Jornalistas na rua da amargura

Por Gilberto Jasper, para Coletiva.net

Depois de mais de 40 anos de jornalismo, choca ouvir com frequência notícias das dificuldades financeiras de colegas, principalmente os mais velhos. Todos nós somos bombardeados com pedidos de participação em vakinhas para custear tratamentos médicos e para que colegas consigam comprar comida ou recursos para não serem despejados de suas residências.

Pertenço à geração que fazia da boemia um estilo de vida. Sair da redação, tarde da noite ou cedo da madrugada, direto para o boteco Porta Larga, ao lado da Zero Hora, era sinal de aceitação por parte dos jornalistas mais "cascudos". Era uma espécie de rito de passagem, onde éramos - os "focas" -, aceitos no seleto grupo de "jornalistas de verdade".

De lá para cá, muitas coisas mudaram. Mas o descaso dos profissionais de jornalismo diante do futuro, da velhice e da aposentadoria continua permanente. Sou desvinculado de qualquer entidade de classe. Causa náuseas o engajamento político-ideológico que faz, de sindicatos e associações, instrumento para projeção partidária.Na década de 80, quando cheguei à ZH, participei de assembleias, reuniões e mobilizações na redação. Mas notei que raramente havia comprometimento sincero com as causas profissionais. Quero ver as entidades empenhadas em procurar instituições financeiras para negociar seguro de vida a preços módicos, plano de saúde e algum tipo de previdência privada em grupo para minimizar as mazelas da velhice digna à categoria.

Profissionais de diversos segmentos são amparados por entidades de classe. Alguns de pouca relevância, mas com representantes engajados no apoio aos colegas. Jornalistas alimentam a ilusão de que a carreira é infinita, que jamais faltará saúde e que, esteja onde estiver, conseguiremos ajuda nos momentos difíceis. Doce ilusão!

É grande o contingente de jornalistas que sobrevivem de migalhas, apelidadas de "salário". Submetem-se a jornadas infindáveis, condições humilhantes de trabalho. Precisam sobreviver.

Os boletos vencem. É preciso comer e pagar a escola da gurizada. Muitos fazem bico como Uber, outros são cuidadores ou fazem compras para idosos nas horas vagas. É gente que ganhou prêmios por desvendar quadrilhas e denunciar assaltantes do erário público que mora de favor, usa roupa surrada, chinelo de dedo e sem acesso a tratamento médico ou dentário.

Otimista incorrigível, sonho que um dia nossos "representantes" possam se olhar no espelho e dizer: "Eu luto de verdade para ajudar os colegas, dar vida digna e um futuro decente a eles". Mas isso? é pedir demais. Talvez esteja sendo injusto com alguma entidade. Mas pela quantidade de colegas que vivem "na rua da amargura", a realidade é de abandono, privações e miséria.

Gilberto Jasper é jornalista ([email protected])

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