Ricardo Azeredo: Inquietude em pessoa

Aos 48 anos, o jornalista conta que seus grandes desafios profissionais, muitas vezes, foram temperados pela intuição

Ricardo Azeredo - Reprodução

Quem conhece Ricardo Azeredo sabe que, aos 48 anos, ainda existem assuntos e desafios que fazem com que o jornalista estampe no rosto o mesmo semblante entusiasmado que apresentava no início de sua carreira. E foi com essa mesma excitação, mas com muita mais surpresa, que ele aceitou há menos de quatro meses o convite feito pela governadora Yeda Crusius para comandar a Fundação Cultural Piratini, que tem as concessões da TVE e da FM Cultura.  Repleto de planos e ideias, a meta agora é construir "uma nova e mais competitiva TVE e adequar a estrutura da emissora a uma cultura de mercado".

"Eu gosto de brigas boas e essa é uma bela de uma briga. Estamos aqui com uma paixão incrível pelo que estamos fazendo, pois é um desafio extremamente estimulante. Apesar de todos os problemas, a TVE tem um horizonte promissor", destaca. Para buscar inspiração e visualizar, literalmente, esse horizonte, basta que Ricardo olhe pelas janelas da sala da presidência, que possui uma das mais belas vistas de Porto Alegre.

Infância no Bom Fim

Ricardo Nascimento Azeredo nasceu em Taquara no dia 3 de dezembro de 1960, mas cresceu em Porto Alegre. Filho de uma professora e de um funcionário público, ele se diz "mais porto-alegrense do que qualquer outra coisa". Da infância, carrega boas lembranças de experiências vividas no bairro Bom Fim, em uma época onde era possível brincar na rua e jogar bola na calçada.

Há mais de duas décadas, a paixão pelo jornalismo está presente na maior parte de suas ações e atividades, mas os primeiros passos neste meio foram dados quase que de forma acidental. Ricardo cursava Publicidade e Propaganda, na Famecos, e, na época, sua grande ambição era dirigir comerciais. No decorrer do primeiro ano de faculdade, foi cogitando a possibilidade de cursar Jornalismo e o que o motivou, de fato, a realizar a troca foi a oportunidade de estagiar ? por coincidência do destino ? na TVE, como assistente de produção do programa Galpão Nativo.

Os primeiros contatos com a produção jornalística ainda ocorreram dentro da faculdade e foi lá também onde descobriu que televisão era seu chão. Nesse período, atuou como monitor da disciplina de TV e trabalhou na produtora da PUC, como câmera e editor.

Uma vida na televisão

A primeira experiência com reportagem ocorreu na extinta TV Guaíba, nos anos 80, no período da falência da Companhia Jornalística Caldas Júnior. A vontade de trabalhar era tão grande que, em um ano, acumulava diversas funções, entre elas a de repórter da rádio e da TV e a de diretor de um programa de surf. "Tudo isso sem ganhar salário! Era na época em que a emissora estava sendo vendida e, enquanto isso não se acertava, os funcionários recebiam apenas um vale de 50 cruzeiros todas as sextas. Mas foi um período extremamente importante para minha formação profissional", relembra.

Depois de dois anos, foi para a TV Pampa onde, junto com um grupo egresso da RBS, ajudou a reformular o departamento de Jornalismo da emissora. Foi quando criaram o Jornal Meridional, patrocinado pelo banco homônimo. A experiência durou um ano, mas Ricardo garante que, na época, "sacudiu o mercado". Foi com uma matéria produzida para o telejornal que o jornalista conquistou o primeiro troféu de sua carreira, o Prêmio Direitos Humanos.

Também atuou no SBT, onde teve a primeira experiência como âncora, e na Band, onde desenvolveu o programa de reportagens "O Rio Grande que dá certo" e, mais tarde, assumiu a gerência de Jornalismo da emissora. Mas, entre idas e vindas, foi na RBS TV que atuou na maior parte de sua carreira: 15 anos. As oportunidades poucas vezes bateram à sua porta e, na maioria das vezes, era Ricardo quem corria atrás delas. Foi assim que ingressou na emissora da família Sirotsky. Cansado de receber insistentes telefonemas do jovem jornalista, o então chefe de Jornalismo, Roberto Appel, resolveu conceder uma vaga na RBS TV. "Meu molde, minha formação profissional é da RBS", reconhece.

