Waldir Heck: Dom Quixote dos Pampas

Aos 80 anos, o jornalista compartilha histórias pessoais e profissionais; esta última voltada à economia, comunicação e ao agronegócio

Waldir Heck - Divulgação/Coletiva.net

Inspirado por seu personagem favorito, Dom Quixote, o jornalista Waldir Antonio Heck decidiu, após assistir a um musical sobre o cavaleiro defensor dos pobres e oprimidos da Espanha, que iria fazer como o personagem. Então, criou, em 1974, o jornal O Interior, publicação que teve 40 anos de circulação ininterrupta e era voltada aos setores agropecuário e cooperativista.

A familiaridade com o tema veio ainda na infância. Aos 80 anos, o filho mais velho do alfaiate Adão Augusto Heck e da dona de casa Olina Heck lembra quando ia para roça, com os avós paternos, que eram agricultores, em sua cidade natal, Tapera, distrito de Carazinho. "Esta é a origem que me guiou por quase toda vida, por isso que eu nunca consegui me desligar da agricultura. Vira e mexe, na minha vida, voltava para o Agro", recorda.

Das cicatrizes que traz da vida, o que lhe dói muito são as perdas de três irmãos, o primeiro ainda bebê, com alguns dias. Já ao lembrar-se dos outros dois, a voz embarga e as lágrimas vêm como um desabafo e uma imensa saudade.  "Primeiro foi o bebê, depois meu outro irmão tinha quatro anos e eu 10, ele teve uma febre muito forte e acabou falecendo. Já o terceiro, o Darci, tinha um ano e pouco de diferença de mim, quando estava brincando de caçar e acabou levando um tiro. Estas perdas me marcaram muito." Na época, Waldir já estava com 16 anos e estudava no Colégio Júlio de Castilhos, em Porto Alegre, então decidiu voltar para terra natal para dar apoio aos pais e a irmã mais nova, Rejane.

Em Carazinho trabalhou em uma madeireira, mas já estava se sentindo inquieto por lá, então, decidiu voltar a Porto Alegre, em 1957, para concluir os estudos. Três anos depois, começou a trabalhar no extinto Banco Industrial e Comercial do Sul (Sulbanco), mesma época em que fez vestibular para Arquitetura. Como as demandas do banco exigiam muito dele, acabou prestando vestibular para Economia, que era mais fácil e, inclusive, passou em primeiro lugar.

Contudo, ainda não havia desistido da primeira opção, fez outro vestibular e, desta vez, passou em Arquitetura. Por algum tempo, foi levando os dois cursos, até que foi aprovado em uma nova prova, desta vez, em um concurso público, por meio do qual atuou por sete anos na Secretaria da Educação e Cultura do Rio Grande do Sul. Devido às exigências profissionais, trancou as duas faculdades. Algum tempo depois, voltou mais uma vez para Carazinho, agora, para trabalhar como professor e diretor-adjunto do colégio estadual da cidade.

Amor de uma vida

Casado há 47 anos com a bancária aposentada Geni, conta, com um largo sorriso, que conheceu a esposa quando ia receber o salário do colégio na Caixa Econômica Estadual, onde ela trabalhava e que, como já estavam de olho um no outro, sempre davam um jeito para que ela o atendesse. Da relação, nasceu a arquiteta Márcia, a publicitária Raquel e o turismólogo e baterista da Banda Tequila Baby, Rafael.

Emocionado, Waldir compartilha como foi receber a notícia de que o filho se tornaria músico profissional e do apoio que lhe deu. "Eu disse para ele ir com tudo, pois, 'se era para ser profí era profí mesmo', mas que desejava que ele concluísse a faculdade. E assim ele fez", comemora. Também é com o mesmo orgulho que fala dos três netos, Antônio e Pedro, 10 e 7 anos, respectivamente, filhos da mais velha, que hoje moram em Lages, e o pequeninho, Vicente, de 4 anos, da Raquel, que volta e meia está na casa dos avós . "Agora, com os netos, eu entendi o sentido da vida", derrete-se.

Atualmente, os dias de folga são dedicados aos cuidados com o neto mais novo, à sogra e à família. O tempo que sobra investe para ler alguma coisa, ir ao cinema com a esposa. Jogar sinuca, às quintas-feiras, das 17h às 21h, com um grupo de amigos e viajar, quando possível, sem esquecer de trazer alguma bengala para sua coleção, também estão entre as preferências. Já as escolhas gastronômicas são churrasco na grelha, comida italiana e muita salada da Geni. Já a bebida, é um vinho tinto da vinícola Aurora.

