Claudinho Pereira: O DJ da Santa Ceia

Primeiro disc-jockey de Porto Alegre, ele carrega ainda as carteiras profissionais de jornalista, radialista e cineasta

13/07/2007 00:00

Criado no Bom Fim, reduto boêmio de Porto Alegre, entre festeiros casais alemães, Claudinho Pereira logo descobriu seu tino musical. Ele nasceu a 25 de maio de 1947, e tinha uns 14 anos quando começou a discotecar nas festas de garagens organizadas pelos vizinhos, no início da década de 1960. Em seguida, já fazia isso profissionalmente, na primeira casa noturna de dançar separado da Capital: a Crazy Rabbit, de Carlos Heitor, no mesmo bairro. "Tinha quatro lâmpadas - uma amarela, uma vermelha, uma verde e uma azul - que piscavam graças a um ferro que ia fechando os contatos das luzes, porque não existia nem chave dial", lembra: "Os músicos não gostavam, achavam que ia acabar com o mercado deles".

De lá para cá, passou por mais de 60 boates, entre elas, Baiúca, Encouraçado Botequim e Dhomba, onde atualmente comanda a festa Todos os Ritmos, voltada ao público "semi-novo rodado em asfalto, que sempre faz mais viagens", como diz. O fato de ser o primeiro disc-jockey da cidade rende brincadeiras, encabeçadas pelo próprio: "Fui o DJ da Santa Ceia! Só não saí na foto porque Judas me pediu para buscar o vinho bem na hora? Esta peruca aqui [refere-se aos longos cabelos brancos presos por uma trança] é de quando eu fiz som na Idade Média. Ganhei esta peruca que eles usavam, que já vem com a trança, e uso até hoje". Entre a Santa Ceia e o Dhomba, surgiu o rádio. Foi tudo muito rápido. No final dos anos 60, já comandava um programa de jazz na Itaí FM. Depois, foi produtor de Ricardo Campos e, com Cascalho, organizou o Baile dos Magrinhos, em contraponto ao Baile da Pesada no Rio de Janeiro, do DJ Big Boy.

Multimídia

Na Rede Cidade, assumiu um novo desafio. Além de fazer seleção musical, foi coordenador nacional de Promoções, o que o obrigava a estar sempre viajando para o Rio. "Era a rádio mais inovadora. Não tinha comunicador e operador, era o mesmo cara que fazia os dois", conta. Após oito anos na emissora, recebeu a intimação de Nelson Sirotsky para ir para a Atlântida. "Um dia ele me liga e diz "ou tu vem ou vou comprar prédio e tudo da Cidade e te botar na rua". Brincadeiras à parte, eu fui, né!", diverte-se. Sua missão foi criar um departamento de Promoções, que acabou dando origem ao Planeta Atlântida e outra série de ações para as rádios do Grupo RBS. Hoje, ele responde pelos vídeos institucionais das rádios na TV: "Sou conhecido como disc-jockey, mas tenho 12 prêmios internacionais em Cinema". E para comprovar que é mesmo cineasta, abre a carteira e tira de lá não apenas o documento profissional da categoria, como os de jornalista e radialista.

Claudinho formou-se a duras penas em Comunicação Social pela Ufrgs. Isso porque trabalhava à noite e ainda tinha que arranjar tempo para estudar. "Era uma loucura, mas eu sou geminiano e acho tempo para tudo. Não faço só uma coisa, tô sempre fazendo cinco, seis, sete, oito?", diz, místico. Embora não tivesse intenção de seguir carreira no Jornalismo - queria mesmo era ser radialista -, atuou em noticiários na televisão. Foi produtor dos programas Agenda, na TV Piratini, e Porto Visão, na Difusora, e diretor de outras atrações na Guaíba. Mas sua estréia em televisão foi como caboman, na primeira transmissão a cores da TV brasileira, direto da Festa da Uva, em Caxias do Sul. Atualmente, além dos vídeos das rádios, atua como free-lancer no Núcleo de Especiais da RBS TV e em outras emissoras, como a GNT.

Cinco, seis, sete, oito? projetos

O último trabalho que dirigiu para a televisão foi o episódio "Cartas da Ilha", da série da RBS Histórias Extraordinárias, que foi selecionado para integrar as mostras do DOC Lisboa e do Festival de Havana. "Vêm mais projetos por aí, que estou colocando na Lei de Incentivo à Cultura, como os curtas "O Poço" (ou "De Profundis"), também com roteiro do Rafael [Guimaraens, roteirista de "Cartas"], e "Bicicletas", de Toninho Neto", adianta. Será sua estréia na direção de Cinema, já que seus outros trabalhos na área foram como diretor musical ou assistente de produção, sem falar numa participação como ator.

