Raquel Boechat: Empreender está no DNA

A timidez não impediu a jornalista Raquel Boechat de se transformar em uma mulher de negócios

Raquel Boechat - Reprodução

Por Gabriele Afonso

O sorriso largo e a preocupação com a organização do ambiente onde está demonstram as principais características da jornalista Raquel Boechat: a diplomacia e o perfeccionismo. Sócia-fundadora da empresa Enfato Comunicação Empresarial, juntamente com a também jornalista Mariana Turkenicz, garante que sempre soube que um dia teria o seu próprio negócio. Como forma de trabalhar as suas potencialidades e vencer a timidez, ainda na escola, foi líder de turma e participou de grupos de teatro e de formação de líderes.

A aptidão para a escrita foi descoberta no segundo ano do Ensino Médio, durante a elaboração de um livro. O tema escolhido foram as histórias vivenciadas durante uma viagem que fez para a Europa. Ao ler, a professora lhe chamou a atenção para um talento que deveria ser explorado. Esse episódio, somado ao gosto pelo cinema, pela música e pela literatura, levou Raquel a escolher o Jornalismo como profissão. Desde o início, entendeu que a carreira não se basearia apenas no trabalho em redações, e procurou na gestão um novo caminho.

Formada pela PUC, em 1996, Raquel era uma típica estudante de comunicação, inquieta e questionadora. Era enfática e se diferenciava durante as discussões em sala de aula ao defender que a comunicação empresarial poderia ser um caminho para os jornalistas com veia empreendedora. "Realmente, era algo muito complicado, pois éramos preparados para trabalhar em redação. Era ousadia pensar em ter o próprio negócio", lembra. Devido a essas características cogitou cursar Administração ou Comércio Exterior.

Natural de Porto Alegre, Raquel brinca que é 'minerucha', já que é filha de mineiros e seu ex-marido é carioca. "Na minha casa não pode faltar pão de queijo", ressalta. Aos 37 anos, se diz satisfeita com o que conquistou, apesar dos desafios diários. Há 13 no comando da empresa, também teve passagens pelas assessorias do Grêmio Náutico União e da Gerdau, e pela redação de Zero Hora.

Teoria aliada à prática

Ainda no início da faculdade, a jornalista dava aulas de inglês para crianças quando decidiu que era hora de procurar um estágio. Em meio a apenas um computador, muito disputado, e às laudas digitadas em uma antiga máquina de escrever, Raquel iniciou a carreira na assessoria de imprensa do União. Teve a oportunidade de produzir o jornal institucional e de trabalhar com comunicação interna. "A responsável pelo setor tinha uma relação bacana com os estagiários e delegava bastante", observa.

Em seguida passou a atuar nas colunas Espaço do Leitor e Rio Grande Reclama, de Zero Hora. Os espaços funcionavam como uma ouvidoria, onde as respostas eram elaboradas pela jornalista junto ao órgão responsável. A experiência lhe proporcionou circular por diversas editorias, já que, para a produção das respostas, havia troca de informações. A busca pela qualidade nos processos que envolvem a comunicação começou a partir daí.

Preocupada com sua formação, resolveu fazer um intercâmbio, na França, onde o objetivo era aprimorar o idioma local. Após quatro meses, retornou a Porto Alegre e pensou na possibilidade de voltar também para Zero Hora, entretanto, decidiu participar do processo seletivo para a Gerdau. Essa oportunidade foi decisiva para iniciar sua trajetória no mundo dos negócios.

Na busca pela qualidade

Com admiração e brilho nos olhos, Raquel lembra da experiência de trabalhar ao lado do empresário Jorge Gerdau Johannpeter. Afirma ser ele o responsável pela decisão mais importante que tomou: a de alçar voo no mundo do empreendedorismo. "O doutor Jorge é um grande líder, apaixonado pela causa da qualidade na gestão. Seu espírito impulsiona todos os colaboradores", ressalta.

A forma como a empresa lidava com a comunicação chamou a atenção da jornalista. "Vivenciei a responsabilidade de produzir um planejamento de comunicação, identificar como ele funciona, como um ativo do negócio ligado, diretamente, ao gestor principal", observa. Em 1992, foi criado o PGQP - Programa Gaúcho da Qualidade e Produtividade -, do qual Raquel participou como colaboradora em 1996. No início, dificuldades como a interpretação de relatórios produzidos por engenheiros foram enfrentadas. "Engenheiros são bons de cálculos e estatísticas, mas para se comunicar necessitam de apoio", comenta.

