Haroldo de Souza: Pelo futebol e pelas mulheres

Narrador esportivo e vereador conta como construiu sua carreira e se declara apaixonado pela beleza da mulher gaúcha

Haroldo - Reprodução

A fala agitada até parece dar sinais de que ele está com pressa. Na verdade, são evidências de seu estilo como narrador esportivo. Conhecido pela irreverência, Haroldo de Souza, vulgo Magrão, é a alegria em pessoa. Sedutor assumido, faz questão de beijar e abraçar cada uma de suas assistentes quando chega para cumprir sua agenda no gabinete que ocupa na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. "Só contrato mulheres porque elas são mais fiéis ao trabalho", diz, na tentativa de explicar o fato de seu quadro funcional ser composto somente pelo público feminino. Mais alguns minutos de conversa e ele confessa que, na verdade, prefere ficar próximo de mulheres bonitas porque se sente bem. "Não abro mão desse meu direito. Com todo o respeito, claro."

Contradição ou não, foi assistindo a 22 homens correndo de um lado ao outro atrás de uma bola que Magrão consagrou-se na profissão. Adepto de um estilo mais solto e popular de locução, mudou o cenário da narração esportiva no Estado, quando aqui chegou na década de 1970, sendo um dos responsáveis por colocar a rádio Gaúcha na liderança de audiência à época.

Como no início não tinha comentarista que o acompanhasse, criou o quadro Gente que se liga na gente, em que fazia sorteios para que os torcedores participassem do programa com ele. "Eu garantia os comentários e a audiência, já que os amigos e familiares do torcedor ficavam ligados na rádio também", explica. Haroldo tornou-se tão popular que um personagem parodiando o seu nome foi criado, o Hasouza de Roldo, em um programa de humor da Gaúcha nos anos 70.

Seu estilo, segundo ele, é uma mistura do lado sentimental do famoso narrador esportivo Fiori Gigliotti (já falecido), associado com a precisão no lance, característica de Pedro Luís, da extinta rádio Tupi. A mistura dos dois jeitos deu tão certo que Haroldo ganhou seguidores Brasil afora. "Fico muito feliz quando percebo que alguém está seguindo o meu estilo, mas aviso: ainda vou demorar mais uns 10 anos para parar, vão pensando em algo novo", brinca.

Primeiros ecos

Decidido a se tornar narrador esportivo, Haroldo Joaquim de Souza, que começou a vida profissional como caminhoneiro, não teve dúvidas quando ouviu na Rádio Londrina, no Paraná, que estavam fazendo testes para locutor esportivo. Foi até lá, fez a prova, e 15 dias depois recebeu um telegrama. "Imagina um caminhoneiro recebendo telegrama, me senti grandão. Coloquei minha camisa de passeio e me apresentei na rádio", lembra. Lá, foi informado de que havia ficado em segundo lugar na seleção.

Quis o destino que o primeiro colocado mudasse de cidade com os pais. Então, o coordenador da rádio na época, Padre Eduardo Afonso, lhe ofereceu o cargo. "Aceitei na hora. Saí da emissora correndo, fui até a transportadora onde prestava serviços e avisei que estava trocando de trabalho", recorda. Quando retornou à rádio, ouviu do padre: "Você é mesmo um rapaz decidido." E assim Haroldo iniciou sua carreira de narrador esportivo sem ao menos saber quanto lhe pagariam.

Iniciadas as atividades na Rádio Londrina, em junho de 1969, após cinco meses já estava no Maracanã, no Rio de Janeiro, para cobertura dos jogos de eliminatória do Mundial de 1970 no México. "Disseram que eu só poderia ir se tivesse patrocínio. Saí com o cara do comercial para vender as cotas. Em uma manhã conseguimos o valor que precisávamos e viajei sozinho para o Rio de Janeiro. Foi a primeira vez que transmitimos um jogo da Seleção Brasileira pela Rádio Londrina", conta.

Quando a transmissão terminou, Haroldo foi procurado por Osvaldo Faria, na época diretor da rádio Itatiaia, de Belo Horizonte, que o convidou para trabalhar na emissora. "Peguei o cartão e fiquei pensando: "Mas que louuuuucura, meu Deus do céu, será que vai ser tudo assim tão rápido?" E foi. No mês seguinte, Haroldo estava morando em Belo Horizonte e trabalhando na rádio Itatiaia como locutor esportivo. "Pediram para eu tirar passaporte, fiquei impressionado porque no ano anterior eu era um caminhoneiro. Recebi o salário e fui até aos Recursos Humanos conferir, achei que estava errado", lembra, dizendo-se admirado com o montante de dinheiro. Naquele dia, a rodada de cerveja foi por sua conta. No ano seguinte, em 1970, ele cobriu sua primeira Copa do Mundo. Dali em diante não parou mais, já soma 10 Copas e prepara-se para a 11ª, em 2010 na África.

