Elmar Bones: Jornalista e idealista

Ele nasceu em Cacequi, no começo de 1944, mas viveu toda a infância e adolescência em Livramento, o que explica por que é tido …

Ele nasceu em Cacequi, no começo de 1944, mas viveu toda a infância e adolescência em Livramento, o que explica por que é tido e havido como um dos talentos de uma geração de jornalistas santanenses que marcou época no jornalismo gaúcho entre os anos 70 e 80. Mas Elmar Bones da Costa começou a viver jornal "por acaso": tinha 17 anos quando foi contratado para atuar no balcão de anúncios do jornal A Platéia. Achava os textos muito repetitivos, não eram apenas classificados, mas principalmente anúncios sociais, como aniversários e obituários. Então começou a reescrevê-los, "dar umas enfeitadas". E assim, a direção do diário descobriu que tinha ali alguém que sabia escrever - e ele foi "promovido" a revisor. Logo se identificou com a vida boêmia dos gráficos, com quem convivia no trabalho. Embora fosse um jornal grande, a tecnologia ainda era a do chumbo e a revisão ocorria na gráfica. "Era um pessoal da noite, que saía da impressão e ia para os bares", lembra.

Houve um momento em que pensaram em transferi-lo para a redação, mas o jovem não foi bem-sucedido em sua primeira reportagem e foi mantido como revisor. Esta empreitada frustrada no jornalismo não o desanimou. Cerca de um ano depois, veio para Porto Alegre, onde prestou vestibular e foi aprovado na Fabico (Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Ufrgs). Durante as férias da faculdade, costumava voltar a Livramento e sempre tinha trabalho garantido para revisar A Platéia. Bones fez o curso até o fim, mas, curiosamente, não chegou a se formar. "Cheguei atrasado para a última prova que faltava, de Português, e o professor não me deixou realizá-la. Como não tinha dificuldades na disciplina, resolvi não fazê-la de novo", conta.

De tímido a cara-de-pau

Recém-chegado à Capital, Bones morou primeiramente com uma tia e depois numa república de estudantes. Teve dificuldades para conseguir emprego ou estágio na área e acabou tendo que trabalhar como vendedor, por necessidade. Não gostava nem um pouco, pois era tímido e não lidava bem com o público. Quando já estava pelo meio do curso, conseguiu não um, mas três trabalhos. Atuou paralelamente como estagiário do Jornal do Brasil e da Folha da Tarde e ainda fazia o boletim do Instituto dos Arquitetos. Na época, a Folha passava por uma crise interna e ele acabou ficando sem atividades na redação. Mas, em vez de ser dispensado, Bones foi efetivado: houve uma troca na chefia de redação e muitas pessoas saíram do diário, que precisou contratar mais repórteres. Então, passou a se dedicar a apenas essa função. "A faculdade nessa época foi para o espaço. Eu só queria estar no jornal - ou nos bares, falando do jornal", diz. Chegou a editor da publicação.

Terminada a faculdade, surgiu a oportunidade, em 1968, de trabalhar em São Paulo, na Veja, revista que ainda seria lançada. A Realidade, também da Editora Abril, publicou cupons para que os interessados se candidatassem às vagas na redação. Pessoas de todo o País se inscreveram, mas o jornalista simplesmente não tomou conhecimento do assunto até conversar com o amigo Gilberto Pauletti, que havia sido pré-selecionado. Salomão Amorim, responsável pelo recrutamento, estava em Porto Alegre, mas voltaria à capital paulista no dia seguinte. Bones ligou para Amorim no Plazinha, onde estava hospedado, e pediu para participar da seleção também. Ele foi aceito graças a uma desistência de última hora e foi para São Paulo, enfrentar uma rotina exaustiva. Foram editadas cerca de nove edições de número zero de Veja, antes que ela chegasse às bancas. Ficou quatro anos na revista, quando também morou em Curitiba, onde casou. Nesse período, Veja ainda não estava bem consolidada. Porém, ele lembra com alegria da época que atuava na editoria Artes e Espetáculos, cobrindo os bastidores da televisão, que estava começando no Brasil. Bones era editor, mas resolveu retornar ao Rio Grande do Sul, em 1972.

Novos desafios

Em Porto Alegre, retornou à Caldas Júnior, com um desafio: tirar a Folha da Manhã de uma crise que vinha enfrentando em suas vendas e também em sua identidade. "É uma coisa que eu gosto, fazer o jornal para vê-lo nas bancas, vender ao leitor." Com a nova orientação editorial, a "Folhinha" se tornou uma publicação mais crítica em relação ao regime, o que repercutiu bem nas vendas, mas causava desconforto para a empresa. Bones ficou dois anos no jornal e permaneceu na cidade por 10, período em que foi editor-chefe do CooJornal, mensário da Cooperativa dos Jornalistas, e correspondente da Gazeta Mercantil.

Bones relembra que a idéia de montar a cooperativa surgiu, entre outros fatores, da vontade dos jornalistas da Folha de continuarem fazendo um jornal de crítica, sem a interferência das grandes empresas de comunicação: "O importante foi que conseguimos chegar a uma forma alternativa de organização na imprensa. Aquilo me convenceu que a estrutura das empresas de mídia nunca terá solução para os jornalistas". Ele diz que as poucas empresas estão muito atreladas aos seus próprios interesses e cada vez mais afastadas dos interesses da população. Mas a cooperativa "patinou" no início e, para se manter, o jornalista se associou a Jorge Polydoro e os dois fundaram a Verbo, que atuava na edição de jornais e revistas para empresas. "Um cliente importante foi o Sport Club Internacional. Fazíamos um jornal que era distribuído nas bancas e vendia bem, 10, 15 mil exemplares. Ganhamos o Prêmio ARI de Esportes com ele", recorda.

