Marcelo Rech: Jornalismo inquieto

Aventuras, correrias e situações inesperadas são marcas registradas na trajetória de Marcelo Rech, o diretor de redação de Zero Hora.

Marcelo Rech - Reprodução

Com 45 anos e dezenas de histórias impressionantes - que começam antes da faculdade e vão até os campos de batalha no Oriente -, Marcelo Rech garante que está sempre "pronto para fazer qualquer coisa, a qualquer hora, em qualquer lugar". É por isso que poucos jornalistas agregaram experiências tão inusitadas e aventureiras quanto ele, que foi o primeiro a pisar na Antártida e até pagou promessa por não morrer em guerra. O talento é fruto de uma infância agitada, em que Marcelo vivia pulando de cidade em cidade, no Brasil e no exterior. Sobre a sua relação com a profissão, define: "Eu me divirto muito".

Ele mesmo conta que não para quieto desde quando era bebê. Marcelo Rech nasceu em Santa Cruz do Sul, mas logo com dois meses de vida foi morar em Pelotas. Com oito anos, teve que se mudar para o Rio de Janeiro, e com 11 estava em Salvador. A incessante troca de cidades - devido às transferências profissionais do pai, militar - e o consequente hábito de adaptar-se a novas experiências não foram apenas a marca registrada da infância e da adolescência do jornalista. Certamente, foram também o fator-chave para o desenvolvimento de um profissional que parece não temer coisa nenhuma. Com 14 anos, depois de voltar para o Rio, estudar em colégios militares e aterrissar em Brasília, ele pensava em ingressar para a Marinha. Mas o médico logo tratou de desiludi-lo. O garoto tinha um problema na coluna - escoliose - e não poderia seguir carreira na área. A vingança: "Freud explica o fato de eu ter feito, mais tarde, grande parte das coisas que todo o cara da Marinha gostaria de fazer", comemora.

Em 1975, o pai foi transferido para a Alemanha, e um mundo novo caiu na frente de Marcelo, com 15 anos na época. "Conheci a liberdade política, a liberdade de expressão e uma economia extremamente desenvolvida", conta. Enquanto assistia a uma televisão sem censura e convivia com comportamentos até então pouco conhecidos, a família recebia semanalmente da embaixada brasileira todas as edições do Jornal do Brasil. Era a única leitura em português que chegava ao garoto: "Eu ficava ouvindo Genesis, Yes e Jehtro Tull nos fones de ouvido, enquanto devorava os exemplares do JB, de cabo a rabo". A partir daí, começou a entender realmente sobre política, economia, cultura, além de ficar a par do processo de redemocratização que acontecia no Brasil. O jornalista conta que foi em uma daquelas tardes que decidiu seguir a profissão e dedicar sua vida a, de alguma forma, transformar a sociedade positivamente. "Sim, eu não vejo qualquer sentido no jornalismo se o princípio não for este", avalia.

No fim do segundo grau, com 16 anos, voltou para o Rio de Janeiro e, logo depois, foi para Blumenau, em Santa Catarina. Em oposição aos amigos, que eram todos filhos de militares e queriam ser engenheiros, químicos ou médicos, ele era o único que queria cursar Comunicação. O irmão mais velho cursava Medicina em Porto Alegre, e foi por isso que Marcelo decidiu prestar vestibular na Ufrgs (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), em 1978. "Fui morar com ele, passei no concurso e, antes mesmo das aulas começarem, eu já achava que era jornalista", diverte-se, lembrando que ainda nem tinha pisado no campus quando foi pedir emprego na sucursal do jornal O Estado - o principal de Santa Catarina na época -, no final das férias de Verão. O chefe da sucursal havia sido seu professor de português no colégio, e acabou deixando o garoto acompanhar os repórteres em matérias e coletivas de imprensa. Marcelo não era remunerado, mas foi ali que escreveu sua primeira matéria. "Olha a irresponsabilidade do jornal!", constata gargalhando.

A guerra da profissão

Sem qualquer constrangimento - "já me achava muito experiente" -, logo no primeiro mês de aula foi bater na porta do Jornal do Brasil, sua grande referência: "Naturalmente, recebi um sonoro "tente daqui a alguns anos"". Não desanimou. O primeiro salário ele recebeu atendendo a telefonemas na Central RBS de Eleições, onde era realizada uma apuração paralela à oficial, bem comum até não muito tempo atrás. Mas quando as eleições terminaram, e as primeiras férias da faculdade chegaram, saiu a pedir emprego em todas as rádios, agências e empresas jornalísticas de Blumenau, onde o pai morava. E aconteceu o inesperado: foi admitido na TV Coligadas, que era a retransmissora da Globo em Santa Catarina, e tornou-se o repórter do Jornal Nacional no Estado. O único. "Eu tinha só 18 anos! Outra irresponsabilidade sem tamanho, diga-se de passagem", gargalha de novo.

Pouco tempo depois, em 1979, a Rádio Gaúcha o contratou - afinal, depois da experiência na Coligadas, ele já tinha boas noções de redação. Seu expediente começava às cinco da manhã, e assim foi pelos dois anos seguintes. Certo dia, na emissora, caiu em suas mãos uma notícia que mexeu com ele na hora. O Brasil iria promover sua primeira expedição à Antártida. "Enlouqueci: "Meu Deus, isso é o meu sonho! Eu tenho que ir junto!"", recorda. A ideia era mirabolante, "praticamente impossível de acontecer", como ele mesmo define. Publicou a notícia e guardou uma cópia no bolso. Meses depois, já formado, ingressou na EBN (Empresa Brasileira de Notícias) - hoje, Radiobrás - e descobriu que um almirante da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar viria a Porto Alegre para pedir apoio de empresários para a expedição. Marcelo pediu para cobrir o evento. "Depois que todo mundo foi embora, perguntei para o almirante se eles não precisavam de um repórter para fazer a cobertura. Ele disse que ainda nem tinha pensado nisso, mas que nós poderíamos contatar o gabinete do Ministro, se quiséssemos", conta. Em dezembro daquele ano, Marcelo, que tinha apenas 22, estava entre os primeiros brasileiros que chegavam à Antártida. De lá, abasteceu todos os veículos de comunicação do país com notícias via satélite.

