Ricardo Silvestrin : Mania de criar

Escritor, músico, professor e publicitário. Ricardo Silvestrin diz que faz sempre a mesma coisa em diferentes meios

Por Márcia Farias
Homem de muitas palavras. Escritas, na verdade, pois o publicitário Ricardo Silvestrin fala pouco, sorri bastante e se mostra tímido, mas um apaixonado por criar, seja da forma que for. "As pessoas acham que eu faço muitas coisas diferentes. Quando, na verdade, faço a mesma coisa em diferentes áreas. Crio com a linguagem." A frase explica as inúmeras atividades no meio da Comunicação. Aos 49 anos, é escritor com 14 livros lançados, entre poesias, romances, infantis e contos; é músico, vocalista da banda 'os poETs'; é professor da Unisinos há três anos, na faculdade de Cinema; e, por fim, mas não menos importante, é redator do Núcleo Institucional da agência Escala.
Encenar, criar, desenhar, ler. Todas foram atividades desenvolvidas na infância e para as quais Ricardo atribui a escolha pela Propaganda, área em que atua há 18 anos. Tudo isso não faz com que se considere um profissional realizado. Ele explica: "Acho que a vida é um processo. Temos que acordar sempre querendo fazer muitas coisas". Formado em Letras pela Ufrgs, em 1985, ele também lecionou no Ensino Médio, quando foi professor de Português, Literatura e Redação, por oito anos, no colégio João XXIII.
"Fui cursar Literatura para entender um pouco mais do que eu já fazia", diz, para, em seguida, contar que escreve e compõe há muito tempo. O primeiro livro, por exemplo, foi lançado aos 22 anos, e a primeira música ganhou letra ainda mais cedo, quando tinha 15. E é deste tempo que afirma vir a paixão pela área em que atua: a criação é a sua vida. "Acho que não sei fazer outra coisa. Ou melhor, sei consertar cano, por exemplo. Poderia ser hidráulico", brinca.
Criar, criar e criar
Quase duas décadas de atuação no mercado publicitário foram suficientes para Ricardo ter uma bagagem e tanto quando se trata de campanhas. São inúmeras, é verdade, mas tem algumas que são guardadas com mais carinho. Como as de lançamento da NET, que assinou na época em que trabalhava na extinta Upper. Aliás, a agência foi a primeira experiência no meio e a oportunidade veio da Literatura. Quando lançou um de seus livros infantis, a obra foi ilustrada por Cado Botega, na época, sócio-diretor da Upper e de quem partiu o convite para integrar a equipe.
Outras peças marcantes foram para a Volkswagen, quando teve a oportunidade, pela primeira vez, de criar um filme de veiculação nacional. Era 1988 e já estava na Competence, onde encarou o que considera o primeiro desafio: passar de redator para diretor de Criação. "Foi quando botei em prática minha forma de pensar, que é sempre ver o lado estratégico", recorda. O mesmo cargo ainda foi exercido na GlobalComm e, hoje, na Escala, onde pretende consolidar seu espaço, já que está há apenas três meses na agência.
Como diretor, tem contas e uma equipe para coordenar, mas a responsabilidade não o impede de agir como redator. "Gosto de botar a mão na massa e não apenas gerenciar os desafios", explica, para em seguida salientar que liderança sempre foi uma característica natural, desde os tempos em que era eleito líder de turma. "Nunca bati na porta de alguém e disse 'quero ser diretor'. Os convites apareceram e eu aceitei", resume.
Para criar, Ricardo diz que a inspiração vem do gosto por pensar as possibilidades dentro da linguagem. Segundo ele, não é nada que venha de fora, "é o que tiver à mão para criar". E completa: "Trabalho com a cabeça e as palavras". A certeza de estar no caminho certo vem, especialmente, de uma direção: o retorno positivo dos clientes.
Dois lados: o bom e o ruim
Ricardo já teve alguns lemas como guias no trabalho, e atualmente pensa sempre na mesma frase: "A resposta do problema está dentro do problema". Segundo ele, é necessário abrir a compreensão da dificuldade para perceber que a resposta não está em alguém ou em algum insight externo, como diz, e sim na própria questão a ser trabalhada. A maneira de enxergar os desafios e a paixão por criar lhe renderam, há alguns anos, um elogio que recorda com satisfação. Quando fazia dupla de criação com Luis Giudice (hoje, sócio-diretor da GlobalComm), ouviu dele: "Cara, tu tens um enorme talento". Simples assim, mas suficiente para ser marcante.
