Zete Padilha: Medo? Apenas de ficar parada

Mesma intensidade da guria do interior que acompanhou a repórter de TV, agora, impulsiona a assessora a seguir em movimento

Zete Padilha - Reprodução/Arquivo pessoal

Foi de frente para uma mãe que havia perdido seu filho e protestava no breu de uma noite em Salto do Jacuí, no Centro do Rio Grande do Sul, a 284 quilômetros de Porto Alegre, que a jovem Zete sentiu que queria ser jornalista. Ela via a cena da mulher vestindo preto, junto de uma cruz branca, por meio das lentes de uma câmera emprestada por um professor da faculdade e capturou sem cores o momento que jamais esqueceria. A foto foi contemplada com premiação em fotojornalismo pela Faculdade de Cruz Alta, e deu o pontapé - não o inicial, mas o principal - para que a empreendedora, que abriu o primeiro jornal da sua cidade (que tinha cerca de 12,5 mil habitantes em 2019, segundo o IBGE), chegasse com prestígio aos atuais 21 anos de carreira.

Ao público, a premiada repórter de televisão, que agora comanda a Comunicação da Segurança Pública do Estado, tem ares da seriedade de quem quase sempre trouxe conteúdos informativos e emocionantes. Mas, no dia a dia, a filha do eletricista Antônio Padilha e da dona de casa - e também empreendedora - Maria Inês dos Santos garante que é uma "moleque do interior" e acha engraçado que os espectadores tenham essa visão sóbria de sua personalidade. 

E existem muitas outras curiosidades na vida da salto-jacuiense que amava jogar taco na infância e que passou a ser chamada de Zete na quinta série. Sim, a jornalista, na verdade, se chama Eliziete. Apesar de gostar do nome de registro, uma colega achou "muito difícil" a pronúncia e, sem nem imaginar, deu o apelido que viria a ser reconhecido no meio da Comunicação gaúcha e que a profissional utilizaria formalmente, inclusive, para assinar documentos.

A irmã mais velha de Antônio César Padilha, pisciana, nascida em 13 de março, tem também um mistério: a idade. "Acho que puxei isso da minha mãe. Ela nunca falou a idade, minha avó também não. Para nós, realmente, não importa". Nem as amigas de Zete sabem quantas velinhas ela assopra a cada aniversário, sendo algo que não revela e também não costuma perguntar. A jornalista conta que tem até dificuldades quando precisa lembrar o ano de nascimento para informar oficialmente. Mas, para quem tem facilidade com os números, não é difícil desvendar as primaveras da guria que começou no meio jornalístico aos 17 e acumula pouco mais de duas décadas de trajetória na área.

A dona do jornal

Zete estava em seu primeiro emprego, uma loja de R$ 1,99, quando ouviu falar de uma vaga como vendedora de anúncios de jornal. E lá foi ela conquistar o cargo na sucursal de Salto do Jacuí de um periódico de Cruz Alta, e bater de porta em porta para oferecê-lo. Curiosa, foi se inteirando do trabalho do redator das notícias, até que o gerente, percebendo, propôs o desafio: entrevistar o pároco sobre a festa de Navegantes. "Ele me deu um bloco e uma caneta e disse 'te vira'. Eu pedi ajuda pro padre, porque não podia perder o emprego", relembra ela. Sem saber, havia feito a primeira de incontáveis entrevistas e aberto um novo caminho.

O mesmo chefe que viu naquela guria interessada um dom ofertou ajuda para que abrisse o próprio impresso, quando a sucursal fechou. E foi assim que ela virou a dona do primeiro jornal criado em Salto do Jacuí. Os anos à frente do periódico mudaram a visão da profissional - que decidiu cursar Jornalismo para melhorar o negócio - e de sua mãe, que se jogou - no empreendedorismo e na vida - junto com a filha, ajudando-a a tocar a parte administrativa. Foi ali que Zete fez parcerias com delegados (que viraram amigos) para a cobertura de pautas policiais, que desvendou o jornalismo na prática, além de ter descoberto a paixão por tudo que envolve a Segurança Pública.

