Letícia Duarte: Jornalista puro-sangue

Gringa de Caxias do Sul que veio parar em Porto Alegre, Letícia Duarte conta sua trajetória pessoal e as maiores experiências no Jornalismo

Letícia Duarte | Crédito: Carlos Macedo
Por Gabriela Boesel
Filha mais nova de Maria de Lourdes e Nilton de Jesus, Letícia Duarte acredita que nasceu com duas missões: escrever e mudar o mundo. E foi no Jornalismo que ela encontrou a melhor maneira de unir esses dois objetivos. Com 35 anos, 15 dos quais dedicados à profissão, a jornalista já carrega no currículo 13 prêmios, sendo três da promoção mais cobiçada, o Prêmio Esso de Jornalismo. É difícil resistir ao encanto de Letícia, sempre espontânea e com uma animação contagiante. Entusiasma-se ao relembrar a trajetória pessoal, que muito se mescla com a profissional - afinal, foi como repórter que deixou a vida na Serra Gaúcha, em Caxias do Sul, onde nasceu, para enfrentar a grandeza da Capital, quando assumiu como repórter da editoria Geral de Zero Hora.
Enquanto fala, gesticula rapidamente com as mãos e sempre esboça um sorriso. Timidez passa longe de seu perfil, e, apesar de afirmar ser mais reservada, conta que a profissão a ajudou bastante no desenvolvimento de suas atitudes. E se pudesse definir sua personalidade em uma palavra, aposta em obstinação. Foi com esse posicionamento persistente que se firmou no jornalismo impresso ainda na época da faculdade.
Começou a carreira antes dos 19 anos, quando um professor a indicou para trabalhar no extinto jornal semanal Caxias Notícias. Meses depois, por indicação de uma amiga, foi parar no também caxiense Pioneiro, quando deu início à atuação no Grupo RBS e onde ganhou seu primeiro Prêmio Esso Regional Sul de Jornalismo. A partir daí, o gosto pela profissão só aumentou. "Acho que foi sorte de principiante", diz, acrescentando que carrega até hoje o mesmo lema desde aquela época: acreditar no papel social do jornalismo.
 
Atalho para a realização
Apesar das reviravoltas no começo da vida profissional, Letícia conta que sua trajetória foi traçada de forma natural. Seu maior sonho, morar em Porto Alegre, foi adiado por alguns anos ao não conseguir aprovação no vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Optou por cursar Jornalismo na Universidade de Caxias do Sul, o que não foi ruim, já que, mesmo estudante, foi contratada como repórter profissional no Pioneiro.
Foi ali na redação do jornal que ouviu uma dica que a levaria a se tornar "uma obsessiva compulsiva pelo trabalho", como reconhece, em tom descontraído. Após dois erros consecutivos, um colega lhe disse para sempre desconfiar das informações. "Ele dizia: "Letícia, desconfia sempre, desconfia de ti mesma". Hoje sou meio exagerada, mas isso tornou meu trabalho melhor". Nesta mesma fase, também recebeu um dos elogios marcantes, daqueles que acompanham a vida inteira: em uma comemoração da redação, o editor-chefe revelou que via na jovem "uma jornalista puro-sangue".
A oportunidade de se mudar para a Capital foi uma consequência do retrospecto vencedor no Pioneiro. Quem é visto é lembrado, e os prêmios ganhos no jornal do interior valeram o convite, em 2003, para participar da equipe de Zero Hora. Do início na Geral, foi para a editoria de Política, ao lado da colega Rosane de Oliveira, e logo passou a compor o time de repórteres especiais do diário. Hoje, também atua no Caderno PrOA, de cultura e debates, onde temas voltados à cidadania e ao social ganham destaque entre seus assuntos preferidos.
Exigente, acredita que ainda tem muito a realizar na carreira. De preferência, que sejam pelo menos semelhantes a dois momentos que conquistaram um lugar especial em suas realizações. O primeiro foi entre 2009 e 2012, período em que acompanhou um menino de rua e que resultou na grande reportagem Filho da Rua, ganhadora de todos os principais prêmios jornalísticos importantes do Estado e do País. "Quando ganhei o Esso Nacional por essa matéria, me convenci de que eu realmente sabia o que estava fazendo", comenta, sempre com seu tom direto e entusiasmado.
O segundo acontecimento memorável é recente. Ainda neste ano, acompanhou a saga dos imigrantes sírios, quando passou duas semanas peregrinando com uma família de refugiados. "Foi emocionante. Com certeza, um dos momentos mais desafiadores da minha vida", confessa, ao mesmo tempo em que confia que, possivelmente, outras histórias como essa virão, para enriquecer ainda mais seu currículo pessoal e profissional.
O que a inspira e move em trabalhos como estes são o que denomina de "espírito jornalístico". Nesta linha, Eliane Brum e Caco Barcellos lideram a lista dos nomes nacionais que servem de exemplo, mas, no topo, está sua mais nova paixão: Sheri Fink, do The New York Times, ganhadora do Prêmio Pulitzer pela reportagem "The Deadly Choices at Memorial". "Quero ser como ela quando crescer", brinca. Não por acaso, Letícia reconhece que encontra novas referências sempre que lê alguma reportagem que a sensibiliza.
 
