fim por volta da meia-noite. Mesmo nos dias de folga, o cargo de editor-chefe não permite que Flávio se desligue totalmente do jornal, a cabeça funciona o tempo todo. Apesar do ritmo, não pensa em parar: "Tenho muita coisa para realizar ainda, todo mundo tem que ter projetos na vida".
Ser editor-chefe, assegura, exige total dedicação e é um desafio instigante. Por outro lado, mesmo estando visivelmente feliz com a novidade, admite: "Já deu tempo de sentir saudade da reportagem, de falar com as fontes, de ir atrás da notícia, que é a principal função do jornalista".
A ida para o Jornal Metro deixou outra marca importante na vida de Flávio. Ao divulgar a decisão aos colegas de redação de Zero Hora, onde era repórter de Economia, recebeu diversos elogios e desejos de boa sorte, mas um foi especial. Não foi e-mail ou mensagem: Mauro Toralles, o Boró, "se deu ao trabalho de procurar meu número, levantar o telefone e me ligar para falar coisas muito legais. Gostei disso, foi especial".
Vida em família
O filho do engenheiro Levy e da professora Ilka afirma que a infância foi muito tranquila - o que talvez explique uma de suas principais características, a serenidade. Irmão mais novo de Luís Fernando, o jornalista é casado há quase 20 anos com a professora universitária e pedagoga Marta. Da relação, nasceram João, de 16 anos, e Júlia, de 13 - ambos nascidos no período em que o casal viveu na Capital Federal.
A família é considerada companheira: "Vamos ao cinema, saímos para almoçar ou jantar, busco e levo em festas, mesmo reclamando de acordar no meio da noite, enfim, é uma relação muito legal. Eles têm mais é que se divertir, já que estudam a semana toda e são jovens".
Mesmo que os pequenos estejam na fase de iniciar escolhas profissionais, ele não espera que estas decisões sejam tomadas logo. "Assim como nunca tive pressão dos meus pais, não farei isso com meus filhos. Até porque, acho que eles ainda têm que viajar e curtir a vida, sem pressa".
Espelho, espelho meu
Música boa, é disso que ele gosta, mesmo sem classificar os gêneros que se enquadram neste grupo. "Ouço rock, erudita, MPB, jazz, bossa nova, samba, tudo que seja bom", resume. O time do coração é revelado rapidamente: "Sou colorado". Fanático? Quase isso, mas ele explica: "Dizer que torce para um time e não saber nem a escalação dele não tem a menor graça", diz, revelando que vai aos jogos e, sempre que possível, tem a companhia dos filhos. Cinema também está entre os prazeres, e os preferidos, mesmo se dispondo a ver diversos tipos, são os "filmes-cabeça", pois gosta de pensar.
Considera-se um cara adaptável, que se relaciona bem com as pessoas e é movido a desafios. Gosta de passear, ir ao cinema, viajar, enfim, "gosta das coisas boas da vida". E por falar em viagem, houve uma "muito interessante", ao sertão nordestino, a trabalho, no final da década de 1990. "Vi cenas que nunca imaginei ver. Além da paisagem, que é incrível, há um impressionante contraste social." Próxima parada? O desejo é de, literalmente, para o fim do mundo, na Patagônia.
 A cozinha é habitat natural. Na companhia de Marta, a gastronomia é um prazer e a preferência é por comida portuguesa, embora não tema arriscar-se em diversos tipos de pratos, de preferência fora da trivialidade. "Cozinho bem direitinho até", diz, modesto. O típico churrasco também é bem-vindo, mas não chega a ser uma especialidade. "Não é melhor do que comer no Barranco, por exemplo", brinca, referindo-se ao restaurante que é uma referência em Porto Alegre há 40 anos.
Quando se autoanalisa, demora a achar qualidades e defeitos, mas logo reflete: "Quem sou eu? Às vezes, também me pergunto isso. Se tivesse que dizer algo para mim mesmo seria 'Flávio, não tenha medo de viver'".
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