Marques Leonam: Mestre que ilumina

Aliou sabedoria e irreverência e hoje é um dos professores mais respeitados pelos alunos do Jornalismo da PUC

Com 40 anos de experiência no Jornalismo, Marques Leonam, natural de Alegrete, iniciou sua carreira no Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro, antes de ingressar na Folha da Tarde, onde ficou até encerrar sua vida nas redações. Hoje, com 65 anos, ele é um dos mais admirados professores da Faculdade de Comunicação da PUC. Devido ao seu carisma e à sua experiência, é conhecido entre os seus alunos como o ?Mestre Leonam?. "O Jornalismo mudou minha vida. Me fez ver o mundo de uma maneira completamente diferente. E é essa a função do repórter: Colocar um holofote nas coisas e iluminá-las para o leitor", considera.


Nascido no interior da Campanha gaúcha, cresceu acostumado a ler as revistas do pai, até que chegou o momento de escolher uma profissão. A primeira opção foi a Medicina. "Eu lia de tudo, nem que fosse só pra procurar mulher pelada. Meu pai assinava e comprava todas as revistas da época, da Cruzeiro ao Pato Donald, mas não sei se foram elas que me encaminharam para o Jornalismo. No momento, eu nem pensava nisso. Naquele tempo, quem não tirasse Medicina não estava com nada", salienta.


Após ser reprovado nas primeiras provas para o curso, em 1965, resolveu listar todas as profissões possíveis e ir por sistema de eliminação. Foi quando se encantou com o Jornalismo. "Eu não passava em Medicina, pois não sabia química. E se não sabia era porque não gostava. Para o Jornalismo, estudei feito um louco, mas sempre alegre", explica. Em 1967, ingressou na Faculdade de Comunicação Social da PUC, onde se formou em quatro anos.


Durante o curso, resolveu tentar a sorte no Rio de Janeiro. Viajou para a cidade e bateu na porta do Jornal do Brasil procurando o chefe de reportagem. Como não tinha horário marcado e muito menos era conhecido pelo responsável da época, foi barrado logo na portaria. "Fiquei desesperado. Saí daqui com fanfarra dizendo para a minha turma que ia estagiar no JB e não me deixaram nem entrar", lembra. Passados dois dias, tentou novamente e convenceu o porteiro a deixá-lo entrar. "Cheguei anunciando que era do Alegrete e que queria trabalhar. Ele não sabia nem onde ficava Alegrete e me passou para o secretário da redação. O secretário também não conhecia Alegrete e disse que não tinha como me pagar. A minha resposta foi que eu até pagaria para trabalhar". Foi aceito como estagiário não-remunerado e ficou dois meses acompanhando os repórteres em suas saídas de campo. "Foi esse período que me deu o pique da reportagem. Era lá que eu via minha ingenuidade de iniciante e aprendia com a esperteza deles", revela.


Uma vida na redação


De volta a Porto Alegre, ainda na faculdade, foi fazer um teste para entrar na Folha da Tarde. Ele consistia em elaborar uma matéria de opinião, responder a uma prova de cultura geral e fazer uma reportagem sobre as vendas de Natal. Leonam e outros 27 candidatos espalharam-se pelas ruas da Capital atrás da matéria que poderia render uma vaga no jornal. "Em cada loja que eu chegava, meus concorrentes estavam entrando ou já tinham saído. Assim ia ficar tudo igual. Resolvi entrar em uma confeitaria, pedir um guia telefônico e ligar para o presidente do Clube (hoje Câmara) dos Diretores Lojistas. Eu nem sabia quem ele era, mas descobri que estava por perto. Falei com ele e fiquei sabendo que as vendas estavam tão boas que os lojistas iam começar a investir em ?cérebros eletrônicos?: o computador". Graças à estratégia, Leonam passou no teste em um sábado, ainda teve sua matéria publicada na segunda e, ao final de um mês de estágio, foi contratado.


Iniciou em um caderno de ensino, depois se fixou na editoria de Geral da Folha. "Foi aí que eu descobri o mundo. Sempre quis fazer Geral, pois uma hora estava entrevistando um deputado, em outra escrevendo sobre buraco de rua, em outra sobre carnaval ou vestibular e assim por diante. Já até voei de planador", enfatiza. Entre as principais matérias, destaca uma que falava sobre a insalubridade no trabalho. Por uma semana, acompanhou funcionários de uma mina em Butiá e descobriu uma doença particular da categoria: a pneumoconiose, falta de elasticidade no pulmão ocasionada pela inalação de poeira de carvão.


"Nessa mesma linha apareceram coisas incríveis. Fiz uma matéria sobre acidentes no trabalho e fiquei sabendo de um cara que vinha pela estrada e uma vaca caiu no teto do carro. Ele passou por uma rodovia entre morros, o bicho se assustou e despencou lá de cima. Vi uma empresa que colocou relógio-ponto no banheiro, para descontar o tempo não trabalhado. E teve também um bancário que surtou com o salário no final do mês e gastou tudo em pombas. Depois soltou todas na Praça XV", recorda. As histórias são muitas, mas Leonam recusa a idéia de reuni-las em um livro. "Eu acho que já escrevi tanto que saciei minha vontade. Minha mulher até me cobra, mas esta hipótese está descartada", informa.