2006, um ano sabático
A questão social sempre foi uma inquietação na vida de Letícia, o que a levou ao outro lado do Atlântico, para viver no pobre Moçambique durante o ano de 2006. Movida pela crença na realização de ações humanitárias, pediu licença no trabalho para se dedicar exclusivamente a um projeto social no país africano, onde deu aulas de português para crianças em uma escola pública.
A decepção foi amarga. "Eu fui católica para lá e voltei não católica", diz a jornalista, contrariada por ter visto "muitas coisas ruins em nome de Deus". Hoje, sua crença vai além de uma instituição e brinca dizendo que tem uma comunicação direta com algo maior.
O lado positivo é que a experiência africana a levou a entender que há diversas formas de ajudar a sociedade. "A gente pode estar em qualquer lugar para fazer o bem", declara, para logo acrescentar que, durante este ano sabático, fez as pazes com o Jornalismo. "Lá, caiu a ficha de que quem faz a diferença é a gente, independentemente de onde estiver." Voltou em paz, certa de que o Jornalismo é sua forma de contribuir para um mundo melhor.
 
Um filho, um livro?
Da infância, Letícia carrega uma lembrança que a faz acreditar que tudo tem a ver com o que realiza hoje. Lembra que costumava brincar com um liquidificador da mãe, que mais parecia uma máquina de escrever. "Desde cedo, tenho esse gosto pela escrita", conta. A jornalista se considera obstinada inclusive nos afazeres que não são profissionais. Nem quando está de folga consegue se desligar das funções atividades que envolvem a profissão. Aproveita para ler jornais e revistas quando não está andando de bicicleta na orla do Guaíba ou lendo um livro em um parque, atividades que figuram entre suas preferidas.
Tem também as aulas de ioga e as idas ao cinema, hábito que tenta manter, apesar das facilidades de assistir a filmes em casa. "O cinema te dá uma aura que eu gosto muito", diz. Não tem gênero predileto e sempre busca seguir os lançamentos melhor indicados pelos colegas que fazem as resenhas críticas. A música a acompanha, principalmente quando passeia - e aí gosta de todos os gêneros, com exceção de sertanejo. Torce para o Internacional por influência da família, e admite que, na infância, era mais antigremista do que colorada. "Cresci sofrendo bullying quanto a isso, porque o Inter não ganhava nada naquela época", recorda sorrindo.
Letícia passa longe da cozinha, uma espécie de trauma fácil de ser explicado. Por ter crescido com um irmão homem, sobrou para ela a execução de algumas tarefas domésticas, como arrumar a cama, por exemplo. Hoje, é enfática a respeito: "Não gosto e pronto". Chocólatra assumida, acha que tem paladar infantil por preferir lanches à refeição convencional. É verdade que, depois dos 30 anos, passou a incluir verdes na dieta de todo dia, mas confessa que segue sem ter hábitos saudáveis em sua alimentação, o que se aplica também às atividades físicas, que não pratica com a frequência desejada.
Há dois anos, Letícia namora o fotógrafo e colega de Zero Hora Carlos Macedo. O casal compartilha o apartamento com a gata Mia Couto, nome dado em homenagem ao escritor moçambicano, seu autor preferido. Antes, foi casada por cinco anos com o primeiro namorado, com quem dividiu a experiência na África. Filhos é um projeto para depois, um depois que talvez ainda esteja distante. Pretende realizar muito ainda no âmbito profissional e acredita que a maternidade é algo tão importante que necessita dedicação exclusiva. Então, prefere esperar. "Sinto que vou ter um filho um dia, e se não for biológico, será adotado. O filho tem que ser uma prioridade na vida e, quando chegar o momento, quero poder me dedicar somente a isso."
Não arquiteta planos para o futuro, pois crê no poder das reviravoltas que a vida dá. Mas se há uma coisa sobre a qual Letícia tem certeza é a de que sempre estará trabalhando. "Sou muito conectada, não consigo parar. É uma obsessão que me faz bem", conta, e acrescenta que pretende ainda escrever um livro. E, se o fizer, "não será por vaidade, mas porque terei bastante coisa para contar".

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