O terceiro projeto cinematográfico é segredo. Mas Claudinho revela outras novidades. Uma é o "Buena Vista Social Tchê", como vem chamando, na brincadeira. "Na verdade, vai se chamar "Porto do Choro" e reunirá a velha guarda da Capital, que não tem registro em vídeo. Quando fui pesquisar para o curta "Lupi, Profissão Boêmio", descobri que não existiam imagens do Lupicínio Rodrigues, só uma da TV Cultura. Para não se perder a memória de Plauto Cruz, Lourdes Rodrigues, Zilah Machado, Catuípe e todos esses caras da antiga, vamos fazer um show e um documentário, que serão lançados num DVD. Todos terão cachês, vai ser tudo pago, e a renda ainda vai ser revertida em benefício da Casa do Artista, que está precisando", detalha.

A outra é a Sociedade dos Poetas Vivos, reunindo poetas e letristas para discutir a música no Mercosul: "Dizem que a poesia na música morreu com Cazuza e Renato Russo, mas ainda temos poetas maravilhosos, só que com a convergência das mídias, a globalização, fica tudo muito disperso, temos que reuni-los".

Claudinho já havia reunido talentos do Mercosul na Expomúsica, projeto realizado em Canela. Ainda na sua faceta de produtor cultural, realizou o vinil Rock Grande do Sul, na década de 1980, que lançou nacionalmente as bandas Engenheiros do Hawaii, De Falla, Replicantes, TNT, Garotos de Rua e, posteriormente, Nenhum de Nós. Não por acaso, o DJ já ganhou oito discos de ouro. Como indicam seus inúmeros trabalhos e o próprio nome de sua festa, Claudinho é aberto a todos os ritmos, mas assume que é um colecionador de MPB e jazz, estilos que costuma incorporar às trilhas sonoras que coordena.

Tudo em família

Casado há 40 anos, o profissional conta que é motivo de piada dos amigos, que brincam que a relação só pode ser "falta de criatividade ou tara". A verdade é que o casal tem uma grande parceria, tanto no que tange ao trabalho quanto à vida pessoal. Preta também trabalha com Cinema e Vídeo. "Na real, é ela que me orienta, sem ela eu não sou nada", confessa. Isso ficou claro nesta entrevista, quando, a cada vez que uma pergunta exigia esforço de memória, era à Preta que recorria.

"Nós discutimos todos os trabalhos, e são discussões do tipo que falta hoje no Cinema, que está muito preso no texto: tudo é texto, a câmera é ditatorial, mostra só o que está na frente, uma banalização da imagem. O Cinema não pode mais ser preso a determinado enquadramento e texto. Temos que rediscutir tudo isso. Como diz o Peter Greenaway, o Cinema já morreu quando inventaram o controle remoto"", avalia. Eles acabam de participar do júri de pré-seleção do Gramado Cine Vídeo e fazem caras de mártires ao contar como é o trabalho. "Fazemos uma triagem para que o júri oficial possa assistir apenas aos bons filmes. Tinha mil inscritos, não pode ter produção genial o tempo inteiro", relatam.

O casal teve quatro filhos, porém dois já faleceram: "Perdemos Samantha com 21 anos e Charles com quatro meses. Foi uma porrada e a vida é feita de porradas e é maravilhosa. Como eu sou espiritualista, acredito que isso aqui é uma passagem, e eu tô passando de férias, tô me preocupando é com quando chegar do outro lado", filosofa. Kathleen Gisela, 38 anos, produtora de TV e Cinema, e Christian, 36, DJ e produtor de áudio para Cinema, vivem com os pais num condomínio em Viamão. A trupe ainda conta com Sibili, 19 anos, filha de Kat e do músico chileno Gustavo Aguirre, o Xis da banda Motores, e Dylan, 13, filho de Christian, que ainda tem Tuane, 11, que mora com a mãe.

Hobby e pesquisa

A casa é afastada propositalmente, para evitar conflitos com vizinhos por causa do barulho. "É difícil conviver com a gente, embora a gente conviva bem com as pessoas", resume Preta. Anteriormente - ainda antes de passar por sítios em Belém Novo e na Restinga -, o lar ficava na Rua da República e era totalmente aberto a artistas e até perseguidos políticos, nos tempos de ditadura na América Latina. "Toda essa gente que está pelo mundo afora fazendo arte passou por aquela casa, fazendo todas aquelas coisas da adolescência", relembra Claudinho. Era tão aberto que um dia entraram para roubar equipamentos de som e ninguém estranhou a presença dos ladrões.

Hoje, a família Pereira vive num verdadeiro centro cultural, que abriga 12 mil livros, 6 mil CDs, muitas revistas e mais uma série de filmes baixados da internet. "Somos piratas em causa própria", minimiza Claudinho. Para armazenar tudo isso, ele transformou um de seus três banheiros em biblioteca, para desespero de Preta. Brigas à parte, parece que família que vive e trabalha unida permanece unida. Trabalho e lazer se misturam, já que o que mais gostam de fazer é assistir a filmes e ouvir música: "Tudo é pesquisa. Trabalhamos com cultura 24 horas, mas isso é um hobby", sintetiza nosso DJ.