Marne Barcelos: Aula de vida

Comunicador da Rede Pampa atua no mercado há mais de cinco décadas

Marne Barcelos - Jonas Adriano/Rede Pampa

Admirado pelos colegas da Rede Pampa, que tecem elogios pelos corredores do grupo, Marne Barcelos é uma aula de conhecimento, tanto nos microfones, quanto longe deles. Durante a conversa, carrega um livro de filosofia que deseja levar à gravação do 'Atualidades Pampa' - programa da TV Pampa do qual participa e seria transmitido logo mais. De um assunto a outro, vai emendando fatos curiosos sobre cada um deles, desde uma visita à África até a falha da implementação de um português universal para todos os países da língua.

Com tanta bagagem, não é à toa que pode ser considerado uma "aula ambulante". Começou a estudar História em uma universidade carioca, porém até hoje se arrepende de não a ter concluído. "Para quem quer conhecer o mundo, tem que estudar sobre o passado", diz. Mas não acredita na fama de sábio que possui e cita o filósofo Sócrates: "Só sei que nada sei". Segundo ele, quem acredita que tem muito conhecimento não busca se informar mais. E, para isso, alerta sobre a importância da leitura.

Sem livros prediletos, conta que o favorito é o que sempre está consumindo no dia -  apesar de confessar ter o costume de começar uma obra sem acabar outra. O hábito é creditado à mãe, Rosalina, que era dona de casa. A matriarca dava um livro para ele ler e, quando o pequeno Marne dizia que já tinha acabado, pedia para o filho contar a história. "O problema é que não tinha lido. Então, ficava de castigo até realmente ler toda a obra e narrá-la", recorda. Hoje, acredita que pode contabilizar de 1.500 a 1.600 títulos lidos.

Rádio e televisão

Com 55 anos de carreira, Marne não tem diploma de Jornalismo. Afinal, quando começou a trajetória no rádio, não havia ainda a oferta desta graduação no Rio Grande do Sul. Autodidata, inclusive, quando o então reitor da PUC, Irmão Otão, criou a Famecos e implementou o curso, foi convidado a lecionar em algumas aulas sobre radiodifusão.

A primeira vez que falou ao microfone foi aos 16 anos, em um serviço de carros de som, para ver se arrumava uma namorada. Acabou pegando gosto e, aos 18 anos, tornou-se locutor comercial da antiga rádio Novo Hamburgo, hoje Farroupilha. Lá, narrava as notícias do Repórter Esso. Um ano depois, estava à frente do Correspondente Renner, na rádio Guaíba. Ao ingressar como locutor de cabine na TV Gaúcha, atual RBS TV, precisou optar por uma das mídias. "Disse que gostaria de trabalhar com veículo vivo e não de cego - pois, nas rádios, o pessoal só te ouve", rememorou.

Enquanto atuava na telinha, gravou diversos comerciais e, conforme Marne, na época foi o locutor que mais executava esta função. Contudo, não conseguiu ficar longe da radiodifusão por muito tempo. Após um período afastado, regressou ao meio como diretor da rádio Farroupilha. Mas ele queria mais. Tinha aspiração de ser dono de um veículo. Foi por isso que comprou uma rádio, a FM Caxias, e realizou o sonho. Tempos depois, vendeu-a para Otávio Gadret, em troca de uma rádio da Capital.

Ao perceber que já havia feito tudo o que poderia em Porto Alegre, enquanto estava na TV Pampa, aceitou um convite para ser diretor da rádio Capital São Paulo. De lá, foi para a TV Record apresentar o matutino 'Nova Mulher'. Também atuou no Rio de Janeiro nas rádios Globo e Tupi. Neste meio-tempo, visitava muito Portugal e conheceu o dono de uma gravadora que precisava de um locutor para gravar 25 minutos por dia para ser transmitido nos países de língua portuguesa.

Passou quase três anos lá. "Mas sempre tive muita saudade, apesar de ser gaudério, sabe? Esse é o Maverick (personagem fictício) dos norte-americanos, que gostava muito de viajar e conhecer pessoas", comenta. Após, retornou ao Brasil direto a São Paulo para, tempos depois, regressar à capital gaúcha. Em solo porto-alegrense, retornou à Rede Pampa, onde está, desde então, há 12 anos. "Sou amigo do Otávio (Gadret) há 51 anos, a quem sempre fui imensamente grato pelas oportunidades que me foram proporcionadas", relata.

