Sérgio Lagranha: Rato de redação

Com mais de 30 anos de profissão, Sérgio Lagranha acumula passagem por 12 veículos de comunicação

Por Márcia Farias
Um aconchegante e silencioso café no Centro de Porto Alegre é o cenário escolhido para que Sérgio Lagranha, 53 anos, conte sua trajetória. Ele fala pausadamente, ri em alguns momentos e reflete por diversas vezes, como quem se esforça para lembrar datas, fatos e nomes. Foi desta forma que o jornalista recordou as redações em que atuou, os aprendizados e toda a experiência adquirida em mais de 30 anos de carreira. O filho temporão de Napoleão e Rosa (ambos falecidos) teve uma adolescência um pouco solitária, ao lado do violão e das palavras. "Ficava no meu quarto, com minha Olivetti (marca de máquina de escrever nos anos 1970) , fazendo poesia e filosofando sobre a vida", lembra.
O violão, aliás, é companheiro de vida até hoje e Lagranha só não tornou-se músico por um detalhe. "O mercado é pior que o de Jornalismo", brinca, para em seguida esclarecer: "São escolhas. Acho que me daria muito bem na música, mas chega um momento em que as decisões precisam ser tomadas, e eu optei por Jornalismo". A vida acadêmica é definida como enriquecedora do ponto de vista cultural, pois o contato com os colegas e com os livros o fez crescer muito na época.
Na primeira experiência, vivida no Jornal do Comércio por dois anos enquanto ainda era estudante, conseguiu unir as duas preferências: a atividade estava relacionada com a página de Cultura. Com o passar do tempo, a demanda aumentou, passou a escrever uma coluna, a qual intitulou 'Comunicasom', e conseguiu o primeiro passo para surgir o Caderno de Cultura - ele incluiu todas as notícias da área em uma mesma página.
Um amigo chamado Bicudo
Ao procurar ser repórter, teve uma breve passagem por Santa Catarina, no jornal A Notícia, durante um verão no início dos anos 1980. Também esteve no Correio do Povo, na editoria de Interior. Lá, apesar da atividade burocrática de ouvir notícias no rádio e reescrevê-las, foi onde aprendeu a ter ritmo e ser ágil na composição das matérias.
Inquieto, Lagranha foi atrás de outro desafio. Achou. Admirador do Coojornal, ele soube que alguns profissionais da Cooperativa dos Jornalistas haviam comprado o diário A Plateia, de Livramento, e conseguiu uma vaga na publicação. "Era um Jornalismo diferenciado, algo mais livre", recorda. Sem experiência como editor e tendo essa função como desafio, lembra dos primeiros contatos em uma época de transição na maneira de editar jornal. "Quando olhei aquele monte de tiras na minha frente, confesso que não sabia por onde começar, mas foi um grande aprendizado. Foi um período de entrega total à profissão", conta. Foi com esta experiência também que Sérgio Lagranha diz ter aprendido a ser honesto com o leitor e a priorizar o interesse público.
A Plateia trouxe mais do que a experiência, rendeu verdadeiras amizades. Uma delas foi com o jornalista Elmar Bones, a quem chama carinhosamente de Bicudo. Foi ele quem tratou de recolocar o amigo no mercado da capital gaúcha. Foi quando trabalhou na Gazeta Mercantil como repórter regional. "Foi uma grande escola de Jornalismo Econômico. Não existia release. Tínhamos que estudar para falar com empresários. Foi quando comecei a ler muito sobre a área", relata. Mesmo sem gostar do assunto, ao se aprofundar nele, diz que percebeu a influência da Economia no mundo: "Ela controla tudo", resume. Durante sua atuação no jornal, surgiu um caderno local, que veio a se transformar na Gazeta Sul, episódio do qual orgulha-se de ter feito parte.
Bicudo novamente intercedeu pelo amigo ao falar de um projeto de professores chamado Jornal Já. A proposta era novamente a prática de um jornalismo livre e apartidário e, com o cumprimento dessas premissas, os idealizadores do projeto - os mestres - começaram a afastar-se e a redação passou a ter cada vez mais liberdade de produzir suas pautas. "Fazíamos o jornal quase nas pernas, em uma sala bem pequena na Galeria Chaves. Seguido brigávamos com a segurança do prédio que queria desligar as luzes e nós precisávamos continuar nosso trabalho", recorda com entusiasmo.
Sempre atrás de desafios
Quando Armando Burd estava no Diário Catarinense, chamou Lagranha para integrar a equipe. Sem dar importância à proposta, o jornalista deu "um preço absurdo" para se mudar para o estado vizinho. Surpresa: o valor foi aceito. E lá se foi o jornalista econômico ser editor e encarar mais um desafio. Foi neste período que descobriu o que acredita serem dois tipos de gaúcho em Santa Catarina: o que fica um ano por lá e o que fica a vida toda. Sérgio fez parte do primeiro grupo?
