Cândido Norberto: Sem histórias para contar…

Com 50 anos de RBS e experiências como a de deputado e presidente da TVE, ele insinua que não tem o que dizer!

Cândido Norberto Silva Santos ("os dois sobrenomes mais recorrentes na crônica policial", registra ele, com ironia) relutou em aceitar ser o perfilado de Coletiva.net. Prestes a completar 77 anos - nasceu em 18 de outubro de 1925, em Bagé -, alega não ter o que contar "que possa interessar a terceiros". Como se os mais de 50 anos de RBS, a experiência de rádio-ator e as presidências da Assembléia Legislativa do Estado e da TVE não fossem relevantes.


Mas ele não sabe dizer "não" e assim, apesar da (falsa) modéstia, atende ao pedido. Exatamente como sempre faz com os muitos estudantes de Comunicação que o procuram, querendo a sua ajuda em trabalhos ou simplesmente para ouvir suas histórias ("na presunção de que eu tenha alguma para contar. As pessoas são desinformadas e têm uma imaginação?"). Cândido deixou sua cidade natal para integrar o Colégio Militar, em Porto Alegre, onde entrou, "evidentemente, por um engano" e ficou até seu fechamento, quando foi transferido para o Rio de Janeiro.


Terminado o "Gimnásio", retornou a Bagé, mas não ficou muito tempo: "Vim para a Capital procurar emprego, como todo desempregado", explica. Bateu na porta da Caldas Júnior e conseguiu trabalho na Folha da Tarde, mas não era empregado, apenas "carancho". Até que um dia, "sei lá eu porque, resolveram me incluir na folha de pagamento". Dali para a estréia no rádio foi puro acaso ("esse "acaso" vai aparecer muitas vezes na minha vida", adverte). Seu colega de jornal João Bergmann trabalhava à tarde na Rádio Difusora. Os dois costumavam almoçar juntos e, para poder continuar o papo, Cândido costumava acompanhá-lo à rádio, onde tinha um programa que iniciava às 14h. Certo dia, Bergmann teve que sair, deixou um disco tocando e não voltou a tempo. O técnico não teve dúvidas, olhou o jovem e o mandou entrar no estúdio para ler os comerciais. Apesar de achar que leu o texto "mal e porcamente", Cândido impressionou o diretor da Difusora, que o convidou para trabalhar lá.


Levado para a Gaúcha


No início, foi redator e locutor de textos comerciais. Depois, "por ausência de quem o fizesse", passou a ser também ator de radionovela. Sempre aceitava os convites para atuar, porque "o cachê dava uma boa incrementada no orçamento". Em seguida, o proprietário da Difusora, Arthur Pizzoli, resolveu vendê-la para os Diários Associados. Ao mesmo tempo, assumiu o controle acionário da Rádio Gaúcha e fez questão de levar Cândido para o novo empreendimento, onde está até hoje.


Nesse período fez de tudo: foi locutor comercial, narrador esportivo (fez a primeira narração no exterior de um clube gaúcho: uma partida do Grêmio, em Montevidéu), diretor de broadcasting, comentarista (do tradicional "Pensando em voz alta") e foi até licenciado, período em que atuou nas rádios Guaíba e, depois, Farroupilha. Ainda sobrou tempo para a faculdade. Antes dos anos 1950, não havia curso de Jornalismo no Rio Grande do Sul e quando a Faculdade de Filosofia da Ufrgs (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) o lançou, Cândido participou da primeira turma. A formatura foi em 1954 e ele, já veterano na profissão, foi o orador. O paraninfo foi Rubem Braga.


Fazendo política


Outra faculdade que ele fez foi a de Direito: "Cheguei a advogar, mas foi uma profissão na qual me dei mal, porque minha clientela era tão pobre, que não pagava nem os custos." Resolveu fazer o curso, porque era deputado estadual e estava "enrolado" com questões jurídicas ("e também para aumentar um pouco o meu escasso cabedal"). Acabou sendo cassado pela ditadura militar, em 1966. Estava quase concluindo seu quarto mandato: dois pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro), um pelo Partido Libertador e outro pelo MTR (Movimento Trabalhista Renovador). Mas garante que nunca abandonou os ideais de quando ingressou na política: se manteve um "socialista romântico". Antes da cassação, chegou a presidir a Assembléia Legislativa e, assim, foi o responsável pela transferência do Auditório Araújo Viana para o Parque da Redenção e ainda governou o Estado por alguns dias.