Tanto na música como na sétima arte, ele se considera eclético. As leituras favoritas são voltadas para as que ele possa aprender. Como é o caso do livro do escritor e professor gaúcho Luiz Antonio de Assis Brasil 'Escrever Ficção: Um manual da criação literária'; além de 'Guerreiros não nascem prontos', do mestre em educação, arte e cultura e professor José Luiz Tejon; e a obra 'Meditações do Quixote' (Meditaciones del Quijote), do filósofo espanhol José Ortega y Gasset - todos devidamente guardados na estante do escritório. E, como não poderia faltar, tem ainda várias versões do livro Dom Quixote de La Mancha, escrito pelo espanhol Miguel de Cervantes, assim como dezenas de esculturas do personagem que decoram o local. 

Agro, economia e comunicação

Em 1969, criou a Dirton Publicidade Ltda, juntamente com o radialista Ailton Magalhães. Três anos depois, em uma parceria entre a empresa e a Publipan, de Panambi, fundou, em Carazinho, o Jornal da Produção, com a participação do jornalista Edemar Ruwer. Em outubro do mesmo ano, com o assassinato de Edemar, que era o repórter e editor da publicação, Waldir passou a acumular as funções de jornalista com a direção comercial. Segundo ele, isso ocorreu em um momento dramático, o que o faz se emocionar fortemente ainda hoje. "A partir daquele dia, tive que começar a pensar como jornalista e, não mais, como publicitário ou professor. Até hoje, mesmo tendo assumido outras funções, ou missões, tenho sempre presente uma atitude de jornalista - espírito crítico. Atento aos acontecimentos e à opinião pública", explica.

Depois de muitas reuniões com lideranças das cooperativas da região do Planalto Médio Gaúcho, foi instituída a Fundação da Produtividade, iniciando suas atividades de "Comunicação e Educação Cooperativa", com a produção do jornal semanal O Interior, em 28 de outubro de 1974. "O primeiro exemplar foi entregue ao presidente da República, Ernesto Geisel, no dia da abertura oficial da colheita do trigo. Antes do almoço, com fotos e textos do evento na capa, menos de duas horas depois do acontecimento", relembra, com orgulho.

Para Waldir, O Interior era um jornal intenso, posicionado em defesa do homem do campo e do cooperativismo. Ele conta que o impresso chegou a circular com tiragens de mais de 60 mil exemplares. Foram mais de 1.000 edições até 2014 e, durante vários períodos, houve alterações na direção do jornal, tendo o seu fundador voltado ao comando várias vezes; antes do Sistema Ocergs/Sescoop assumir, modificar e, por fim, fechar o jornal. "O Interior foi considerado o principal instrumento de mobilização do grande evento da Fecotrigo - O Grito do Campo, que ocorreu em outubro de 1984, no estádio Beira Rio."

Além disso, Waldir teve passagem pela Secretaria Estadual da Agricultura, como chefe de gabinete, diretor do Parque de Esteio e coordenador geral da feira agropecuária Expointer, sendo responsável por diversas inovações. Algumas delas foram a criação do Conselho dos Expositores (Gestão participativa) e parcerias administrativas com diversas entidades e empresas, que perduram até hoje. Também foi coordenador geral do Fórum Nacional da Soja durante 28 anos. Em 2004, foi convidado para ser diretor-sócio da Pilla Corretora de Valores, como representante do sócio-controlador (Fecotrigo), onde ficou até a aposentadoria, em janeiro de 2017. "Foi uma volta à origem", pontua.

Passados tantos anos, ele destaca como referências "inspiradoras" os "mestres" Mário Osório Marques, fundador da Fidene Unijuí, e o Padre Roque Lauschner, da Unisinos; o ex-presidente da Fecotrigo, Jarbas Pires Machado; o ex-ministro da Agricultura e doutor em Ciências da Educação, Roberto Rodrigues, e o professor e palestrante José Luiz Tejon. Encerra dizendo que nas vivências jornalísticas suas referências são o ex-presidente da Associação Riograndense de Imprensa (ARI), Alberto André, e o fundador do portal Coletiva.net, José Antonio Vieira da Cunha, o qual intitula como "um jornalista empreendedor".

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