A nova oportunidade, bem mais ousada que as já relatadas, surgiu de um convite do fotógrafo Eduardo Achutti: ir para a Nicarágua, em 1988. Como era esperado, partiu para o desafio internacional. "Os Sandinistas estavam no poder e lutavam contra os chamados ?contras? (de contrarrevolucionários), que estavam em Honduras e eram financiados pelos Estados Unidos. Fizemos diversas matérias durante um mês. Foi uma experiência e tanto", explica.
Na volta ao Brasil, Lagranha foi pra Zero Hora, onde atuou por três anos. Diz que, por se tratar de veículo grande, decidiu ir embora: "Vim de um jornalismo livre, queria mais do que fazia naquele momento". Foi quando se sustentou com trabalhos freelancers, mas não demorou para receber outro convite, desta vez da revista Amanhã. Outra novidade na carreira, o texto de revista; o local, porém, permanecia familiar - uma redação. "Foi quando percebi a importância de ser humilde. Naquela época já me achava o cara, e tive que baixar a guarda para me adaptar a um novo texto", reflete.
Saudades da redação
Houve um tempo em que foi correspondente da revista Época e, para isso, a publicação exigia exclusividade. Largou tudo e aceitou. A novidade desta vez era escrever sobre Política e Turismo, além de exercer sua função de fomra bastante solitária. "Trabalhava sozinho, apenas com meu laptop", recorda. A solidão foi decisiva para fazer crescer a vontade de voltar às redações. E foi o que aconteceu ao se tornar editor do então novo projeto do Grupo Sinos, o ABC Domingo. "Formamos uma equipe muito boa, fazíamos o jornal com muito bom humor", elogia. Os anos seguintes ainda proporcionaram um retorno para o interior do Estado, e Sérgio Lagranha foi trabalhar no Diário Popular, de Pelotas, cidade em que não se adaptou por considerá-la "muito bairrista.
Novamente em Porto Alegre, o jornalista resolveu enveredar para a área de assessoria de comunicação. Este é o terceiro ano de atividades da ComEfeito Comunicação Estratégica, na qual atua ao lado dos sócios Nikão Duarte e Carlos Alberto de Souza. "Este início serviu para acharmos nosso nicho de mercado. Já fizemos um pouco de tudo no setor e agora nos achamos nos livros. Uma experiência diferente e muito enriquecedora do ponto de vista do conhecimento."
Ao falar deste tipo de publicação editorial, Lagranha lembra: "Esqueci de falar, mas escrevi um livro com o Bicudo (sempre ele), na época do Já, 'Petroquímica faz história', que ganhou o Trofeu Cultura Econômica, em 2009, evento do Jornal do Comércio realizado durante a Feira do Livro de Porto Alegre". Saudades da redação? "Claro que sim, sou rato de redação. Por outro lado, penso que são momentos diferentes", pondera.
O som da vida
O irmão temporão de Nei (falecido), Sandra e Neusa gosta de lembrar da infância no bairro Petrópolis, mais especificamente de um campo de futebol na Rua Corte Real, onde morava. "Aquela quadra era o meu mundo e consigo lembrar até hoje de todos os detalhes de lá e até das pessoas", diz, satisfeito com os 11 anos em que viveu na região. Apesar da distância de idade do restante da prole, que chega a 12 anos, ele afirma que os valores de família sempre foram reforçados em casa e é algo que recorda com bastante carinho. "Sempre tive muita liberdade com meus pais. Minha mãe dizia 'vai e arrisca', nunca me podou de nada", garante.
Casado há 10 anos com a gerente de Marketing do Jornal do Comércio, Beatriz Moraes, ele diz que, mais do que o amor entre homem e mulher, que é essencial, a relação deles é baseada no companheirismo. "Tenho um lado mais caseiro, em que gosto muito de ler, tocar violão e brincar com minhas gatas, a Tuca e a Preta. Quando tenho mais tempo, não dispenso viajar, ir para a praia, por exemplo", revela.
O que tem de mais forte dentro de si mesmo, segundo conta, é a música, quase como uma filosofia de vida. Na juventude, chegou a ter bandas de rock e a tocar em bares como profissional. "Dentro da música existe a pausa, uma marca que diz que não se deve cantar nada e serve para dar o ritmo. A vida é isso. Se não tiveres esta pausa, vais quebrar o ritmo", compara, se dizendo até mesmo um músico frustrado.
Sonho de um repórter
Conhecer a história de Sérgio Lagranha e verificar que ele nunca ficou em algum lugar por muito tempo pode parecer indecisão, mas, ao contrário, ele explica que é apenas "um cara inquieto que nunca vai se sentir realizado" - buscará eternamente algo mais legal do que aquilo que estiver fazendo.
Sobre o futuro e possíveis planos, ele pensa, reflete, toma um gole de refrigerante e dispara: "Meu sonho é voltar para uma redação e fazer Jornalismo do jeito que aprendi e como acho que deve ser feito, de forma honesta. As formas podem evoluir, o meio digital crescer, mas a informação permanece sendo nossa obra-prima, e isso não vai mudar".
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