A 'mãe' da Neni

A jovem acostumada com seus animais de estimação em Salto do Jacuí - um labrador e um rottweiler - se viu em um apartamento, sem a possibilidade de ter um cachorro pelos quase três anos em que permaneceu trabalhando como repórter da RBS TV de Cruz Alta. Mas, quando surgiu o convite para se tornar apresentadora e fazer matérias especiais em Passo Fundo, colocou na cabeça: não abriria mão de um 'filho' de quatro patas. E foi durante uma pauta, em uma feira de animais, que viu, em meio a um grupo de beagles, aquela pug: a Neni. Lá se vão 10 anos desse amor à primeira vista.

Mas não foi só a 'filha' canina que entrou na vida de Zete por meio da reportagem. O 'pai' da Neni, Rodrigo Migliavacca, foi a fonte que viria a ser seu parceiro de vida. A então estudante de jornalismo e dona do único jornal de Salto do Jacuí foi cobrir o tão esperado asfaltamento do trecho entre seu município e Cruz Alta, quando conheceu seu futuro marido. "Fui até a obra e perguntei pelo engenheiro responsável. E veio este moço", relembra. Após outros encontros na cidade e conversas, a relação se consolidou, e já tem 16 anos - sete deles oficialmente casados.

Apesar da própria dona confessar aos risos que acha "ridículo" os mimos que a pug ganha, a Neni é o bebê da casa. Porém, não se sabe por quanto tempo, já que está nos planos do casal a vinda de um filho. A rotina intensa de ambos - Zete como repórter e Rodrigo como engenheiro - fez com que as viagens e as reuniões com amigos fossem o foco dos dias livres. No entanto, os maiores períodos juntos que surgiram com a mudança da jornalista para o outro 'lado do balcão' fizeram com que a vontade de serem pais virasse pauta entre eles. 

A guria da TV

Chegar até o momento em que vive hoje não foi fácil. Enquanto se dividia entre seu jornal e a faculdade, viajando 160 quilômetros todo dia, por uma estrada de chão, foi na premiação da foto que tirou daquela mãe em luto que surgiu o convite para atuar na sucursal da Zero Hora, em Cruz Alta. Mas atrás das câmeras. Por três anos, Zete foi a fotógrafa freelancer do jornal, que sempre oferecia pautas para TV, o que acabou sendo seu passaporte para se tornar esse rosto conhecido da televisão gaúcha.

Após o convite para virar repórter na RBS TV de Cruz Alta, acabou apresentando os noticiários locais e, quase três anos depois, deu mais um passo na ascensão: a possibilidade de atuar em Passo Fundo, uma praça maior. De lá, passados cinco anos, muitas matérias e edições de jornais, surgiu a grande oportunidade da carreira televisiva e se mudou para Porto Alegre, como repórter da Capital. Ali, atuou ao lado de inspirações como Elói Zorzetto e Rosane Marchetti - de quem imprimia os textos para analisar e estudar cada detalhe em casa. 

Foi na reportagem da emissora que viveu momentos emocionantes. Dentre eles, a história de uma iniciativa que possibilitou a seis meninas com câncer em fase terminal do hospital de Passo Fundo que tivessem uma festa de 15 anos. Até hoje, relembra com a voz embargada e os olhos marejados o período acompanhando as 'Cinderelas'. "Eu tive que mergulhar na história delas. Foi duro". A repórter conseguiu levar a pauta ao Fantástico, e a ideia teve ajuda de celebridades como o cantor Luan Santana, que o foi príncipe da festa. Após o grande dia, Zete continuou em contato com as famílias e conta que chorou a cada notícia de falecimento.

Também foi na vivência de reportagem que recebeu sua maior crítica e o maior elogio, curiosamente, ambos sobre a mesma matéria. Ainda em Cruz Alta, após abordar a importância da população ajudar aos bombeiros voluntários, recebeu uma ligação do então comandante da Brigada Militar (à qual o Corpo de Bombeiros era ligada na época). As críticas foram intensas. "Eu só chorava", relembra. Mas foi após o conteúdo ter ido para revisão, na diretoria em Porto Alegre, que veio uma das maiores motivações: a resposta foi de que sua matéria era perfeita e chegou acompanhada da mensagem: "Nunca deixe de apurar. Nunca deixe de buscar boas histórias". E é o que afirma ter feito, orgulhando-se de sempre dedicar 100% de empatia às fontes e seus problemas, para poder mostrar cada realidade de perto.

