Vinicius Ghise: a guitarra que mudou tudo

Autodidatismo e paixão pelo Blues são características marcantes do jornalista

Jornalista Vinícius Guise - Crédito: Bruna Marchioro

Vínicius é, no mínimo, uma pessoa intensa. Sem medo da labuta, começou como menor aprendiz aos 14 anos (quase conseguiu tirar a carteira de trabalho aos 13, mas era proibido). É aquele tipo de pessoa que se entrega a tudo que faz: a nossa entrevista, por exemplo, durou mais de duas horas, com uma animação que poucas vezes vi.  

Gentil, humilde e muito educado, o jornalista mora atualmente em São Paulo, com a relações-públicas Meiriane Jacobsen, com quem tem um relacionamento há oito anos. Juntos, são "pais" da shitzo Pantufa Catioro, de quatro anos. Apaixonado por Blues, amante de vinhos, do Inter e de práticas esportivas, teve uma infância típica de qualquer família suburbana: pai trabalhador, mãe dona de casa e uma irmã mais nova. 

Segundo ele, sua família era bem Baby Boomer: a receita para a felicidade era trabalhar em um mesmo lugar por muitos anos, fazer tudo certo, aposentar-se. "Meu pai, que é contador, sempre trabalhou em empresas. Chegava em casa ali pelas 19h, com um sorriso no rosto", conta. A mãe seguiu o mesmo "manual". Trabalhou até os 22 anos, quando Vinícius nasceu, e voltou ao mercado de trabalho só após a irmã, seis anos mais jovem que ele, estar quase acabando o Ensino Fundamental. 

Sobre aprender sozinho 

Apesar de uma infância tão comum, Vinicius tem essa intensidade que não lhe permite ser apenas mais um. Nascido em Porto Alegre, em 4 de agosto de 1982, mas criado em Canoas, na Região Metropolitana, foi uma criança introvertida: gostava de ler, desenhar e ver televisão. Até que um dia, por volta dos 11 anos, um primo veio de São Paulo com uma série de vinis e cassetes de Rock e Blues, que mudou para sempre a sua vida.  

A paixão pela música gerou um efeito dominó: na época em que começou a estudar os primeiros acordes, o pai lhe deu um violão simples e durante alguns meses fez aulas com um professor do bairro onde morava. Como as atividades eram coletivas, e os colegas estavam em estágios diferentes, a ideia não deu muito certo e ele passou a ser autodidata, usando as famosas revistinhas de cifras. O hobby foi se tornando quase uma obsessão, e ele chegava a estudar mais de quatro horas por dia. "Como eu era bastante introspectivo, a música me ajudou muito nessa parte da expressão", conta.  

O autodidatismo adquirido nos estudos musicais se reflete em outras áreas da vida, como a facilidade para improviso, adaptação rápida e resoluções de problemas sem muitos manuais. "Esse exercício de decodificar algo em uma questão técnica e depois numa interpretação é um presente que a música me deu e eu sou muito grato. Até pela questão da autoconfiança, de me encontrar no mundo", destaca.

A guitarra que mudou tudo

Vindo de uma família na qual não faltava nada, mas também não havia espaço para luxos, ele buscou emprego para poder comprar seu primeiro instrumento. "Estávamos nos anos 90, não tinha coragem de pedir uma guitarra pro meu pai", lembra. Então, com 14 anos, começou a trabalhar na empresa Ferramentas Gerais, onde ficou até perto dos 20. "Esse lugar moldou a minha vida para sempre", afirma, como se um filme estivesse passando diante de seus olhos. 

A primeira experiência profissional foi importante por vários motivos. Ao mesmo tempo em que o colocou em um ambiente ultraorganizado, por ser uma empresa de porte grande, o fez conhecer muitas pessoas de origens e visões de mundo diferentes. "Toda essa experiência abriu muito a minha cabeça", explica, garantindo que ainda hoje sabe fazer uma auditoria 5S. Além disso, foi na Ferramentas Gerais que ganhou o apelido de Bily, enquanto trabalhava no setor de Arquivo. 

Inclusive, Vinícius "descobriu" o Jornalismo fazendo cópias. Enquanto ele e uma amiga, Diana Jardim, tratavam de reproduzir documentos, ela lhe disse que estava pensando em ingressar no curso. Logo, ele pediu para ela explicar melhor. "Tu precisas ter um conhecimento amplo sobre a sociedade, Política e Economia, e ao mesmo tempo tu pode se aprofundar em temas. Como tu gostas de música, pode se especializar em cultura", disparou a amiga.  