Vocação para ser feliz

Haroldo costuma dizer que a carreira como narrador esportivo, que em 2009 completou 40 anos, foi desenhada com pequenos detalhes. "A chance surgia e eu pegava". O jeito decidido e determinado o acompanha na vida pessoal também. Magrão, que já está no oitavo casamento, diz que não perde tempo sendo infeliz. "Se a relação não vai bem termino mesmo. Nasci para ser feliz", resume. Pai de 10 filhos, o mais velho com 46 anos e o mais novo com um ano e sete meses, dois netos e uma bisneta, completou 65 anos na última quinta-feira, 10. Amante da boemia, é um fumante inveterado. "Eu tento parar de fumar, mas não sinto dificuldades para narrar e tenho disposição para tudo, daí fica difícil", ri.

Natural de Jacarezinho, no interior do Paraná, mudou-se com os pais para Castro, nas proximidades, na infância. Filho único, começou a acompanhar o pai em suas viagens como caminhoneiro, ainda guri. Quando completou 18 anos, começou a trabalhar. A paixão por rádio surgiu nesta época. "O rádio era o meu companheiro de viagem", conta. Por morar próximo da divisa com o estado de São Paulo, acostumou-se a ouvir as rádios paulistas. Por isso, hoje, o seu time do coração é o Corinthians.

Mas, se ele é corinthiano e paranaense, o que faz em solo gaúcho? A explicação também parte de um estádio de futebol, mais precisamente de um estádio na Alemanha, na Copa do Mundo de 1974. "O Paulo Sant'Ana veio falar comigo no final de um dos jogos. Ele me disse que o Nelson Sirotsky (diretor da rádio Gaúcha na época) tinha me ouvido narrar e queria conversar comigo". E, como em 1969, Haroldo trocou de cidade e de estado em pouco tempo. "O Nelson me perguntou se eu tinha interesse em morar em Porto Alegre. Respondi na hora: Tenho."

Encontro de amor

Porto Alegre estava em seus planos apenas por uns dois ou três anos, depois ele mudaria para São Paulo. Tinha o sonho de trabalhar nas grandes rádios paulistas. Mas apaixonou-se pela cidade e por suas mulheres. "Do aeroporto até o hotel, vi um infindável número de mulheres bonitas, como nunca tinha visto em lugar algum do mundo por onde passei. Fiquei impressionado", diz. E foi exatamente uma gaúcha que fez seu coração sedutor sossegar. Haroldo é casado há 17 anos com Vera Maria Brum da Costa de Souza, com quem tem dois filhos, Elisandro, 16 anos, e Guilherme, de um ano e sete meses.

"Tinha 17 anos quando conheci o Haroldo, namoramos por um tempo e acabamos nos desencontrando. Cerca de 16 anos depois, nos reencontramos e foi como se o tempo não tivesse passado", confidencia Vera. Ele estava trabalhando quando recebeu um recado de que Vera havia ligado. Retornou a ligação na mesma hora. Ela contou que havia se formado comissária de bordo e que estava morando em São Paulo. "Pedi para trocar minha escala de jogos daquele fim de semana e fui encontrá-la. Estamos juntos até hoje", diz Haroldo.

Como ficar namorando na ponte aérea Porto Alegre-São Paulo não era possível, o casal decidiu que ela voltaria para a capital gaúcha. Casaram-se em 1994, e ela faz questão de frisar que "na igreja e de papel passado ele só casou comigo". Mesmo sabendo da fama de conquistador do marido, ela afirma não ter ciúmes. "Temos uma relação muito aberta. O que aconteceu conosco foi um encontro de amor", define Vera.

O mais lembrado

Mas nem só de paixões é feita a história de Haroldo de Souza nos pampas gaúchos. Narrador esportivo recém-contratado da Rádio Gaúcha, em 1974, ele chegou à Capital com a missão de vencer a guerra da audiência contra a rádio Guaíba, líder na preferência dos ouvintes à época. Seu ímpeto desbravador e inquieto acabou lhe dando a fama de "brigão". "Sempre lutei pelo que acredito", comenta. Na tentativa de derrubar a adversária, diversas alternativas foram testadas. Haroldo de Souza passou a fazer parceria com o professor Ruy Carlos Ostermann, por exemplo.