O PGQP iniciava o processo de independência em relação ao governo para se tornar uma associação sem fins lucrativos, e tinha como objetivo agregar o privado, o público e o terceiro setor. Conhecendo o desejo da jovem jornalista de ser independente, José Paulo Soares Martins, seu gestor na época, indicou-a para estar à frente desse desafio. Foi o princípio da independência e da busca constante pela qualidade na comunicação empresarial.

Desafios enfrentados

Guiada pela impulsividade da juventude, pela vontade de ser empreendedora e pelas experiências vivenciadas na profissão, aos 23 anos, Raquel montou a Enfato Comunicação Empresarial. Desafio ousado para uma jovem, mas turbinado com o fato de ter o PGQP como cliente número um, graças ao qual a empresa foi ganhando espaço através da credibilidade e do boca a boca dos clientes. "Não tínhamos recursos financeiros, apenas intelectuais e de relacionamento. Isso certamente foi um diferencial. Sempre fui cuidadosa e respeitosa nas minhas relações, isso faz diferença a longo prazo", acredita.

Com um mercado complicado, no qual os homens tinham maior espaço, e a comunicação não era considerada prioridade nas empresas, surgiram barreiras para enfrentar o que vinha pela frente. Levando em consideração um pensamento de Jorge Gerdau, "quem não mede não gere", Raquel iniciou uma sequência de treinamentos como forma de se aprimorar. Durante alguns anos participou como avaliadora e examinadora do PGQP e cursou MBA em Gestão, no qual buscou alicerce para trabalhar com indicadores. "Acredito que, hoje, os gestores valorizam esse trabalho, porque sabem que não serve apenas como uma ferramenta tática e sim estratégica", defende.

Perfeccionista e preocupada em oferecer o melhor para o cliente, Raquel busca parcerias pelo Brasil e, juntamente com a Associação Brasileira das Agências de Comunicação (Abracom), realiza um estudo para fortalecer a comunicação empresarial no Estado. A aproximação com as universidades através da promoção de palestras e workshops também ajuda nesse aprimoramento. Sobre isso, conta que lançará, em breve, um curso de extensão na área de eventos, com a parceria da Unisinos.

Gestão aplicada em casa

Separada há dois anos, a jornalista utiliza a gestão até mesmo para administrar a vida pessoal. Acredita que o tempo livre deve ser utilizado para se dedicar à filha Ana Vitória, de três anos. "Quando estou com ela, sento no chão para brincar, levo para escola. Acredito que o tempo dedicado a ela deve ter qualidade. No futuro, quero que a Ana olhe para mim com orgulho e perceba que sou uma pessoa realizada", diz, envaidecida.

Os pais mineiros vieram para Porto Alegre ainda na época da faculdade. O pai, Lúcio, veio para realizar a residência em psiquiatria, se apaixonou pela cidade e aqui ficou. Hoje, além da medicina, se dedica à literatura, sendo autor de livros infantojuvenis; e à música, onde atua como vocalista da banda de bossa nova Nota Só.  A mãe, Sanja, é bióloga com pós-doutorado em Botânica pela Ufrgs, onde ministrou aulas até se aposentar - atualmente, trabalha como paisagista.

Com a irmã Laura, 12 anos mais nova, mantém uma relação de afeto e amizade. "Deixava de sair com as amigas para ficar com ela. Quando tocava piano, ficava no meu colo", relembra, com carinho. Como psicóloga, Laura atua em uma empresa de recursos humanos e é responsável pelos processos seletivos da Enfato. Assim como a infância, o período que estudou no colégio Anchieta também lhe traz boas lembranças. "Sempre fui sociável, apesar de tímida. Acredito que esse fator me permitiu ser líder de turma durante muito tempo. Os valores familiares e os repassados na escola moldam as pessoas."

Movida pela emoção e em constante busca pela qualidade, Raquel se orgulha da trajetória; entretanto, conhece suas limitações e busca aprender com as pessoas com quem convive no dia a dia. "Questiono, busco novas alternativas, tenho uma visão mais macro. Acredito que não bastam apenas números e dados se não apostar na minha intuição", garante. Carinhosa, busca criar elos sólidos com as pessoas. "Não crio problema onde não tem. Vivo na intenção de ser melhor a cada dia, pois cada dia é único."

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