O profissional ainda registrou passagens pela Central de Vídeo da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs) e pela Assessoria de Imprensa da Secretaria do Trabalho, além de ter atuado como consultor de media training para diversas empresas. Ainda tentou trabalhar de forma autônoma, produzindo documentários, mas a iniciativa, segundo ele, "não deu muito certo." Hoje, ao olhar para o passado, reconhece em si mesmo uma pessoa muito expansiva, com um relacionamento muito amplo e se orgulha de "ter amigos em muitas e muitas áreas".

Um mestre apaixonado

Há quatro anos, Ricardo ministra disciplinas de telejornalismo na Ulbra, em Canoas. Por estar vinculado à instituição, foi convidado para estruturar o departamento de Jornalismo da Ulbra TV, onde foi incumbido de estabelecer a cultura de hard news.

Sobre o seu ingresso no meio acadêmico, Ricardo define o momento como "um divisor de águas na vida profissional" e demonstra-se um verdadeiro mestre apaixonado. "Eu adoro dar aulas! Tenho uma verdadeira paixão por isso, por poder trazer tudo aquilo que angariei como experiência e passar para um futuro jornalista. É uma coisa sublime poder ajudar alguém a dar os primeiros passos na profissão."

Aos 48 anos, o jornalista vive uma fase de reconstrução. Há dois anos, terminou um casamento de mais de duas décadas. "Separação é sempre uma coisa que exige que você refaça a sua vida e tem que saber administrar os sentimentos que restam disso", reflete. Desta relação, nasceram duas filhas: Mariana, 20 anos, estudante de Medicina, e Patrícia, 16, que planeja ser juíza. Hoje, Ricardo namora uma colega de profissão, a jornalista Cristina Duarte.

As horas de lazer são dedicadas ao bom cinema e à boa literatura. Apesar de simpatizar com o gênero cult, se diz eclético, "daqueles que não torce o nariz para o chamado "cinemão", mas que, também, não assiste a explosões gratuitas e a correrias desatinadas". É fã de ficção científica e o filme Guerra nas Estrelas é o favorito do gênero. Já a lista de livros lidos nos últimos tempos traz obras que contêm relatos de experiências de jornalistas, como o 'Laowai ? Histórias de uma repórter brasileira na China", da repórter da Rede Globo Sônia Bridi. "É um livro extremamente sedutor", conta. Também gosta de clássicos como Tolstoi, Dostoievski, Graciliano Ramos e Erico Verissimo, e de autores contemporâneos, como os gaúchos Charles Kiefer e Luiz Antonio de Assis Brasil.

Trilha sonora para esportes radicais

A música está presente em sua vida desde a época da infância, no Bom Fim, onde participava de rodas de violão nas calçadas das ruas do bairro.

Quando sobra tempo, também costuma frequentar shows e ir ao teatro e participar de encontros mensais da Confraria da Literatura. Ricardo acredita que "a arte tem que estar sempre presente na vida da gente". Para os seu alunos, constantemente aconselha: "Gente, vocês têm que ter sempre um livro na mão. Cada um faz a sua escolha, mas o importante é que se leia."

O espírito aventureiro do jornalista sempre demonstrou certo gosto por esportes radicais. Entretanto, devido à falta de tempo e de dinheiro, aproveitava a profissão para praticá-los. O hábito rendeu-lhe um apelido: o repórter das "indiadas". "Eu sempre me oferecia para fazer matérias que envolviam coisas como ir para o meio do mato, fazer expedições, passar fome, passar frio, ficar embaixo de chuva? Era quando eu também aproveitava para praticar montanhismo e paraquedismo", explica.

Ao sabor do vento

Ricardo possui um mantra, que "pode até parecer uma coisa piegas", antecipa ele. "Mas acredito que vida tem que valer a pena. É o que eu sempre costumo dizer. Cada um sabe como tem que fazer isso, seja no campo pessoal ou profissional. Sou uma pessoa muito intuitiva. Não sou um cara cartesiano, que planeja todas as suas ações passo a passo. Vou muito ao saber do vento".

Ele conta que seus grandes desafios profissionais, muitas vezes, foram temperados por esse tipo de inspiração. O segredo, segundo ele, é não se atemorizar, não fechar os olhos para as provocações da vida e, de vez em quando, dar chance para a sorte.

Interromper suas atividades profissionais é algo que ele definitivamente não consegue imaginar. Entretanto, quando o momento da aposentadoria chegar, planeja consumir as últimas forças de seu corpo com viagens - de preferência para a praia - e, claro, tocando rock a noite inteira. "Calçar uma pantufa e sentar na frente da televisão? Não, comigo não funciona!"

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