Já fazia muito tempo que estava cassado, quando, com surpresa, passou a receber insistentes pedidos para conversar com João Baptista Figueiredo, último presidente da ditadura militar. "Relutei, mas, até por curiosidade, fui a Brasília - passagem paga por mim, não aceitei a oferecida - para saber o que queria", conta. Figueiredo pediu que colaborasse com a reabertura democrática, com a qual tinha se comprometido: "Eu disse que por mim, tudo bem, mas não fiz nada a respeito. Acabei foi fazendo uma boa relação com Figueiredo, um figura humana muito interessante, simpática e descontraída. Não houve nenhuma conseqüência para mim, nenhuma vantagem."


Mesmo assim, houve reações no Sul contra Cândido: "Falavam que eu aderira ao Governo, mas ele só me pediu para apoiar a reabertura, por que que não ia aderir?" O jornalista frisa que nunca teve medo de conversar com ninguém, "nem com o Brizola, que tinha horrores de mim". Os dois voltaram a se entender quando Leonel Brizola voltou do exílio e sugeriu que retornassem à política. Cândido respondeu: "Eu fora, Brizola!" Seu único novo envolvimento com um governo viria a ser a Presidência da TVE, quando Jair Soares era o governador do Estado, em meados da década de 1980.


Devido à crise financeira, o secretário da Fazenda sugeriu que ele fechasse a emissora, "que era inexpressiva, um horror tecnicamente e não tinha audiência. Era uma empresa franciscana, só tinha uma câmera e era em preto-e-branco!", lembra. Jair estava inclinado a seguir o conselho de seu secretário, mas resolveu consultar algumas pessoas, dentre as quais, Cândido. Ele lhe disse que não podia dizer se devia ou não fechar a TVE, mas perguntou "Você quer entrar para a História do Estado do Rio Grande do Sul como o governador que fechou uma televisão educativa?". Jair entendeu e o convidou para ser presidente da Fundação Cultural Piratini. Convite que ele resistiu para aceitar (como faz invariavelmente), mas aceitou.


Brigando com o patrão


Sua primeira medida foi substituir a câmera velha por duas novas. Depois, diz que democratizou a TVE, promovendo debates e entrevistas, inclusive com a oposição, e interiorizou a emissora, tarefa na qual encontrou dificuldades, porque algumas televisões de empresas privadas estavam ocupando canais reservados para as educativas, "inclusive a minha RBS". Em seguida, Zero Hora resolveu publicar um editorial contra as televisões educativas. Cândido foi à frente das câmeras da TVE: "Resolvi brigar com o patrão", diz, esclarecendo que no fim tudo acabou bem entre ele e a empresa.


Há pouco tempo, entrou "na privilegiada posição de aposentado pela RBS, da qual recebo mensalmente, sem falta, dois demonstrativos de pagamento, um pela Rádio Gaúcha e o outro pela Zero Hora", diz, tirando os contra-cheques de uma gaveta, onde encontra, inclusive, seu convite da formatura em Jornalismo. Mesmo assim, Cândido não deixou de trabalhar: escrevendo uma coluna semanal em Zero Hora e fazendo seu comentário diário, pelas manhãs, na rádio. "Recebi o lamentável título de "o mais antigo da RBS", eu gostaria de ser o mais novo, de estar começando", brinca.


Cândido é casado e tem um filho, que também é jornalista e mora próximo à sua casa, no Menino Deus. Ele não abre mão do contato freqüente com o filho. Não tem nenhum hobby, mas gosta muito de ler - "não tanto que me torne um sábio". Lê até assuntos que não lhe interessam tanto, como o livro "Intimidade com Deus", empréstimo de um amigo que tenta "catequizá-lo". "Ele é muito católico e insistiu para que eu lesse o livro, mas infelizmente não tenho essa intimidade com Deus, não tenho religião. Até gostaria de ter, de ser crente, para ter alguma esperança, mas para minha tristeza e pobreza, não tenho nenhuma fé", lamenta. Não faz esportes, mas reconhece que está precisando ter alguma atividade, pois anda muito ocioso.


Recentemente se submeteu a uma cirurgia no Hospital Moinhos de Vento, que "não foi nenhum recreio". Apesar disso, continua fumando. Diz que não tenta parar, mesmo achando um "vício imundo", por pura "falta de caráter". Cândido é uma amante da vida: "Viver é muito bom, envelhecer que é chato. Quem diz que não é hipócrita. O bom é ser jovem e pensar que é eterno."

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