O efeito Larissa Manoela para o jornalismo*

Por Carlos Guimarães, para Coletiva.net

O Fantástico do dia 13 de agosto registrou a maior audiência do programa desde 8 de janeiro, quando houve uma edição estendida que mostrava o atentado à democracia naquele dia. O motivo foi a exibição de uma entrevista com a atriz Larissa Manoela falando sobre a forma com que seus pais administraram (sic) sua carreira. O assunto pautou o fértil noticiário de celebridades na semana, reacendendo até os famosos duelos entre Globo e SBT que a gente adorava nos anos 1990. Mas por que a vida íntima de Larissa Manoela despertou tanto a curiosidade das pessoas?

A primeira resposta está justamente naquilo que se tem hoje em dia: a audiência é curiosa. As redes sociais potencializam essa vontade de saber mais sobre as celebridades. Elas conferem às pessoas famosas uma sensação de intimidade, em que abrem suas casas, casamentos e supostas imperfeições para seus seguidores. É claro que existe um filtro nas redes sociais, embora o objetivo seja justamente uma aproximação entre o que outrora era inalcançável - o ídolo - e aquele que hoje pensa alcançar - o fã. Aquilo que parece - a intimidade, a proximidade, o invasivo - é mais importante que aquilo que é - as postagens, sabemos, possuem uma finalidade, uma intenção e passam longe de realmente mostrar quem as pessoas são de fato.

Por isso que a pergunta suscita mais de uma resposta. Fosse somente este o motivo, nem precisaria do Fantástico. Bastaria acessar aos perfis de Larissa Manoela nas redes sociais. A questão é que, depois de muito tempo, uma entrevista exclusiva, de caráter jornalístico - sim, foi jornalística mesmo que você não saiba quem ela é - e exibida na TV aberta, isto é, para um público que vai além dos seus seguidores, obteve uma sensação de que estávamos nos velhos tempos gloriosos da televisão: o suspense, a espera, a audiência a outras reportagens que não interessavam, a expectativa de ter, a partir de um meio tradicional, um "furo de reportagem" que realmente expõe uma celebridade conhecida de um público que fez a diferença nesse dia. A segunda resposta que tenho, desta forma, é que o sucesso da pauta se deve, principalmente, por trazer uma figura conhecida e idolatrada pelo jovem ao universo da audiência plural de um programa como o Fantástico.

Larissa Manoela tem 22 anos e foi uma artista-prodígio. Trabalha como atriz desde os 4 anos de idade e, além de atuar, já lançou três livros para o público infanto-juvenil e gravou três álbuns destinados à mesma audiência. Ela é um fenômeno midiático, com mais de 80 milhões de seguidores nas redes sociais. Ela é um dos mais bem-sucedidos produtos nascidos e desenvolvidos nesse ambiente digital. Ela entendeu bem sua carreira ao ponto de unificar linguagens diferentes?-?atriz, cantora, escritora, influencer?-?num único produto. Ela representa aquilo que o jovem consome e, num espectro maior, aquilo que o jovem quer ser. 

A chave do sucesso da matéria, portanto, está no pano de fundo da reportagem, feita para descortinar uma celebridade idolatrada pelos jovens. Juntando a curiosidade com a identificação que o jovem tem com Larissa Manoela, produto desta geração, a Globo traz para si uma audiência que parecia perdida. O comportamento de consumo do jovem em comunicação é fragmentado, hiperlinkado, on demand e rápido. É story, meme, dancinha. É Reels e TikTok. Se essa linguagem não cabe para o ambiente da TV aberta, coloca-se, então, a pauta. Eis o aprendizado: a pauta Larissa Manoela foi um sucesso porque ela chamou o jovem para a TV aberta. Por isso, o jornalismo atual precisa compreender o que foi este fenômeno. Para ganhar audiência e despertasse a atenção do jovem, a TV aberta precisou de um evento para que o jovem fixasse seu olhar no Fantástico por três horas. Trata-se, logo, de um desafio para o jornalismo tradicional. Não é bem pelo fato de que as redes sociais atropelaram os meios tradicionais. É, também, porque o jornalismo tradicional envelheceu. Parou no tempo. Em pauta, linguagem e reserva de mercado. 

Os puristas dirão que Larissa Manoela não é pauta. Dirão que é impossível fazer jornalismo no TikTok. Dirão, possivelmente, que defendem a volta dos manuais de redação que engessaram a prática jornalística em lide, texto, fonte, fechamento. Eu também gostava mais dessa época, mas isso interessa muito pouco. Como qualquer coisa na sociedade, o jornalismo precisa acompanhar o espírito de cada tempo. O atual é jovem, desprendido, preocupado com os efeitos e não com os métodos.  E utiliza como pauta alguém que provavelmente você desconhece, mas que possui 80 milhões de seguidores. Cabe a nós, velhos (ou nem tão) jornalistas entender esse fenômeno. O efeito Larissa Manoela para o jornalismo foi algo interessante demais para ignorar, e aponta também para quem insiste em dizer que o jovem não se interessa por jornalismo. Ele talvez não se interesse por aquilo que está no passado. Ou por quem insiste em viver no passado. 

*A inspiração para escrever sobre este assunto veio a partir de uma reflexão dos meus alunos da ESPM, que levantaram esse assunto durante uma palestra. O texto é, também, um recado deles.

Carlos Guimarães é jornalista e professor.

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