Apesar do interesse e da afinidade com as carreiras da Comunicação, pensou fortemente em cursar Ciências da Computação, além de, por influência de um professor, ter prestado vestibular na Universidade Federal do Rio Grande do Sul para Física. "Eu entrei na faculdade já um pouco mais tarde, com 24, 25 anos, pois durante um tempo investi mesmo nesse lance da música. Quando comecei a graduação já tinha uma mente mais madura, já tinha trabalhado em vários lugares e tudo mais", conta. 

Testes e mais testes 

Vinicius teve uma carreira um tanto eclética. Atuou como designer gráfico, onde teve mais contato com a área de criação, conectado com a parte de produtos. "Nessa época, mais uma vez tive que aprender sozinho, não tinha uma pessoa sênior para ensinar", recorda. 

Em seguida, identificou-se com a Comunicação Corporativa, já buscando entender melhor sobre o mundo tecnológico, que ainda engatinhava à sua volta, na primeira passagem pelo Sindilojas Porto Alegre. Depois, trabalhou um tempo na Unisinos como web writing (redator on-line) e voltou para o Sindilojas como assessor de imprensa. "Eu era aquela pessoa que dizia para usar as redes sociais. O Twitter já bombava nos Estados Unidos, mas ainda era algo de nicho no Brasil. Ali comecei a ensaiar essa coisa de comunicação empresarial com o aspecto digital. Nesse período, as empresas e os veículos de Comunicação não usavam isso de forma estratégica", afirma.  

Do meio para o final da faculdade começou a estudar aquilo que era a "Web 2.0", uma era na qual quem imperava eram os blogs. "Nessa época, eu comecei a ter mais essa orientação técnica/tecnológica, customizando via código, testando etc." relata. Assim, decidiu que queria trabalhar com internet e começou a se conectar com pessoas que atuavam em agências de Publicidade. O problema é que nessa fase não tinha muito espaço para jornalistas em empresas de Propaganda. "Isso do jornalista redator, da internet, era muito pequeno. Não existia um caminho dado", lembra. 

"Eu já estava com quase 30 anos, via essas coisas acontecendo e queria juntar os pontos. Eu me lembro de estar em uma crise. Estava me formando, gostava de trabalhar como assessor, mas o meu sonho mesmo era desenvolver coisas inovadoras, conectar as mídias. Ai eu pensei: a hora de ousar é agora. Pedi demissão e abri as portas para o viesse, buscando justamente um local que precisasse de um jornalista com formação e quisesse desenvolver o digital". Foi assim que ele aportou na Global AD para estruturar um núcleo de redes sociais, que ainda não existia.

A versão gestor 

A partir desse ponto, a história de Vinicius se mistura com a da agência, na qual atua desde 2012 e se tornou CEO em 2017. "Eu comecei no dia zero pensando em construir algo. Então desde o início me posicionei nesse sentido. Estava começando um núcleo de conteúdo, então pensava: qual a importância dele dentro da empresa, quanto que ele vai girar, etc.. Passou o tempo e surgiu essa oportunidade de ser sócio. Na verdade, foi um processo bastante natural", conta. 

Um dos segredos para o seu sucesso talvez seja a determinação: "Se eu intenciono estar em uma posição, tenho que me qualificar para ela, entender o que ela pede e já suprir essas necessidades. As pessoas precisam enxergar que faz sentido eu estar lá", afirma. Tanto na vida pessoal quanto na profissional, o respeito às pessoas é um de seus valores inegociáveis. "Não tem como a gente viver sem o desafio de entender o outro sem julgamentos", diz, completando que o que o rege são a colaboração e a inovação. "A gente só vai ser inovador se formos inclusivos e colaborativos. Sem a multiplicidade de trajetórias, conhecimentos e pontos de vista, não acredito que a inovação seja possível", reflete.  

Inovação também na sala de aula 

Além de ser gestor, ele também é professor de MBA na Universidade de São Paulo. "Eu tive sorte de iniciar no Marketing Digital quando ele estava começando, e me agarrei a essa oportunidade com muita sede de aprender, estudar, testar. Tudo foi dando muito certo e se via evidentemente o motivo", diz. Assim, ele passou a participar de importantes eventos da área, como curador e palestrante. "Acho que essa conjunção de fatores me levou a ser convidado para dar algumas disciplinas", supõe.  

Para ele, o ponto de maior satisfação na carreira é a união da Do it com a Global AD para criar a Do it Plus. "A gente quer muito fazer o diferente do modelo clássico de agência, respeitando todos os envolvidos nessa fusão, inclusive a cultura das duas empresas", explica, ao afirmar que esse momento sintetiza toda a sua carreira. Para o futuro, os planos são simples: trabalhar com tecnologia e com gente. "Para mim, é sobre isso no final do dia", finaliza.

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