Nilson Mariano: Dos gibis à reportagem

Nascido no Dia do Repórter, ele acumula prêmios de reportagem, a maioria delas sobre a ditadura militar

Tímido e reservado, Nilson Mariano, 51 anos, nem de longe lembra o experiente repórter de Zero Hora. Ele já fez greve pelos direitos da categoria, trabalhou de forma "ilegal", na época em que o diploma era obrigatório, e acumula mais de 40 prêmios de Jornalismo, entre eles Vladimir Herzog, Esso, ARI e Direitos Humanos. Calma, não estamos falando de pessoas distintas. Quem esclarece a questão é o próprio Mariano. "Sempre fui tímido, mas quando estou entrevistando a timidez desaparece", diz, explicando que não se sente muito à vontade no papel de entrevistado.
Um apaixonado por histórias em quadrinhos, Mariano soube desde cedo a profissão que queria seguir. Ávido pelas aventuras de personagens como Peter Pan, Tarsan e Zorro, quando criança esperava ansioso pela chegada de novos gibis na banca de jornais próxima de sua casa, em Candelária, interior do Rio Grande do Sul. "No começo eu lia tudo de uma vez só, depois criei o hábito de ir lendo aos poucos, para saborear mais", conta.
Como na época aparelho de televisão era raro na cidade, ele acabava se entretendo mais com os quadrinhos e as idas esporádicas ao único cinema do pequeno município. "Ficava tão impressionado com os filmes que, por um bom tempo, acreditei que as cenas eram verdadeiras. Sofria com a morte dos personagens", recorda sorrindo.
Em pouco tempo migrou para os livros e, depois que descobriu a Biblioteca Pública de Candelária, tornou-se frequentador assíduo do local, tendo Herman Hesse como um de seus autores preferidos. "Meu pai costuma dizer que meu gosto pela leitura está relacionado ao fato de ele ter lido todo Os Sertões, de Euclides da Cunha, quando a minha mãe estava grávida", conta.
Seus primeiros escritos, porém, resumiram-se a contos jamais apresentados a leitor algum. "Foi só uma aventura", explica. A produção textual era feita em uma máquina de escrever comprada com suas próprias economias nos tempos de juventude. Aventura ou não, Mariano nasceu no Dia do Repórter, 16 de fevereiro, e, a julgar por sua produção e reconhecimento no meio, a coincidência pode até ser vista como um indício da vocação.
A ditadura como pano de fundo
Filho do bancário Nilson Alvez e da dona de casa Jandira, o jornalista chegou a transitar pelo universo financeiro. Com a ajuda do pai, trabalhou no Unibanco logo em seus primeiros tempos em Porto Alegre. "Foi o jeito que encontrei para pagar a faculdade", revela. Mas, como já havia experimentado os hábitos da reportagem - trabalhou por um ano no jornal de Lajeado antes de mudar-se para a Capital -, não conseguiu permanecer por muito tempo na atividade bancária.
Já em sua primeira grande matéria, na época pela Folha da Tarde, foi contemplado com a conquista de um Prêmio ARI de Jornalismo (da Associação Riograndense de Jornalismo). "Consegui entrar nos presídios do Estado e revelar o inferno em que vivem os presos", lembra. Bem entrosado com assuntos da ditadura militar, Mariano acabou conduzindo sua carreira mais por esta área. "Eu nunca entendi por que eu acabei indo mais para essas bandas. Não tem ninguém na minha família ou amigos que tenham sido vítimas do regime militar. Acho que foi a curiosidade mesmo", explica.
O período acabou sendo o pano de fundo de Garras do Condor, seu primeiro livro solo com versão em espanhol e português. "Esbarrei com o assunto quando estava cobrindo as primeiras eleições democráticas no Paraguai após a ditadura de Alfredo Stroessner. Daí, comecei o processo de pesquisas e entrevistas pelos países da América Latina envolvidos, fato que defini como travessia de camelos", recorda. O resultado das viagens foi uma série especial na Zero Hora sobre a Operação Condor, posteriormente, a publicação do livro, em 1998, na Argentina.
Repórter em tempo integral
Profissional dedicado, no tempo em que produzia sua obra, Mariano passava dias inteiros, incluindo fins de semana e feriados, em função da escrita. Quem não gostava muito eram a esposa Suzana, 44, e o filho Felipe, 25. "Mas eles entendem que isso é minha paixão. Não esperava escrever um livro, a decisão foi tomada ao longo do percurso."
Formada em Direito, Suzana é servidora pública do Tribunal Regional Federal da 4ª região (TRF4), o que inclui uma rotina muito diferente da do marido. "Ela sabia que seria assim quando casamos, sempre respeitou e apoiou muito o meu trabalho", comenta. Quando não está trabalhando, o casal gosta de sair para viajar. Juntos há 25 anos, eles têm planos de ampliar as viagens a dois. "Agora que o filho está criado e a casa paga, temos mais tempo para nós", comemora.
No dia-a-dia, Mariano chega às 11h na redação e, "quando dá", encerra suas atividades por volta das 20h. Atualmente envolvido com a série especial de ZH, 52 histórias, admite que gostaria de ter tido mais tempo para acompanhar o crescimento do filho. "Perdi muito aniversário e festinha de escola", lamenta. Influenciado ou não, o filho acabou optando por seguir os passos da mãe. Também graduado em Direito, prepara-se para ser delegado. "É uma profissão de risco, mas se é isso que ele quer, eu vou apoiar."
Movido pela curiosidade
A produção de Garras do Condor despertou no jornalista a paixão pela História, fato que o levou a cursar mestrado na área. Hoje, o hábito de leitura, que antes era ocupado por romances, dá lugar a novos temas. "Neste momento estou me dedicando à Revolução Francesa", conta. Como não podia deixar de ser, a dissertação de mestrado passou pela ditadura. Mariano escreveu sobre o sequestro de seis argentinos do Grupo Montoneros, ocorrido no Brasil nos anos 80.
Mesmo realizado com a profissão que escolheu, confessa que ainda fica muito mal quando comete algum erro. Carrega a lição de que uma história sempre tem dois lados, já derrubou um montão de pautas por achar que não seria bom para os envolvidos e deixa claro que, antes de tudo, tenta preservar a integridade das fontes. A satisfação está, segundo ele, em perceber que sua reportagem foi útil para a vida de alguém. "O melhor do Jornalismo são as possibilidades que ele te dá de conhecer pessoas e fazer amigos, sou muito agradecido por isto. Ser repórter me faz ver o mundo com maior inquietute. Sou movido pela curiosidade."
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