Sua história na Folha da Tarde durou até 1982. "Eu me demiti por várias razões. Uma delas é que eu estava entrando na crise dos 40 e começava a pensar ?Onde estou? O que eu faço aqui? Ninguém me ama, ninguém me quer?. Achava também que a minha parte no Jornalismo já tinha sido feita", declara. Como tinha acumulado economias, resolveu tirar longas férias. "Decidi que ia viver na vagabundagem por um ano. E descobri como ela é maravilhosa, pois eu trabalhava feito um cão e quando parei entrei em êxtase", ironiza. Mas a boa vida durou seis meses, até ser convidado para lecionar. Aceitou e há 25 anos dá aula de Redação Jornalística na PUC.


Leis Leonam


Em suas aulas, ele aplicou regras que chama de ?Leis Leonam?. A principal delas é a ?O repórter não é um ingênuo?. "Ou o cara é repórter ou é ingênuo. É a mesma coisa que um padre ateu. Não dá. Ou ele é padre ou é ateu", grifa. O bom-humor também está presente em suas leis. A regra ?É proibido adjetivar? é explicada pelo professor da seguinte maneira: "Se eu volto da Festa da Bergamota e escrevo que estava maravilhosa, não estou dizendo nada. Mas se eu voltar dizendo que havia uma lagoa do tamanho da Baía de Guanabara, com jovens praticando windsurf em ondas de oito metros de altura de calda de laranja de umbigo, o leitor irá tirar suas próprias conclusões". ?Ter certeza da grafia do nome do entrevistado? é mais um mandamento do repertório. "Mesmo que minha fonte se chame José da Silva, eu faço questão de perguntar a grafia. Pode ser que seja Jooszeh da Syllwa", descreve divertido. "Se eu escrevo o nome errado, no outro dia ele pode dizer que eu não o entrevistei", completa.


Aulas envolventes


Ele praticamente encarna um personagem para divertir seus alunos. O egocentrismo e o bairrismo são as características da ?falsa personalidade? que mais fazem sucesso entre os estudantes. Uma das pérolas é derivada de seu extenso nome. "Vejam só: Marques Leonam Borges da Cunha deveria ser nome de rua, avenida ou estrada. Melhor, deveria ser o nome da primeira travessia aquática do Guaíba. Já pensou? Travessia Professor Marques Leonam Borges da Cunha. Mas eu não farei isso sozinho, serão meus alunos que terão que mentir bastante por aí para concretizar este título", sonha. Outro ponto alto das aulas é o momento em que resolve exaltar sua cidade natal. Para ele, Uruguaiana, Livramento ou Bagé pertencem à "Grande Alegrete". "Alegrete é tão desenvolvida que temos até metrô. Fica ali no Bairro Buenos Aires. O problema é que até hoje brigamos com os gringos pelas Malvinas", diverte-se.


Já o Leonam ?de verdade? é de uma humildade incrível. Ele cria laços de amizade com o aluno e o auxilia com seriedade e exigência, mas com muita paciência e serenidade. Na hora da avaliação, a frase mais temida é a ?Já usastes antes?. Quando revisa as matérias feitas, risca toda a folha com recomendações e correções. As palavras repetidas são circuladas, ligadas e recebem o selo ?Já usastes antes?. A preocupação é tanta que, para escapar da bronca, um aluno já chegou a usar a expressão ?Lar doce Residência? em um texto. As relações entre o professor e seus discípulos não terminam na sala de aula. Nos corredores e no saguão da faculdade, ele faz questão de cumprimentar calorosamente cada aprendiz que encontra e está sempre disposto a ajudar no que for preciso. "Meu objetivo é dar ao aluno o que eu queria quando era estudante. Ao invés de deixar que ele aprenda na marra, já como profissional, eu tento queimar etapas e mostrar agora o que eles precisam saber lá na frente", descreve.


Reconhecimento


Ao longo de mais de duas décadas lecionando na PUC, Leonam contabiliza mais de 20 participações como paraninfo de formaturas. "Sou do tipo modesto, mas se tem algo de que me orgulho é isto. Se eu ainda estou sendo convidado, com a idade que tenho, é porque alguma coisa eu ainda tenho a dizer. Já me disseram que eu era o pai dos alunos da Famecos. Esse tipo de coisa é muito carinhosa. Com tanto professor bom por aí, me pergunto por que eu", emociona-se.


Casado há 29 anos, tem um filho de 24, estudante de Educação Física. A leitura continua sendo a maior diversão do professor. "Quando meu filho tinha cinco anos, minha mulher viajou com ele e em determinado momento, com saudade, perguntou a ele o que eu devia estar fazendo. Ele respondeu que eu devia estar lendo o jornal", relembra. "Não precisa ser nada sofisticado, mas eu preciso estar sempre lendo alguma coisa, nem que seja fazendo palavras cruzadas", esclarece. Além da leitura, seu hobby se concentra nas viagens. "Gosto muito de viajar, principalmente para o Uruguai, pelo qual sou apaixonado e conheço quase que de ponta a ponta", destaca. O cinema também tem espaço em suas preferências. "Se tem algo que pode me roubar da leitura, é o cinema argentino", declara.


"E é esse tipo de coisa que me leva pra frente. O fato de que eu não sou um acomodado. Estou motivado e quero encher meus alunos de gás. Já era para eu estar na cadeira de balanço, mas a vida não acabou, ela está começando. Ensinar a ser repórter e a fazer jornalismo é maravilhoso, pois é uma profissão incrível. O mundo fica mais claro e iluminado com o trabalho do repórter", destaca.

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