Sérgio Lüdtke: Acreditar sempre e duvidar sempre

Editor-chefe do Projeto Comprova, jornalista cachoeirense é uma das autoridades brasileiras quando o assunto é desinformação

As fake news - ou notícias falsas, para os mais abrasileirados - são um dos pontos centrais do debate público contemporâneo. Por meio delas, é possível encontrar a representação mais ordinária de um mal que está muito acima de um mero factoide: a desinformação. Dito isso, jornalistas, pesquisadores e curiosos da Comunicação que se atreveram a voltar seus olhares para essas áreas, provavelmente já cruzaram com algum dos projetos de Sérgio Lüdtke, mesmo que sequer tenham ouvido falar nesse nome. Perto de completar 62 anos, o jornalista é uma das autoridades no Brasil quando o assunto é desinformação.

"Sempre em atividade", como ele mesmo ressalta, entre as muitas atribuições profissionais que soma hoje em dia, o cachoeirense é o responsável por coordenar cursos da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), assim como o time de pesquisadores do 'Atlas da Notícia', projeto do Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo, ou apenas Projor. Porém, a iniciativa que mais se sobressai - especialmente nos meses que antecedem uma eleição, no mínimo, "complicada" - é o Projeto Comprova, do qual é editor-chefe.

Diante de tudo isso, é difícil de acreditar que essa figura de protagonismo na luta contra a desinformação tentou se desviar do Jornalismo, antes mesmo de ingressar de fato na profissão. Embora tenha conquistado o canudo de jornalista em 1984, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Sérgio acabou postergando seu destino. Na época, trabalhando a todo vapor no mercado editorial, que o sustentava melhor do que a área de formação, ele "não fez força" para entrar no mundo da imprensa.

Nem a convivência com os colegas - e grandes amigos - David Coimbra e Juremir Machado, que demonstraram desde cedo a paixão pela escrita jornalística, foi o suficiente para mudar isso. Nem mesmo a mais querida memória da infância, o inesquecível momento em que aprendeu a ler - que considera fundamental para a escolha da graduação -, trouxe uma mudança de perspectiva. Ao menos não naquela época. Ainda assim, as aventuras pelo mundo editorial foram um spin-off totalmente necessário para a construção do alicerce daquilo que viria a ser uma das principais sagas da história de Sérgio Boeck Lüdtke.

O prólogo da história

Nascido em Cachoeira do Sul, em 1960, o jornalista é fruto de uma árvore genealógica incomum, que atravessa o Oceano Atlântico em direção à Europa, até uma terra que não existe mais: a Pomerânia. Localizada entre os atuais territórios da Alemanha e da Polônia, a região foi extinta em 1945. No entanto, foi por volta de 1870, bem antes da dissolução da província, que os bisavós de Sérgio se instalaram no Rio Grande do Sul. Nas ramificações brasileiras desta família encontram-se a dona Noêmia e o seu Oscar, pais de Sérgio, que, por sua vez, está posicionado entre o irmão mais velho, Carlos Fernando, e a caçula, Luciane.

Enquanto a mãe se dedicava aos cuidados do lar, o pai era proprietário de um engenho de arroz, ambiente que foi palco para muitas brincadeiras do futuro jornalista e seus amigos. "Era uma área enorme, com várias possibilidades e muita liberdade para brincar, jogar bola e andar a cavalo", relembra. Ainda criança, deu início aos estudos no colégio Barão do Rio Branco, na mesma época em que a instituição de ensino foi dirigida por Amália Geisel, irmã do ex-presidente Ernesto Geisel. Embora a base da educação tenha sido sob a filosofia luterana e, mais tarde, a formação em Jornalismo concluída em uma universidade católica, Sérgio optou pelo ateísmo.

Astuto, o único momento em que se apoia no misticismo é quando precisa se defender da crítica mais comum sofrida por todos os librianos: a indecisão. "Então invoco a astrologia e digo que tenho que pesar muitas coisas. É a desculpa que uso pra me defender dessa acusação vil", revela. Embora tenha que conviver com o estigma, o apreço pela ponderação de diferentes fatores ante uma escolha já lhe proporcionou algumas boas experiências. Foi justamente em uma situação de prudência excessiva que o ateu Sérgio acabou devoto a outro tipo de crença: o Sport Club Internacional.

Ter um pai colorado não era motivo suficiente para aderir à torcida e, por volta dos 10 anos, o jornalista ainda matutava sobre as opções que tinha. Com o Grêmio dominando o futebol gaúcho, foi presenteado com uma camisa do clube. Porém, ao se deparar com o sobrinho trajado com o uniforme do "inimigo", o tio Armando Carlos, conhecido como Peludo, sugeriu que Sérgio fosse com ele a Porto Alegre, onde seria apresentado ao Beira-Rio e Olímpico. "Mas ele foi muito malandro", conta. A ida à casa do tricolor aconteceu em uma noite de terça-feira, enquanto a visita ao recém-inaugurado estádio do Internacional foi feita ao meio-dia de um domingo, com direito ao almoço na Churrascaria Saci. "Voltei de lá totalmente colorado", confessa.