Como nem só de elogios vive um publicitário, menos ainda no setor criativo, há também as críticas - que, como ele reconhece, são um fator obrigatório com o qual se deve conviver. "Nós criticamos a ideia quando ela chega; o diretor de Criação critica o trabalho; o Atendimento critica; o diretor de Atendimento critica; o dono da agência critica; o cliente critica; e a equipe dele critica. É um mal necessário", acredita. E também entende que ter senso crítico é essencial para o processo todo, mas confessa: "Gosto mesmo é de elogios".
Longe da Propaganda
Filho do vendedor Alcides e da cabeleireira Ilda, o porto-alegrense de nascença é o caçula de mais dois irmãos - Roberto e Roseli -, com os quais diz ter uma boa parceria desde pequeno, pois os mais velhos sempre o acompanharam em suas conquistas - esportivas, musicais, na literatura, o que for. Ricardo sempre foi louco por futebol e a lembrança mais forte da infância é justamente a de praticar o esporte o dia inteiro. Gosta tanto, que não joga mais. Estranho? Talvez, mas é que ele entende que a idade e a falta de tempo são fortes limitadores. "Não gosto de jogar para ficar com dores ou para brincar. Gosto de jogar de verdade." Na juventude, chegou a integrar uma equipe amadora, o Vila Federal, do bairro Menino Deus. Como torcedor, é gremista, e atribui a escolha a um tio, que o apresentou ao time tricolor, já que o pai é paulista e, com isso, palmeirense.
Casado há 25 anos com a psicanalista Carla, ele a resume com entusiasmo: "Ela é o máximo". Da união, nasceram Carolina, de 23 anos, formada em Cinema, e Leonardo, 14, que gosta de desenhar e tocar teclado. Ou seja, a prole segue os passos do pai. Os dias de folga são preenchidos, como era de se esperar, pelas Artes que fazem a vida de Ricardo: gosta de ir ao cinema, ler e ouvir música. Tudo isso com a companhia da família, então, fica melhor ainda. Faz questão de se manter presente entre os filhos, por isso almoça em casa, leva e busca o mais novo no colégio, entre outras atividades cotidianas. "Não quero ser como algumas pessoas que dizem não ter visto seus filhos crescerem. Eu vi." Ter tempo para tudo isso, segundo Ricardo, é fácil, pois é apenas uma questão de se regrar. Ele diz que pode desenvolver muitas coisas durante o dia todo: "Tenho a manhã toda e a tarde toda para isso. É suficiente".
Entre paixões
Música, cinema e livros. Estas são as atividades que fazem Ricardo viver tranquilo. A primeira foi herança de família: "Minha mãe cantava, sempre fomos a festas para dançar, na minha casa sempre tocava algo. Gostava de ouvir, de conferir as letras, de ter discos de bandas preferidas. A música sempre esteve presente", conta o publicitário, que toca um pouco de violão, mas que tem na voz seu verdadeiro forte. Além das músicas próprias, rock, jazz, samba e música popular brasileira fazem bem aos ouvidos. O que a banda toca? Para explicar ele cita o nome do primeiro CD: "Música legal com letra bacana. Isso explica o nosso estilo. Independentemente do ritmo, gostamos de música." Ronald Augusto e Alexandre Brito são os companheiros do grupo.
Na Literatura, gosta do que escreve. Os mais lembrados são os dois adultos de poesia, que receberam prêmio Açorianos - 'Palavra mágica' e 'O menos vendido' -; o de contos intitulado 'Play'; o romance 'O videogame do rei'; e o infantil 'Pequenas observações sobre a vida em outros planetas', que já vendeu 50 mil cópias. Aliás, muitos de seus títulos estão esgotados e relançá-los faz parte de seus planos próximos. Claro que não lê apenas suas obras. Gosta basicamente de poesias, seja ela nacional ou estrangeira, e cita o pernambucano Manuel Bandeira como autor preferido. Na sétima arte, resume os favoritos como "os de bom roteiro" e isso inclui filmes de Woody Allen e Michelangelo Antonioni, por exemplo, além do cinema italiano e argentino no geral. Algum gênero que não vê? "Sim, a maioria", brinca, explicando que é muito seletivo neste aspecto.
Todas estas paixões são explicadas com um argumento: "Sou curioso e foi isso que sempre me levou a querer conhecer mais e fazer mais". Transformar esta curiosidade em palavras é um desafio diário para quem cria em tantas áreas. Apesar da diversidade em que atua, ele defende que o lápis é sua principal ferramenta. O futuro? Sem muitas ambições. "Quero seguir criando, lançando livros e fazendo shows. E desejo que tudo isso tenha cada vez mais repercussão."
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