Se você deseja o fim da monotonia, adote logo um filhote canino

Por Márcia Martins

Seus dias nunca mais serão iguais. Não é profecia de desmiolada. Isto é tão certo quanto dois e dois são quatro. A monotonia definitivamente sumirá da sua vida e das páginas de seu diário ou agenda. Suas noites jamais serão de solidão. A qualquer hora da madrugada, por exemplo, se você estiver sem sono, lendo um livro ou simplesmente escutando uma música, ao seu lado estará um companheiro fiel e pronto para mostrar toda sua gratidão. Pode parecer estranho, mas até quando você vai ao banheiro, durante o dia ou noite, se a porta não estiver fechada, você não estará sozinha. Suas saídas terão quer ser mais planejadas para você não ficar muito tempo afastada de sua casa e as viagens, mesmo que esporádicas, também terão que ser programadas para que sempre tenha alguém na sua moradia.

Enfim, se você deseja realmente o fim da monotonia, acolha imediatamente um filhote canino. Se possível, adote nas feiras que acontecem nos parques, ou em ONGs ou em páginas do Facebook, aqueles com as caras mais mimosas do planeta que atendem pelo nome popular de vira-lata, cão de rua ou Sem Raça Definida (SRD). Aproveite o sol de uma bela manhã de domingo em Porto Alegre, caminhe pelo Brique da Redenção, e tome uma das decisões mais acertadas de sua vida: adote um cusco vira-lata, faça um cão feliz, leve para sua casa o seu melhor amigo. Seja um humano responsável e contribua para um animal doméstico a menos sofrendo neste mundo.

Quando um filhote entra na sua casa, ele, sem nenhum pudor ou constrangimento, invade os espaços, não só os permitidos, escolhe os melhores cantos para seu descanso, aninha-se carinhosamente ao seu lado no sofá, dá pulos surpreendentes que você jamais imaginou que um filhote daquele tamanho conseguisse. Quando um filhote passa a compartilhar da rotina da sua vida, você fica envergonhada com os arranhões nos braços e nas pernas provocadas pelo cusco, marcas sempre notadas nos locais onde você frequenta, reza para que os vizinhos não reclamem dos latidos histéricos do cachorro toda vez que um habitante da casa retorna de um compromisso na rua. Quando um filhote invade a sua intimidade, os dias passam a ser sempre uma surpresa e as noites podem ser de calmarias ou sobressaltos.

E, o principal: prepare-se para um fatal e inevitável estrago nas suas roupas. Filhotes não têm noção do que é permitido e aceitável. Numa tarde de domingo, a fim de tirar um sossegado cochilo no sofá da sala, resolvi entregar um enorme osso de brinquedo para que o filhote da mais pura raça SRD batizado de Quincas Fernando Martins, que foi adotado depois de uma decisão conjunta com a filha Gabriela, deixasse eu pegar no sono. Evidente que ele ajeitou-se atrás das minhas costas, deixando pouco espaço para o meu corpo. Com seus dentes afiados e sua ânsia de mastigar e morder o osso, Quincas terminou por rasgar o meu vestido. Em outra oportunidade, cheguei numa reunião de diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS, do qual faço parte, com uma blusa preta esbranquiçada com os pelos de todas as matizes que Quincas depositou nas minhas roupas.

Quem me lê com certa assiduidade, sabe que perdi, no dia 8 de novembro, o cão Dalai, meu amigão e companheiro da raça shih tzu, meu neto canino que eu amava loucamente, e que estava conosco há 10 anos. Ele ficou dois meses doente e não resistiu a um imenso e pesado tratamento de remédios a que precisou ser submetido. Logo, a decisão de adotar um novo cão, sem um intervalo maior para viver o luto do Dalai foi difícil e exigiu muita maturidade. Mas hoje sei que foi acertada e que um amor não substitui o outro. Amores não são trocados. Apesar da felicidade imensa que seu mano Quincas proporciona para as humanas Márcia e Gabriela, o Dalai é presente, vive nos meus pensamentos, povoa as minhas melhores lembranças e, às vezes, ouço seu respirar pelos cantos. Mas, definitivamente, um lar sem cachorro, é uma casa bem menos feliz, mais calma, sem surpresas, sem recepções calorosas e sem latidos e lambidas.

*Coluna originalmente publicada em 25/04/2018.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

Comentários