Sempre na vanguarda

Se fosse possível definir a trajetória profissional de Sérgio em apenas uma palavra, o termo mais adequado, sem sombra de dúvidas, seria 'pioneirismo'. Foram diversos os projetos que, seja por vontade própria ou por um empurrãozinho de alguém, o jornalista se encontrou no front de ideias anos à frente do seu tempo. Entre as aventuras no mundo editorial, na virada dos anos 2000 foi sócio da startup 'Livro Digital', que prometia ser a primeira do ramo de e-books no Brasil. No entanto, o dinheiro empreendido, fruto da venda de sua parte na editora 'Artes e Ofícios', foi gasto em vão: as pessoas ainda não estavam prontas para a tecnologia. Dessa experiência, o que lhe sobrou foi o conhecimento em trabalhar com a internet, algo que, naquela época, era raro para alguém com 40 anos.

Estava ainda desempregado quando os amigos David Coimbra e Luis Fernando Gracioli pediram ajuda para encontrar uma pessoa com as capacidades de ajudar a abastecer o novo "superportal da RBS". "Estava tentando encontrar esse alguém, até que um dia eu pensei: 'Será que não sou eu?'", recorda. Foi assim que, como responsável pela Gestão de Conteúdo do ClicRBS, Sérgio ingressou no Jornalismo aos 41 anos. O jornalista ficou no grupo durante oito anos, período em que também teve oportunidade de inovar. "Já ensaiávamos metodologias que foram se tornar comuns a partir de 2013, como as transmissões ao vivo com celulares", explica.

Com um convite para trabalhar nas plataformas digitais da editora Época, em São Paulo, Sérgio se despediu do grupo e do Rio Grande do Sul em 2009. No novo desafio, foi responsável pelo planejamento, arquitetura e lançamento do site da Revista Época, onde permaneceu até o final de 2011, até ser convidado por Carlos Alberto di Franco para coordenar o curso de Master em Comunicação e Mídia Digital na ISE Business School. Nesse período, construiu uma ampla rede de relacionamentos. "Meu networking em São Paulo é fantástico para uma pessoa que mora aqui há pouco tempo", revela. Tornou-se consultor para veículos como Estadão e Gazeta do Espírito Santo, oferecendo programas de Jornalismo Digital.

E foi justamente após realizar um curso sobre checagem de fatos que uma escalada de eventos o trouxe até o momento atual. "O Jornalistas e Cia encomendou um especial sobre desinformação nas empresas. A Deutsche Welle viu e me levou para um evento no Líbano. Quando voltei, a First Draft News e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) me convidaram para uma reunião", narra. Nesse encontro, o jornalista descobriu que as entidades criavam uma iniciativa para a verificação das eleições de 2018. "Estava lá, quando o Marco Túlio Pires, do Google, apontou para mim e disse: 'Que bom que o Sérgio está aqui, ele é o cara para coordenar esse projeto'", conta.

Disponível e dando conta

A ideia inicial era extinguir o Comprova após as eleições, porém, as plataformas participantes financiaram a iniciativa para que tivesse continuidade em 2019, quando o número de veículos também foi ampliado. "Em 2020, quando a pandemia foi politizada, o projeto voltou mais uma vez e não parou mais", relata. Para este ano, Sérgio ainda foi convidado para coordenar outro programa de checagem voltado às eleições estaduais. Por estar sempre trabalhando em especialidades pouco exploradas na Comunicação, o jornalista é um eterno estudante. Porém, ele admite: não tem encontrado tempo para a leitura. "Quanto menos eu leio, mais eu tenho convicção de que a literatura é fundamental", reflete.

Entre seus gêneros favoritos, ele destaca os ensaios sobre Política e Comunicação. "É uma tentativa de entender um universo que muda bastante", explica. Embora admita não ser um grande leitor de obras brasileiras, Sérgio é um amante da música do País. Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Paulinho da Viola são alguns de seus artistas preferidos que, nas canções, descrevem um Brasil que o jornalista percebe um pouco distante da realidade. Outra paixão que tem é pela sétima arte, principalmente os dramas, filmes de guerra e faroeste. Recentemente, apresentou a trilogia de 'O Poderoso Chefão' ao filho Joaquim, que, com 24 anos, nunca havia assistido.

Por conta do amor pelos filmes, o cinema é uma boa pedida para os momentos de folga, além de idas ao teatro, às livrarias e aos restaurantes que a capital paulista oferece, sempre bem acompanhado da esposa Caroline - a Cacá - e da caçula Dora, de 10 anos. Sua única lamentação é não comparecer tanto quanto gostaria aos estádios, já que o Internacional não vai a São Paulo com muita frequência. Quando o trabalho não sobrecarrega a agenda, ele gosta de acompanhar as partidas pela televisão. "Dou um jeito de encaixar, não sou organizado, mas consegui produzir minhas muletas e buscar o tempo certo de fazer cada coisa", justifica.

Considerando sua trajetória, Sérgio analisa que a maioria dos projetos que chegaram às suas mãos partiu de uma busca por alguém com disponibilidade e que pudesse contribuir. "Acho que sou um cara disponível e que, talvez, consiga dar conta", pondera. Contudo, a falta de tempo levou à necessidade do tardio aprendizado de dizer 'Não', algo difícil para alguém que valoriza as qualidades de ser uma pessoa boa e colaborativa. Essas são virtudes que procura manter, mesmo em meio às malícias do escopo de trabalho. É por isso que leva consigo, como lema profissional, a frase: "O jornalista é um sujeito que vive o dilema de acreditar sempre e duvidar sempre".

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