Mais tarde, dividiria a narração dos jogos com Armindo Antônio Ranzolin e Lauro Quadros. Tudo corria bem, a Gaúcha finalmente havia desbancado a concorrente, até o dia em que a rivalidade entre os narradores aumentou, o que, segundo Haroldo, o teria forçado a deixar a Gaúcha no início dos anos 90. "Decidi tentar salvar a rádio Guaíba que estava morrendo."

Demitiu-se da Gaúcha e foi até a Guaíba falar com Paulo Sérgio Pinto (à época, diretor de jornalismo da emissora). "Quando ele apareceu na minha sala dizendo que queria trabalhar conosco, achei que estivesse blefando", conta Paulo Sérgio Pinto. Segundo ele, a contratação do locutor representou uma virada na audiência da Guaíba. E Magrão estreou em grande estilo. Foi anunciado aos ouvintes como novo narrador esportivo da Guaíba direto da Copa América, no Chile, em 1991.

"O Haroldo de Souza é um dos melhores narradores esportivos que o Brasil já teve. Sem dúvidas, ele já é a marca do Rio Grande", diz Paulo Sérgio. Sua afirmação é confirmada pela conquista do narrador, seis vezes seguidas, entre 2002 e 2007, do Prêmio Top of Mind, da Revista Amanhã, como locutor esportivo mais lembrado entre os gaúchos.

Na política

O estilo irreverente e marcante do narrador é avalizado pelos torcedores que, quando questionados, vão logo repetindo um dos principais jargões de Haroldo: "E as bandeiras vão tremulando, tremulando, tremulando", dizem. Toda vez que Haroldo narra uma partida do Internacional, Vera, a esposa, jura que o marido é colorado. "Mas daí o Grêmio joga e penso a mesma coisa do tricolor", diz. "Na verdade, ele ama o que faz e faz com muita dedicação", avalia a gremista.

"Faço uma coisa séria na vida, que é a minha profissão. E a outra é cuidar da minha família", destaca Haroldo. Olha que de família ele entende. Mesmo separado, sempre procurou manter uma boa relação com as ex-mulheres e nunca deixou de assistir seus rebentos. Tanto que a vinda para Porto Alegre teve a ver com eles. "Meu salário dobrou, fiquei muito feliz porque eu já vinha acumulando filhos", conta.

Mesmo com a rotina puxada na cobertura de jogos e viagens aqui e ali para acompanhar os campeonatos, sobrou tempo para Haroldo dedicar-se a outro ofício. Entrou para a política a convite do comunicador Sérgio Zambiasi e já está em seu terceiro mandato como vereador de Porto Alegre. Sua primeira eleição foi em 1998 pelo PDT. Alguns anos depois, deixaria a sigla para ingressar no PMDB, partido no qual está até hoje. Entre outros trabalhos, é de sua autoria o projeto do Restaurante Popular, que ele confessa ter copiado de proposta semelhante implantado por Rosinha Garotinho no Rio de Janeiro.

Sem previsão de parar, tanto com a política quanto com a narração esportiva, ele diz que seria um sonho encerrar com a Copa de 2014 no Brasil, quando completa 70 anos. "Se pudesse retroceder na carreira, gostaria de voltar a narrar futebol, por um tempo, na Gaúcha, na rádio Itatiaia e encerrar lá na Rádio Londrina, onde foi o começo de tudo. Ele lamenta, porém, que a narração esportiva de rádio esteja chegando ao fim: "Já tivemos nossos tempos áureos, mas hoje perdemos espaço para a TV".

Em seus planos ainda está produzir e apresentar um programa de esportes na TV. Na política, declara-se meio frustrado com a postura de alguns colegas, mas diz que pretende continuar trabalhando por melhores condições de vida para a população da Capital. Na vida pessoal, o plano já está traçado há muito tempo: "Espero continuar sendo feliz como tenho sido até agora."

A casa com vista para o rio Guaíba e cercada de verde é o seu local preferido para momentos de reflexão e relaxamento. "A natureza revigora tudo", diz. Foi na sacada, em uma dessas paradas para repor as energias, que conheceu Inácio e Beethoven, dois sabiás que vivem por ali. "Eles são livres, eu só deixo comida e água e eles vêm todos os dias se alimentar." A recompensa, segundo ele, é o canto de agradecimento dos pássaros e a companhia que eles o fazem. "Sou um homem apaixonado pela vida."

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