A Aranha Branca

Por J. A. Moraes de Oliveira O homem estava sentado e imóvel no terraço, mesmerizado pela imensa montanha na paisagem azulada. Fazia zero grau …

Por J. A. Moraes de Oliveira

O homem estava sentado e imóvel no terraço, mesmerizado pela imensa montanha na paisagem azulada. Fazia zero grau naquela manhã, mas o homem parecia não se importar com nada mais, além da imponente massa de gelo envolta pelo nevoeiro.


Do lado confortável e aquecido da janela, eu tomava meu chocolate quente, tentando entender o que fazia aquele homem no terraço. Minha curiosidade acidental aumentou ainda mais quando o garção suíço, notando meu interesse, falou com sotaque italiano:


- Ele sempre vem aqui nesta época e fica olhando para a montanha por dias. Depois, desaparece por um ano inteiro.


E se afastou, antes que eu tentasse saber mais sobre o personagem do outro lado da janela.


***


Eu já ouvira falar daquela montanha - seu nome era Eiger, que significa Ogre em alemão. O nome é justificado pela longa lista dos que morreram, tentando escalar sua face norte. Na cabeceira do meu quarto de hotel em Bern, eu tinha o livro "The White Spider", de Heinrich Harrer, que comprara no aeroporto, pensando ser um romance de espionagem, mas que descobri ser a fascinante estória dos que tentaram - quase todos sem sucesso - desafiar o Eiger. Anos mais tarde, o nome de Harrer ficaria mundialmente conhecido com "Sete Anos no Tibet" e sua amizade com o Dalai Lama.


Terminei o chocolate quente e fui até a janela olhar mais de perto o homem no terraço. Ele agora empunhava um grande binóculo e focava o cume da montanha. Senti alguém ao meu lado - era o garção italiano. Apontou com o queixo para o homem de binóculo:


"Ele está procurando o roteiro dos sete alpinistas de 1952, que morreram congelados na Aranha Branca, um paredão de gelo em forma de aranha".


Olhei para o Eiger, mas as nuvens brancas encobriam a face norte e eu não consegui ver nada. Desejei ter comigo o livro de Heinrich Harrer, para entender aqueles aventureiros obcecados em escalar os paredões inacessíveis da montanha.


***


O relógio na parede me lembra sobre meu compromisso nesta pequena Grindelwald. Visto meu sobretudo e vou em busca de um táxi. Na saída, noto o homem do terraço caminhando em direção da estação de trem. O motorista do táxi me informa que dali sai um trem que sobe até um hotel, a 3.500 metros de altitude. Parece que meu personagem decidiu olhar a montanha de perto.


Depois das reuniões, volto ao hotel, antecipando uma boa noite de sono. Mas fico acordado até tarde, absorvido pelas narrativas de Heinrich Harrer e as tragédias do Eiger.


Leio que as tentativas de escalar a montanha começaram em 1858. Durante 200 anos, a face norte - uma torre vertical de granito com 4.000 metros - permaneceu inacessível. Em 1930, três alpinistas alcançaram a face norte, mas ficaram sepultados sob o gelo. Oito anos mais tarde, um grupo de alemães e austríacos conseguiu chegar ao topo e voltar vivo. Heinrich Harrer era um deles. Ele conta que, ao atingirem o cume, não conseguiram colocar a bandeira, nem admirar a paisagem, pois o vento mudou e foram forçados a voltar.


Anos depois, uma avalanche deslocou uma rocha e criou um paredão de gelo, em forma de aranha, que ficou conhecido como a Aranha Branca.


Dizem que ainda é possível ver os ganchos e as cordas das expedições que desapareceram na montanha. Fecho o livro e tento dormir, me perguntando que motivos levam tantos homens a tentar dominar uma montanha, que se recusa a ser vencida. Talvez o Dalai Lama tenha feito a mesma pergunta ao autor de "Sete Anos no Tibet".


***


Eu já havia esquecido o homem no terraço em Grindelwald quando leio no jornal sobre a morte de Heinrich Harrer, aos 93 anos de idade, em Friesach, na Áustria. Uma bela aldeia cercada de bosques, mas da qual não se avista nenhuma montanha.


Movido por um impulso, vou até a estante e logo encontro o livro que procuro. Na contra-capa de "The White Spider", a biografia e a foto do autor Heinrich Harrer, vestido com roupas de alpinista.


O rosto na pequena foto desbotada é o mesmo do homem que olhava o Eiger.

Comentários