Giovanna Alvarenga: Dançando na Comunicação

Não dá para chamá-la apenas de jornalista, pois tudo o que faz e se dedica é em prol da arte de se comunicar

Giovanna Alvarenga, sócia-diretora da Cuentos y Circo - Eduardo Rocha

Mesmo que os pais desejassem que as filhas optassem por uma das três áreas de prestígio da época - Medicina, Odontologia ou Direito -, os olhos de Giovanna Alvarenga brilharam mesmo foi pelo Jornalismo. A primeira opção dos sonhos dos pais, ambos economistas, Anselmo e Emilce, até chegou a ser cogitada, mas não durou muito. Para convencer a família de que seu caminho seria na Comunicação, enfrentou desconfianças, descréditos e até discussões nos almoços de família. Nada foi suficiente para fazê-la desistir.

Mudar de rumo, aliás, nem foi cogitado, mesmo para quem levou três anos para passar no vestibular da disputada Universidade Federal de Santa Maria. "Meu emocional tomava conta. No ano que desestressei, mudei o foco e fiz as provas com a cabeça mais leve, passei. Fiquei em 13º lugar, em um ano em que o Jornalismo só não foi mais disputado que a Medicina", conta, com um sorriso de quem se orgulha do feito. Natural "do Alegrete" (como os conterrâneos dizem, inclusive com ênfase no final "te"), Gi, como é conhecida, mudou-se para a cidade universitária aos 15 anos, quando foi morar com a irmã mais velha, Giórgia, e onde iniciou a preparação para os estudos acadêmicos.

Casada com Fernando Pulhmann há 14 anos, eles têm o típico relacionamento inspirador. Isso porque, além de sócios, são parceiros de vida. Segundo Gi, conversam muito, muito mesmo, sobre assuntos repetidos, sobre a vida, os sonhos e, claro, sobre trabalho, já que são sócios na Cuentos y Circo. 

Estudar é seu trabalho

Questionar a Gi sobre o currículo dela é ouvir que "tive apenas dois anos na área comercial do Grupo RBS, nas rádios Itapema e Atlântida, e abri a Cuentos", assim mesmo, como quem não percebe a grandeza da própria trajetória. Mas experimenta perguntar como foi seu tempo de estudante? Os olhos brilham ao lembrar das tantas coisas diferentes em que ela se meteu. Com um perfil 360º, como ela traduz, a graduação em Jornalismo foi apenas o carro-chefe de quem fez questão de cursar disciplinas de Publicidade. "Tenho um alto nível de cobrança sobre mim mesma, quero sempre ser a primeira em tudo, a melhor, a diferente", admite, sorrindo.

Ela tem consciência de ter sido privilegiada por não precisar trabalhar de forma profissional durante a vida acadêmica, mas isso não fez dela a tal "filhinha de papai". Ao contrário, desde o início dos estudos passou a procurar estágio, passando pelo Centro de Ciências Rurais (CCR) de Santa Maria, onde atuou com assessoria de imprensa e assumiu a rádio corporativa. Depois, foi estagiar na TV universitária da UFSM. Aqui, ela faz questão de explicar que o canal é um dos principais da região, já que a cidade gira em torno de dois pilares econômicos: as faculdades e o exército. Começou como produtora, mas em dois anos ganhou muito espaço e aprendeu todos os processos na prática.

Tendo a iniciativa como uma das principais características, foi a única bolsista a permanecer na emissora por dois anos, tinha a chave do estúdio, podia levar os equipamentos para casa e, inclusive, montou estrutura no lar para poder editar seu programa semanal, além de receber sempre as pautas mais importantes da faculdade. Sua mãe dizia: "Teu trabalho é estudar. Tu não para!". E conta isso cheia de orgulho de quem nunca se limitou apenas à sala de aula.

Também durante a faculdade, fez um curso voltado para jornalistas em zona de guerra e, como não bastasse, decidiu que seu trabalho de conclusão de curso (TCC) seria sobre fotojornalismo, algo novo, que nunca havia sido feito na UFSM. "Meus amigos diziam que eu deveria fazer discorrer sobre televisão, pois seria muito fácil para mim, mas eu queria mesmo era aprender e sentia que fotojornalismo era algo que faltava nos meus conhecimentos.

A Aiesec é uma plataforma internacional que possibilita o desenvolvimento pessoal e profissional de jovens universitários, focada em liderança e intercâmbio, presente em 127 países. É exatamente o que você, caro leitor, está pensando. Gi participou de um processo seletivo desde o primeiro semestre da faculdade e passou, claro. Trabalhando de forma voluntária na organização, ela se envolveu sempre nas áreas de seu interesse e chegou a ser presidente do comitê organizador do maior evento da época no Brasil, a Conferência Nacional de Desenvolvimento Estratégico, que tabém marcava os 60 anos da Aiesec no mundo. Colou grau num sábado e na segunda embarcou para São Paulo, onde ficou por três meses envolvida neste evento, definido por ela como "uma baita experiência".

