Futurewashing: um futuro de fachada apresentado pelas organizações para reputações de impacto inovador

Termo foi apresentado recentemente na Itália por pesquisadoras do Italian Institute for the Future

07/10/2024 15:00
Futurewashing: um futuro de fachada apresentado pelas organizações para reputações de impacto inovador

Temas como inovação, futuro, sustentabilidade e diversidade estão frequentemente em pauta das empresas. A cobrança dos consumidores por maior responsabilidade das organizações e a busca por fortalecimento da reputação fazem com que esses assuntos estejam cada vez mais presentes nas comunicações. Porém, algumas vezes, contribuem com uma percepção falsa sobre a atuação nessas áreas. Assim como o greenwashing, que indica uma prática de ?lavagem? para aproveitamento da tendência da sustentabilidade sem efetivamente realizar alguma ação prática dedicada à ecologia, recentemente, foi apresentado na Itália o futurewashing.

O neologismo indica a estratégia de Comunicação e Marketing de determinadas corporações, marcas, organizações, governos, consultorias e consultores com o fim de construir uma imagem inverídica em relação ao futuro, sob o perfil de impacto inovativo. Trata-se do ato de transmitir uma impressão mentirosa ou fornecer informações enganosas sobre a preparação e a aptidão em relação aos desafios de cenários futuros, podendo ser de caráter intencional ou não.

O estudo foi realizado pelas pesquisadoras do Italian Institute for the Future Joice Preira ou Arianna Mereu e apresentado em setembro de 2023, no Congresso Nacional de Futures Studies, em Nápoles, na Itália. Segundo Joice, a pesquisa tem como objetivo ampliar o debate sobre o assunto e gerar maior consciência tanto em quem emite as comunicações, como em quem as consome.

?É preciso confrontar essas ideias com visões plurais, inclusivas, decoloniais, descolonizadas e acessíveis no médio e longo prazos. O futuro não existe, e temos que recuperar a capacidade de imaginá-lo como dimensão do possível. Por isso, é fundamental praticar uma alfabetização e um letramento sobre o assunto?, explica.

A nova terminologia busca ampliar a discussão sobre a responsabilidade social sobre o uso consciente dos futuros para que sejam geradas normativas sobre a temática. Apesar de novo, o assunto reflete, também, na reputação das marcas com comunicações adequadas ou, ainda, quando tem sua veracidade questionada pelo público, com rápida disseminação de informações pelas redes sociais.

?As marcas têm a responsabilidade ética e legal de comunicar de forma transparente e precisa suas aspirações, planos e progressos em relação à inovação e ao impacto futuro. Devem evitar exageros e promessas vazias e garantir que suas mensagens sejam respaldadas por ações concretas e resultados mensuráveis?, ressalta o fundador e CEO da Notório, Lucas Dalfrancis, que complementa com o alerta: ?Hoje, há uma patrulha para além do Jornalismo, mentir ou ampliar pode destruir uma história. E as cicatrizes demoram a se ligar?.

Está na moda falar de futuro?

Com a diversidade e renovação frequente da tecnologia, passou-se a falar mais sobre inovação. Com o conceito, está aliada à ideia de futuro, e as temáticas estão em alta tanto nos materiais de divulgação, quanto nos discursos internos de cultura das organizações, nas capacitações profissionais, bem como nos milhares de eventos ligados aos temas no Brasil e no mundo.

No entanto, Joice sublinha que são poucos os países que contam com instituições de pesquisas e aperfeiçoamento sobre futuros. E a falta de capacitações sobre o assunto também é responsável, seja de forma consciente ou inconsciente, pelas comunicações inverídicas sobre o que ainda virá.

Assim como o crescimento de agendas de governança ambiental, social e corporativa (ESG), as quais foram implementadas nas empresas como medidas de diferenciação no mercado com maior responsabilidade social, falar sobre o futuro desperta a atenção e pode resultar em uma posição de liderança perante a concorrência.

?Falar sobre essas temáticas é muito bonito e é o que o público espera. Porém, entrar em qualquer washing nessas áreas é muito fácil se os processos não estiverem alinhados com os discursos reproduzidos?, reforça a especialista em Marketing e professora do Master em Foresight Estratégico e Design de Futuros da ESPM, Vanessa Spirandeo.

Reputação de marca x responsabilidade social?

As boas práticas organizacionais estão muito ligadas às novas exigências de consumo. Atrair os clientes pelas ações positivas é uma estratégia, e a reputação é uma ferramenta importante para se destacar no mercado. ?Reputação é o espelhamento de uma soma de atitudes e a interpretação disso na opinião pública. Entretanto, é crucial que as marcas traduzam seus valores em ações tangíveis. A autenticidade é essencial, pois os consumidores estão cada vez mais atentos às práticas reais das empresas, além das mensagens pasteurizadas e bem empacotadas de marketing?, levanta Dalfrancis.

Para ele, uma comunicação clara e transparente sobre as iniciativas é fundamental para construir e manter a confiança do consumidor e garantir a consistência entre a imagem e a prática empresarial. Desse modo, as empresas devem avaliar e assumir a responsabilidade por seus impactos sociais, buscando contribuir de forma positiva para as comunidades em que operam. ?Marcas não são meramente produtos, são a personificação de ideias?, sublinha o especialista.