Momentos fantásticos

Ao resgatar a carreira, comemora que viveu momentos fantásticos, a exemplo de quando entrevistou o ex-presidente Fernando Collor de Mello após o impeachment sofrido pelo político. O diálogo, realizado para a carioca rádio Tupi, teve grande repercussão na época. Também teve a oportunidade de conversar com outros chefes de Estado, como Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.

A história com políticos não se limitou a essas conversas. Isso porque comandou um programa de rádio ao lado de Leonel Brizola, no Rio de Janeiro, o que o levou a se tornar grande amigo do fundador do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Outro acontecimento marcante foi a primeira vez que a rádio Farroupilha conquistou o primeiro lugar no Ibope, momento de grande alegria.

Se acha muito brincalhão, além de confessar que fala muita bobagem. Para exemplificar, recordou que tinha a mania de dizer "a umidez", ao invés de "umidade". Certa vez, disse no ar- o que gerou espanto a ponto de congestionar as linhas da rádio Tupi. Outro momento engraçado da carreira ocorreu na rádio Globo quando lia um noticiário da emissora. Jovem, Marne ria de tudo, mas precisava ser sério no ar. Entretanto, certa vez, os colegas, para brincarem com ele, largaram um pato no estúdio. "Quando o animal emitiu seu som característico, 'quack', não me segurei e comecei a gargalhar no ar", disse, divertindo-se. Conclusão? O programa foi interrompido e saiu do ar.

Entretanto, também tiveram passagens decepcionantes. "Às vezes, achas que farás um programa muito bom e não dá audiência, ou então achas que é uma porcaria, mas acaba estourando", comenta. Para ele, o rádio sempre foi e segue sendo o veículo mais importante. "O grande problema é que pulverizou e há muitas emissoras."

Além dos livros e microfones

Divorciado e com quatro filhos, Luciano, Ana Luisa - a quem queria registrar com Z, mas não era permitido na época -, Rodrigo e Bárbara, aos 70 anos tem três netos. O mais velho, Deivide, tem 24 anos, enquanto o do meio, Tiago, está com 18, além da caçula, Manuela, de oito. Brinca que sua rotina é um regime semiaberto, pois trabalha todo dia. Raramente viaja, mas quando consegue, vai à praia uma ou duas vezes por mês para tomar uma cervejinha. Ainda, gosta de visitar a cachorra que tem, uma pastora alemã, mas que mora com uma das filhas. "Posso passar dois meses sem vê-la, mas quando chego, logo vem me fazer carinho e festa", conta.

Com o hábito de todos os dias pela manhã agradecer a Deus em frente à imagem de Nossa Senhora de Fátima, relata que já foi católico, contudo, hoje diz que não segue nenhuma religião - apesar de também não se considerar ateu. Marne acredita que há uma força superior que nos rege e guia, assim como crê no destino. "Livre arbítrio não existe, toda a nossa vida já está traçada", reflete. Colorado, mas não fanático, estudou Astrologia durante alguns anos. Não acredita em horóscopo diário, mas nas características que são ditas como particulares de cada signo.

Para ele, a maior qualidade é ser amigo de seus amigos, enquanto pensa que o defeito é falar demais em certos momentos. Como lema de vida, parafraseia a atriz sueca Greta Garbo: "A vida seria tão maravilhosa se nós soubéssemos o que fazer com ela. Mas se soubéssemos, o que faríamos com ela?". E não são só de frases que admira nos atores. 'O Vento Levou' é o favorito de quem possui uma coleção com 1.500 obras cinematográficas. Em relação à música, adora o gênero Clássico, bem como o músico norte-americano Frank Sinatra.

Dificuldades e sucesso

Nascido em Porto Alegre, o irmão mais novo de Marli não teve uma infância e adolescência fáceis. Enquanto a mãe faleceu quando tinha 13 anos, e dois anos depois foi a vez de perder o pai, Antônio, que era operário de uma fábrica de armas, a Taurus.

Ao ir viver com uma tia, a maior preocupação da época era continuar estudando, arrumar um lugar para ficar e comer. Entretanto, Marne não enxerga só o lado negativo. Para ele, talvez todos esses percalços o deram um pouco de estofo para seguir a vida. "Quando se ganha tudo de mão beijada, aí fica fácil", pondera.

E é exatamente devido a essa luta e ao desejo de nunca parar de estudar e transmitir conhecimento que possui, a razão de ter construído sua própria história de vida. Trajetória essa tão admirada por telespectadores, ouvintes e colegas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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