Na busca de boas histórias, as pautas de agronegócio - uma das editorias preferidas, junto com a policial - lhe renderam momentos engraçados. Zete dá muitas risadas ao recordar os diversos presentes inusitados que ganhava de produtores rurais. Ela conta que, mesmo a empresa tendo uma política que proibia ao repórter aceitar brindes, essas fontes ficavam ofendidas e não acatavam a negativa. Em razão disso, além de camisetas e bonés, já foi presenteada com um leitão e um peixe, animal que mal coube no porta-malas do carro corporativo e foi o prato de um churrasco feito para toda a redação.

A amante da adrenalina

Uma passagem da infância dá o tom de quem seria a Zete no futuro, a mulher, a jornalista. Certa vez, a filha do seu Padilha resolveu recortar, de um periódico de outra cidade que circulava em seu município, um anúncio para mostrar ao pai. O texto convidava os jovens a se alistarem no Exército Brasileiro, e a guria disse que queria ser militar. O eletricista não deu ouvidos à ideia e a mandou estudar. Mal sabia ele que a jovem seguiria buscando adrenalina por todos os caminhos em que passasse (inclusive no ar, saltando de paraquedas).

Na vida profissional, desde a pauta que despertou seu amor pelo jornalismo até àquela que gerou a crítica e o elogio mais marcantes, a Segurança Pública estava lá. Quando tomou a importante decisão de deixar a televisão, após mais de 11 anos, foi para coordenar a Comunicação da Secretaria gaúcha responsável por esse setor da sociedade. Não adianta... "É o que faz meu coração acelerar", confessa, Zete.

Quando não está lidando com fontes, informações e textos, o amor pela adrenalina ainda se faz presente. Amante de carros, paixão que divide com o marido, ela afirma que podem se divertir passando um dia inteiro em uma concessionária de automóveis. Outro amor é pela sensação de estar sobre duas rodas, já que teve motocicleta por muitos anos - inclusive viajando junto a um motoclube - e pretende retomar os passeios ao lado de Rodrigo, nos próximos anos.

Mas, nos momentos de tranquilidade, em que gosta de ver bons filmes, não tem espaço para emoções tão intensas. Curiosamente, mesmo já tendo visto muita violência na vida real, devido à profissão, não consegue assistir agressões em produções cinematográficas. Zete não sabe explicar o porquê, mas conta que vira o rosto em cenas com socos, facadas ou outros momentos violentos.

A adrenalina ainda ganha espaço no gosto pelo esporte, em que a preferência vai para os que envolvem velocidade. Mas o futebol não fica de lado e a jornalista não tem problema em revelar: "Sou gremista roxa". O melhor dos jogos, para ela, é o clima do estádio, com amigos e uma boa cerveja. Aliás, esse é a única ocasião em que o vinho é deixado de lado, já que é a bebida que o casal realmente ama e com a qual harmoniza desde os pratos mais simples, que remetem ao interior, até as criações de Rodrigo na cozinha.

A Zete do futuro

E é sobre os sonhos que divide com o marido que Zete fala ao projetar seu futuro. Ela ressalta o quanto são parceiros para todas as ocasiões, incluindo as viagens, que sempre foram o destino do orçamento dos dois. Para os próximos 10 anos, pretende realizar o desejo de fazerem o trajeto do Grand Slam, campeonato de tênis - esporte praticado pelo engenheiro - e de morar fora do Brasil. Mas o amanhã é incerto, já que a jornalista tem também um bebê entre os planos a serem colocados em prática. 

Na vida profissional, o que vem pela frente também não é claro para uma pessoa que está sempre disposta a desafios diferentes. "Fechada eu nunca estou para novas possibilidades. O único medo que eu tenho é de ficar parada e não ter novas descobertas". Entre elas, pode se concretizar um "namoro" com a academia, relação que já conta com 'flertes', desde a época em que atuava na televisão. Zete, que fez mestrado em Comunicação quando se mudou para Porto Alegre, lamenta falhas que vê na execução do jornalismo atualmente e considera graves. Ela destaca a preocupação com o futuro da profissão, o que, quem sabe, pode ser um propulsor para que toda a energia seja partilhada em sala de aula. "É quase uma dívida que eu tenho com o jornalismo, de compartilhar esse conhecimento", reflete.

 

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