Baseada no Marketing 4.0, a internet também une coletividades e, por esse motivo, as marcas precisam olhar atentamente para as suas comunidades, para o cuidado com as pessoas que as cercam e as consomem. ?É fácil se perder no ganhar dinheiro, mas para o financeiro ir bem, é preciso existir pessoas. Toda empresa que só quiser retirar, sem contribuir, perderá espaço?, aponta Vanessa.

Neste contexto de cobrança pelo social, a população está cada vez mais atenta e cobrando as empresas por seus posicionamentos e atitudes. Qualquer prática ou informação mentirosa pode ser facilmente contestada. ?Quando o discurso de uma empresa não condiz com suas ações, os consumidores percebem isso como falta de autenticidade e comprometimento. A disseminação rápida de informações nas redes sociais e a crescente conscientização dos consumidores tornam ainda mais difícil para as empresas esconderem inconsistências entre o que dizem e o que fazem?, diz o CEO da Notório. Em virtude disso, ele projeta que as organizações sigam sendo pressionadas a serem mais autênticas e sustentáveis em suas práticas e comunicações, o que dará maior ênfase em prestações de contas e no compromisso com a verdade.

A professora da ESPM acredita que, apesar de o consumidor estar ganhando mais consciência de forma gradual, ainda é fácil praticar qualquer tipo de washing em países como o Brasil, em que parte da população tem dificuldades financeiras. ?A consciência não é um despertar, é um crescer e leva tempo, mas ela também custa caro. Poder escolher não beneficiar alguma marca ou bancar uma ideologia não é acessível a todos. Como fazer uma escolha se a empresa é a que cabe no meu dia e no meu bolso??, questiona.

Como identificar um futurewashing?

A fim de gerar conhecimento e reflexões sobre o assunto, as pesquisadoras Joice e Arianna pensaram em cinco aspectos para identificação do futurewashing. O primeiro deles, e que deu origem ao estudo, é o futuro único, facilmente identificado em publicidades relacionando o uso de determinado produto ao futuro. Por ser algo inexistente e incerto, o futuro deve ser tratado de forma plural, pois há uma infinidade de caminhos possíveis, que estão relacionados com as vivências individuais das pessoas, com acontecimentos do passado e do presente, bem como com ações atuais.

O segundo ponto é pensá-lo por uma lente única, apenas pela visão parcial de quem está comunicando, seja observando-o somente pelo aspecto tecnológico ou econômico, por exemplo, ignorando outros fatores como sociais, ambientais, políticos e sociais. Outro fator levantado é a direção única, geralmente apresentada como uma utopia ou uma distopia, ou seja, um cenário exageradamente otimista ou pessimista.

O estudo indica, ainda, o método único, quando a organização ou indivíduo utiliza apenas uma técnica ou ferramenta de futures & foresight, independentemente do projeto para executar o processo. E, por fim, o pensamento único, quando não desafia ou questiona as estruturas existentes, como o sistema capitalista ou o processo de descolonização. Geralmente, esse discurso é preferível para quem o dissemina e é fomentado por aqueles que detêm poder, influência e privilégios.

Para pensar e falar sobre, a futurista do instituto italiano alerta que é preciso utilizar a imaginação para visualizar diferentes cenários e refletir sobre o que está sendo feito agora para que eles aconteçam. ?O futuro não nos envia dados precisos, não é previsível e, mesmo se tentássemos prevê-lo, nunca teríamos todas as informações disponíveis para que fosse possível contemplar cada variável envolvida em um mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo.?

Segundo ela, no entanto, as escolhas que tomamos hoje produzem consequências. Joice lembra que sempre existirão eventos fora do radar, impossíveis de serem antecipados, mas de alto impacto, como o ataque às torres gêmeas, nos Estados Unidos em 2001, ou a pandemia da Covid-19, em 2020.

Além da consciência de quem emite a comunicação e de quem consome, normativas podem ser criadas para coibir o futurewashing. Contudo, estima-se que esse processo seja ainda lento, afinal, o termo greenwashing surgiu em 1986 e, apenas em setembro de 2023, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia chegaram a um acordo sobre uma nova diretiva para combater alegações ambientais enganosas ou sem fundamento feitas pelas empresas.

No Brasil, em outubro de 2023, foi publicada a Resolução da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) nº 195/2023. Ela prevê a adoção, inicialmente voluntária e obrigatória a partir de 2026, dos padrões do International Sustainability Standards Board (ISSB) para os relatórios de sustentabilidade de empresas de capital aberto, securitizadoras e fundos de investimento.

?Foram 40 anos entre a identificação do fenômeno e a criação do conceito até chegar a uma ação concreta. Por isso, ainda não temos uma perspectiva de quando isso ocorrerá com o futurewashing. Nosso objetivo, neste momento, é iniciar uma conversa?, reflete Joice. A pesquisadora acredita que, em um primeiro momento, seja mais viável iniciar o processo com a certificação de profissionais especialistas em futuro com qualificações a partir de instituições dedicadas ao tema, que ainda são poucas no mundo.