Como morre o jornalista

"Temos bons profissionais no jornalismo, mas eles não podem exercer um bom trabalho dentro das empresas, pois são os que menos contam na hierarquia delas. A submissão aos departamentos de marketing e jurídico mata o jornalista, que é obrigado a aceitar isso para se manter. E quando ele se acomoda a esse sistema, morre como profissional, que tem de ser inquieto, questionador", desabafa Bones, um atento crítico da mídia. Daí sua reflexão: "As notícias são as mesmas em todos os veículos, é global. Não há um enfoque local, a preocupação com o que acontece aqui e repercute em nossas vidas. O Brasil é um país imenso e não dá valor às publicações comunitárias. Todas as realidades tinham que ser mostradas."

Por acreditar que a realidade podia ser escrita de outra forma é que Bones participou da criação da Cooperativa dos Jornalistas e, mais tarde, seria um dos fundadores da Já Editores. Depois do CooJornal, onde ficou até 1980, o jornalista ainda passou novamente por A Platéia, de Livramento (que arrendou do antigo dono, junto a Kenny Braga e Danilo Ucha), do qual foi diretor por dois anos, e pela Gazeta Mercantil e também pelas revistas Amanhã e IstoÉ e o jornal O Estado de S. Paulo. Em certo momento, começou a achar o trabalho em redação desestimulante. Então, em 1988, fundou a Já Editores, movido pela necessidade de seguir trabalhando. "Dos caras que eu conheço, sou o menos capacitado a dirigir uma empresa, não gosto, nem tenho talento para isso. Eu faço como um enorme sacrifício", diz.

O trabalho na empresa é de tempo integral, quando está na Capital. É que hoje mora em Florianópolis, para onde costuma ir todos os finais de semana. Lá estão sua mulher, sua filha Ivone, estudante de artes cênicas, 27 anos, seus netos Iago, 6 anos, e Iasmin, 4, e seus cachorros. Apenas o filho Mariano, jornalista de 30 anos, está afastado. Mora na Alemanha desde o ano passado. A mudança para a ilha se deu porque na época Bones não via mais perspectivas de conseguir emprego em Porto Alegre. Na editora, Bones criou o Jornal Já. A princípio vendido nas bancas, de repente os jornaleiros passaram a relutar em aceitá-lo - "nunca entendi muito o porquê" - e a distribuição passou a ser gratuita, para o Bom Fim. Esse foi um processo lento, até que conseguisse se sustentar apenas com pequenos anúncios: "É que as agências de publicidade só pensam globalmente, não dão importância para o jornal de bairro", lamenta. Outros produtos da empresa são o site Ambiente Já, voltado para temas ambientais, e os livros, realizados graças às leis de incentivo à cultura, "que eu acho que não vão durar por muito tempo", alerta. Entre os que já foram publicados estão 'A Paz dos Farrapos', 'Pioneiros da Ecologia' e 'Histórias da Santa Casa', todos grandes reportagens, que o jornalista vê como uma saída para que a população tenha acesso à leitura, pois não têm a linguagem complexa dos romances ou dos textos acadêmicos.

Sossego em Floripa

É em Floripa que o jornalista relaxa e faz tudo que não tem tempo de fazer quando está no Estado. Gosta de caminhar na praia, pintar, ler e escrever. É um apreciador de música e gosta de estudar a respeito. Toca violão desde pequeno e entre os textos que escreve, estão composições. "Houve um tempo em que sonhei em ser instrumentista, mas quando vi que não seria o melhor dos músicos, desisti", brinca.

Já a pintura foi outra paixão que Bones descobriu: "É uma linguagem diferente, que nos força a utilizar mais partes do cérebro, termos outras visões e interpretações." Também curso de modelagem com Vasco Prado, diz que não chegou a entender muito de escultura, mas aprendeu a olhar. "Isso não se aprende em manual, tem que exercitar e é o que muitas vezes falta nos repórteres, que resolvem tudo por telefone ou releases. Esse jornalismo é muito frustrante", diz.

Aos 60 anos, Bones não pretende parar suas atividades profissionais. Primeiro porque não teria tempo de contribuição suficiente para se aposentar ("até joguei fora minha Carteira de Trabalho"), depois por achar que já descansa bastante hoje em dia. "Aposentadoria é uma humanização do capitalismo, coisa do século passado, que já vem sendo eliminada", acredita. Além disso, ele tem a mania de querer fazer mais coisas do que consegue, marcar muitos compromissos que não dá conta de cumprir. Aponta isso como um defeito, mas se justifica, dizendo que também é muito indolente e deve agir assim para se obrigar a fazer alguma coisa. Como qualidade, afirma que é bastante conciliador, contrariando o estereótipo do homem da fronteira. E batalhador, afinal segue em frente a uma empresa, sem ter vocação administrativa e reconhecendo que exerce uma "gestão errática". "Ninguém se atreve ou se dispõe em assumir a direção, então continuo aqui. Poucos de nossos planos se realizam, mas esses estão aí e dão certo". O mais novo projeto da Já é a versão online do jornal, que, se tudo der certo, deverá entrar no ar nesta semana.

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