Quando voltou, foi promovido a chefe de jornalismo da EBN, coordenando o trabalho de profissionais com o dobro da sua idade. A partir daí, a carreira deslanchou. No jornal Zero Hora e na RBS TV entrou como pauteiro e, no Correio do Povo, como chefe de reportagem, em 1986. Logo depois, retornou a Zero Hora para ser repórter especial - "a grande oportunidade da minha vida" - e foi nessa época que conheceu a repórter Eloisa Zorzetto (irmã do também jornalista Elói Zorzetto), com quem casaria. Além de ter voltado outras quatro vezes à Antártida, ele cobriu inúmeras batalhas e guerras no mundo tudo.

Na Iugoslávia, em 1993, onde 50 jornalistas morreram em seis meses de conflito, chegou a fazer promessa para continuar vivo. Pagou no Vaticano. Na Guerra do Golfo, ironicamente, sofreu mais com a burocracia na semana em que chegou do que com os tiroteios nos seis meses em que permaneceu na região: "Não havia jeito de conseguirmos visto. Cheguei a fazer uma matéria sobre a falta de turistas nas pirâmides do Egito, porque não conseguíamos sair do Cairo". Apesar do sufoco, acabou ganhando o Prêmio Líbero Badaró naquele ano.

Marcelo também cobriu a dissolução da União Soviética, e nessa viagem fez uma reportagem - cinco páginas de Zero Hora - que considera a mais prazerosa da sua vida. "Adoro frio. Resolvi, então, ir à Sibéria", lembra. Já não bastava ter ido à Antártida - pelo jeito, não. Em Norilsk, a cidade habitada com menor temperatura-média do mundo, ele falou sobre como é viver sob extremo frio. "À noite, chegava a 45 graus negativos", garante.

Mesmo com todas essas pitorescas vivências, ele acredita que o grande repórter é aquele que se destaca fazendo matérias aparentemente banais: "E essas são as mais divertidas. Colocar buracos de rua, por exemplo, em duas páginas de um jornal é que é a grande conquista". E assim, com faro e percepção jornalística, Marcelo passou a editor-chefe de Zero Hora, em 1993. Depois, foi promovido a diretor de redação e diretor-editorial dos seis jornais do Grupo RBS.

Despachado do front

Pai de dois meninos - Bruno, de oito anos, e Bernardo, de quatro -, ele continua vivendo um cotidiano de correrias, mas prefere amenizar um pouco aquela tradição de "jornalista workaholic", característica da classe. "Na redação do jornal, nós fizemos um pacto para trabalharmos um pouco menos", diz. É claro que os feriados e as datas comemorativas continuam sacrificadas. "Isso é inevitável, mas só perturba nos primeiros 15 anos de carreira", brinca. O fato é que Marcelo acredita que qualquer profissional precisa ter contato com outra realidade e ter seus momentos - sejam eles de prazer ou não - fora do trabalho: "Sempre procurei ter meus sábados livres e, agora que posso, estou tentando diminuir meus domingos na redação". Todos os dias, antes de chegar à RBS, caminha pela rua com a cadela Laika. É o único esporte que está autorizado a praticar atualmente, pois fez uma cirurgia de correção da escoliose, há 10 meses, e teve que parar de andar de bicicleta e jogar tênis. "Mas o meu sonho é me dedicar a esquiar. Pena que a minha família não agüenta mais as minhas idéias de "viagens geladas"", alega, com certa ironia.

Quando não está trabalhando, raramente sai de casa. Nada mais natural, afinal, era o que ele mais fazia quando morava com os pais. Até gosta de um cineminha de vez em quando, mas prefere manter a conduta caseira. "Não tem coisa melhor que reunir a família para curtir DVD com pizza no sofá", revela o jornalista, que comprou um telão para a sala quando Eloisa engravidou de Bernardo. Fã de bandas de rock progressivo, como Emerson, Lake & Palmer, Pink Floyd e os já citados Yes e Genesis, o aparelho recebe CDs de música ou de filmes - adivinhem... - de guerra: "Ah, é o meu gênero favorito, disparado".

Ao falar das preferências em literatura, também não é diferente: "Leio, basicamente, livros de História e de relatos de guerra". Na cabeceira está Despachos do Front, obra de Michael Herr, o correspondente da revista Esquire na Guerra do Vietnã. "Uma guerra submete as pessoas a situações-limite, que exigem um esforço sobrehumano. Não é muito diferente da administração de um jornal", relaciona sorrindo.

A grande meta de Marcelo continua a mesma de quando tinha 16 anos. "Acho que esse é o legado dos meus filhos", diz. Ele espera que tudo o que faça possa repercutir positivamente na comunidade. Garantindo que nunca escreveu uma única linha na qual não acreditasse realmente - "embora eu já tenha escrito algumas bobagens" -, ao falar em futuro, o jornalista sempre prioriza essa preocupação com a contribuição social. É provável que ainda encontre novos planos nesse sentido, mas ser um diretor da empresa de comunicação que mais emprega pessoas no Sul do Brasil já é uma conquista e tanto.

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