Orgulho e mais orgulho

Quando veio para Porto Alegre, morar com Fernando, havia se organizado financeiramente para poder se manter até que decidisse qual seria o caminho profissional a seguir. Foi durante a pós-graduação em Estratégias e Processos em TV Digital, na Unisinos - onde lecionou nos cursos de extensão de 2014 a 2020 -, que nasceu a Cuentos y Circo. Gi decidiu, ainda na UFSM, que queria trabalhar com TV, mas não imaginava que seria em um formato longe dos meios tradicionais. Ou nem tão longe assim.

Focada em conteúdo para YouTube, plataforma com a qual Gi mantém parceria há bastante tempo, muitas das produções ganharam a televisão convencional e renderam, inclusive, reconhecimentos. Foi o caso da série Cavalgada dos Extremos, de autoria da Cuentos, transmitida pelo SBT RS e dirigida por ela e Danilo Teixeira. A produção ganhou o segundo lugar no Prêmio ARI de Telejornalismo, em 2014, na categoria Reportagem Geral. "Isso foi uma das coisas mais importantes que me aconteceram, pois faz o elo com a minha formação original", comemora a jornalista. Outro feito destacado foi quando retornou à instituição de ensino que a formou, como palestrante na Jornada Acadêmica Integrada, no painel 'Novos Formatos para Produção Editorial', em 2017. 

Falar em Cuentos y Circo e não citar o case Grenalizando é quase um sacrilégio. Isso porque o conteúdo que começou no YouTube também foi parar no SBT e se manteve no ar por mais de um ano, sempre com direção dela. "Dá muito orgulho ser parte de um case multiplataforma como esse", diz. 

Vida em evolução

Para ela, tudo que acontece em sua vida tem alguma conexão com a família, as escolhas, enfim, nada é por acaso. Desde muito cedo, a mãe dizia que as filhas deveriam deixar de lado as brigas infantis, pois, em algum momento, "seriam só elas". Três anos mais nova, hoje, Gi tem na irmã, dentista da Aeronáutica, a grande parceira de vida, ainda que sejam muito diferentes. Com a perda precoce de dona Emilce, aos 64 anos, vítima de um câncer que a levou rapidamente, e o pai ainda morando em Santa Maria, e com quem mantém uma relação cheia de bonitas histórias de perdão e resgates, a família se restringe às duas. E no meio de tantos aprendizados, tem ainda uma irmã caçula, fruto do segundo casamento de seu Anselmo. Rafaela, de 12 anos, tem prorporcionado a construção de um relacionamento de amor e afeto.

O casamento com Fernando Puhlmann parece mesmo um encontro de almas, pois ela não poupa elogios ao companheiro e cita seu nome por diversas vezes ao longo da conversa. Foi dele, por exemplo, a ideia de terem um cachorro, mesmo que Gi não morresse de amores por pets. Tendo a confirmação da esposa de que ela queria ter um animalzinho em casa, num belo dia, bateu à porta de casa com Zeus no colo, um buldogue, que faleceu em 2020, e mudou a percepção da jornalista para essas relações. Hoje, além de engajada na causa animal, os filhos - que ainda não são humanos - têm nomes: Preta, Branca, Amarela, Hanna e Angelina, cinco gatas, sendo três delas especiais.

O envolvimento com o mundo canino e, mais recentemente, felino, também a fez mudar a postura quanto à alimentação. Em processo para aderir ao veganismo, Fernando a acompanha, tentando ser vegetariano. "Acho que tudo na vida é uma evolução", resume. E tudo isso, para ela, contribui especialmente para sua fé. Adepta da doutrina do Espiritismo, Gi consegue facilmente identificar as fraquezas e trabalhar de forma muito disciplinada em cada uma delas, sempre em busca de ser alguém melhor.

Corpo em movimento

Se dissessem para aquela menina, que começou a dançar ballet clássico aos quatro anos que a dança permaneceria em sua vida, talvez ela não acreditasse. Afinal, ela só praticava por insistência da mãe - algo que se manteve por quase 10 anos seguintes. Ok, dona Emilce entendeu que Gi não gostava de verdade do ballet, mas explicou que ela precisava manter seu corpo em movimento. Veio a natação e também o hipismo, mas este último esporte era caro para ser mantido pela família que sempre batalhou muito para as conquistas materiais. Houve ainda um tempo em que frequentou a academia, o que também não a conquistou de verdade.

Gi não sabe dizer como ou por que o Flamenco entrou em sua vida, mas foi a escolha que veio para ficar há cerca de uma década. A experiência no ballet ajudou muito, porém a dança de origem cigana passou a representar mais do que manter o corpo em movimento. Ela se interessou pela história, pelos costumes e até pelos instrumentos musicais. Hoje, a bailaora (nome dado às dançarinas do estilo) toca cajon (instrumento musical em formato de caixa), produz espetáculos, circula por muitos grupos de Flamenco, se apresenta, continua fazendo aulas online com professores de diversos locais e sonha em ser contratada de forma profissional.

A entrega e a interação com o Flamenco são tão grandes, que Fernando brinca: "Nem me arrisco a perguntar se a Gi ama mais a dança ou a mim". Não bastasse tudo isso, o Flamenco ainda tem trazido novos clientes a Cuentos e oportunizado projetos em diferentes áreas, tudo a partir dos relacionamentos que ela cria com a turma de bailaoras, músicos e etc. E sabem o que a dança representa para ela? "Nada mais é do que eu me comunicando com o meu próprio corpo".

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